sexta-feira, setembro 05, 2008

- Dona Terezinha, Pedro não pode ser contrariado.


Em muitas situações complicadas da minha vida, sempre pude contar com Tio Fulano. Tio Fulano é um cara que tem uma personalidade forte, às vezes tem um jeito meio ACM de ser. Eu explico: se ele vai com sua cara, você é a melhor pessoa do mundo, ele mata e morre por você. Mas, se o santo não bater, quando encontrar com ele, passe para o outro lado da calçada. Enfim... ainda bem que pertenço ao primeiro grupo e, desde que eu era pivete, ele sempre esteve pronto para me ajudar no que fosse preciso. Tio Fulano é um grande médico, diretor de hospital, um cara realmente bom no que faz e reconhecido nacionalmente.

Eu estudava no Anchieta e estava prestes a perder o 2º ano do ensino médio. Naquela época, existia uma saída para alunos aplicados como eu: o Colégio São José, apelidado carinhosamente pelos alunos – normalmente filhos de famílias abastadas de Salvador – de San Joseph High School.

No São José só faltava a chaminé. Aquilo era uma fábrica. Pagou, passou. Mas tinha um porém: só quem tinha muita influência ou dinheiro conseguia a proeza de não assistir aula e nem nunca aparecer no colégio. Como eu queria fazer cursinho pré-vestibular, eu precisava conseguir ser liberado das aulas. O jeito foi apelar a Tio Fulano.
Fomos no seu carro em direção ao San Joseph conversando amenidades. Não esqueço da cena, ele de terno, gravata e maleta, parado na frente do colégio e me perguntando:

- Vem cá, o que é que eu tenho que dizer?

Eu respondi:

- Meu tio, não sei... eu só sei que eu não posso ficar vindo nesta espelunca assistir aula. Preciso me preparar pro vestibular.

Tio Fulano, homem de decisões rápidas e gestos bruscos, retrucou antes de eu terminar:

- Ok, deixe comigo.

Andando pelo corredor deserto do colégio, ele completou:

- Não fale nada, fique calado.

Apareceu então uma senhora baixa, notoriamente acima do peso e com fartos anéis dourados nos dedos. Era Dona Terezinha, diretora do colégio ou, como queiram, superintendente da fábrica. Nos convidou a entrar em sua sala. Obedeci Tio Fulano: mal dei bom dia, sentei na cadeira e calado fiquei. Primeiro, ele se apresentou, deu todas as suas credenciais, as suas altas patentes. Astuto, ele queria mostrar prestígio para conseguir o que queria. Dona Terezinha prontamente entendeu o recado e começou a tratá-lo com muita distinção. Puxação de saco mesmo.

Ali naquela cadeira eu era um mero detalhe, quase um vaso de planta. Tio Fulano rapidamente conseguiu dominar a situação e, se valendo do tratamento quase servil de Dona Terezinha, ele que já tem um tom de voz grave, começou a falar ainda mais firme e mais alto enquanto gesticulava com o dedo:

- Dona Terezinha, me escute com atenção: Pedro não pode assistir aula.

Achei que Tio Fulano tinha pesado a mão, foi muito rápido ao ponto. Um respeitado professor de medicina exigia, sem pudor algum, que seu sobrinho não freqüentasse a escola.

Dona Terezinha, talvez um pouco amedrontada, respondeu:

- Não se preocupe, doutor! Não se preocupe...

Ele aproximou o rosto e o dedo em riste da face assustada da diretora e continuou falando:

- Dona Terezinha, Pedro não pode ser contrariado. Pedro é doente. A senhora está entendendo?

Nesse momento a minha vontade era explodir em gargalhada. Mas continuei calado, ombros baixos e fitei o chão. Dona Terezinha talvez nunca tivesse visto tanta objetividade. Rapidamente ela resolveu o problema:

- Doutor, não se preocupe... Pedro já está passado. Estou garantindo ao senhor.

Tio Fulano me chama de “meu tio”. Ele olhou pra mim e falou alto:

- Você ouviu meu tio? O problema está resolvido.

Dona Terezinha repetiu baixo:

- ... está resolvido.

Tio Fulano apertou a mão de Dona Terezinha, deu um cartão de visitas e falou com firmeza:

- Qualquer coisa que a senhora precise, me procure.

A partir daquele dia, todo dia 5 eu passava lá para pagar a mensalidade. Nunca comprei o uniforme. Ao fim do ano, recebi meu boletim: História – 7,4. Português – 6,75 e por aí vai.

Sabendo desta história, um amigo meu que estudava no São José foi até a sala da diretora perguntar por que eu tinha sido liberado de assistir aula e ele não.

Impaciente, Dona Terezinha respondeu:

- Porque Pedro é doente!

7 comentários:

Anónimo disse...

Dona Terezinha, Pedro não é doente. É descarado mesmo !
Bruno Agra

Vivz disse...

Estou passando mal de rir. Muito bom!

Senhorita B. disse...

Como vai Tio Fulano? Lembro dele, Péu! Era muito bacana com a gente.
Bjs

Fábio disse...

Mas que cara-de-pau!

Só não entendi o porquê de ter que fazer cursinho no segundo ano, ainda mais se era para fazer vestibular para Publicidade...

Anónimo disse...

Rapaz,
O que você fez neste ano depois disso? hehehe

aeronauta disse...

Você consegue nos familiarizar com a situação narrada, com os personagens! Eu vi toda a cena enquanto lia!

Anónimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu