quarta-feira, dezembro 17, 2008

Eu, Renata e Tio Fulano pra chutar o balde.


Ela era dona de um fabuloso par de olhos verdes, duas verdadeiras tochas cor de esmeralda. Loira, cabelo liso, bem liso, pele bem branquinha, lábios cor-de-rosa. Como se não lhe bastasse ter uma beleza difícil de encontrar em qualquer esquina de Salvador, ela era atenciosa, simpática, bem-humorada. E tinha um sorriso fascinante que, não raro, me levava a um quadro de taquicardia aguda. (Desculpem o fim de raciocínio não muito romântico, mas é a descrição de paixão de um hipocondríaco).

Faffy, uma grande amiga, apresentou-me Renata na porta do Colégio Módulo, onde as duas estudavam. Eu tinha 20 anos, a garota por quem meu coração subitamente bateu mais forte tinha apenas 16. Naquele dia, havia outros colegas delas na rodinha de conversa e então trocamos poucas palavras de início. Era uma daquelas situações onde você não consegue prestar atenção em nada que outra pessoa do grupo diz. Seja porque seu cérebro está ocupado demais tentando achar um assunto para puxar com quem lhe interessa ou porque nada alheio a ela desperta a atenção de seus ouvidos.

De lá, fomos comer alguma coisa em uma loja de conveniência próxima ao colégio. Convidei as duas, Faffy e Renata, para irem comigo no carro. Recebi de minha paquera um doce e carinhoso “não”. Com seu sorriso desarmador, ela disse que preferia ir a pé já que era bem pertinho. Foi uma resposta que tinha tudo para soar antipática, mas Renata era extremamente jeitosa, educada. E, cá pra nós, ter negado a carona foi apenas mais um indício de que ela era uma garota diferente de muitas outras.

Estávamos em pleno posto de gasolina comentando as aventuras virtuais de Faffy, a adolescente hacker que uma vez foi até rastreada pela polícia. Rimos bastante, o clima descontraiu ainda mais e então me senti à vontade para tentar estreitar o contato:

- Você tem ICQ, Renata?

Eu sempre fui um cara péssimo de paquera presencial. Mas meu desempenho aumentava consideravelmente quando o ambiente era virtual. Fui rato de VP da Telebahia (vídeo-papo), mIRC, ICQ e, há algum tempo atrás, MSN. Enquanto meus amigos iam para os ensaios do Gera Samba no Clube Espanhol, eu paquerava pela internet. Era muito mais prático e eficiente. Fora que eu não bebia e, nestas festas, nunca entrava no clima. Aí é meio brabo você ir pra um negócio desses só ficar ouvindo Compadre Washington gritar “Tchannn!! Tchannnnnnn!!” e ainda não morder ninguém. (Impressionante, é só falar do mestre que meu vocabulário torna-se irresistivelmente pobre e cafajeste).

Bom, vou voltar a Renata. Por algum motivo, falar dela é mais agradável que falar de Compadre Washington.

Trocamos números de ICQ e, chegando em casa, a primeira coisa que fiz foi adicioná-la à minha lista. A partir daí, passamos a conversar com uma freqüência quase que diária. Era impressionante, nunca faltava assunto. Falávamos de tudo e quando eu percebia, horas haviam se passado. Só tinha um problema nisso tudo: eu não conseguia avaliar se existia reciprocidade no sentimento ou se ela me via como um bom amigo.

Na hora das maiores dúvidas existenciais, nos momentos em que a vida jogava em meu colo seus grandes mistérios, era ele a quem eu recorria: Tio Fulano. Tio Fulano, como muitos já sabem, é um superlativo de praticidade, um sujeito que não costuma perder tempo diante de interrogações, quaisquer que sejam elas. Exclamativo, costuma ouvir minhas questões e lamentos com certa impaciência, mas sempre os ouve. E essa inquietação na hora da escuta existe por um motivo simples: ele quer dar a solução logo, sem demora. Através de um gesto típico que inclui a palma da sua mão levantada em minha direção e os olhos fechados, ele sempre encerra precocemente meu raciocínio dizendo: - Posso falar?!

Após outra conversa virtual com Renata que me deixou com mais dúvidas do que conclusões, resolvi apelar ao paladino dos conselhos. Cheguei na casa de Tio Fulano e, após ouvir pacientemente a uma dezena de piadas pornográficas, abri meu coração:

- Meu tio, acho que estou gostando de uma garota.

- Que bom, “meu tio”! Não tem nada melhor do que se apaixonar... – disse ele com entusiasmo. E em seguida perguntou – e ela também está gostando de você?

- Esse é o problema, meu tio. Não sei dizer. – respondi com certo pesar na voz.

Como quem pergunta a coisa mais óbvia do mundo, ele me argüiu com uma leve indignação:

- E por que você não se declara?!

- Meu tio, não é simples assim. Ela pode acabar se afastando de mim. – dei a típica explicação dos medrosos apaixonados.

- Acabar se afastando o quê, rapaz, tá maluco? Mulher gosta de homem com atitude. Chegue pra ela amanhã e diga que você está afim dela! Mas não demore não, tem que ser amanhã! – disse Tio Fulano, incisivo, gesticulando, gesticulando muito.

- Mas meu tio...

- Mas, nada! Amanhã você liga pra ela e depois vem aqui me contar. – Tio Fulano interrompeu-me sumariamente.

Só um louco contraria uma ordem expressa de Tio Fulano. E louco eu não sou. Assenti silenciosamente com a cabeça e pedi a ele que me deixasse utilizar seu computador. Ao conectar-me no ICQ, quem estava on-line? Renata.

- Meu tio, olha a coincidência, ela está no ICQ. – comentei, empolgado.

- ... combine logo seu encontro amanhã... – disse Tio Fulano, impaciente.

Conversei alguns minutos com a garota que fazia o tempo voar e, por conta de um enorme copo de suco que meu tio havia me servido, fui obrigado a levantar e ir ao banheiro fazer xixi. Coisa de 2 minutos. O suficiente para, no retorno, flagrar Tio Fulano sentando tranqüilamente à frente do computador. Fiquei desesperado, protestei de todos os jeitos. Ainda o vi terminar de escrever na tela de Renata, ao som espaçado de quem cata milho no teclado:

[caps lock]

Q-U-E-R-O N-A-M-O-R-A-R C-O-M V-O-C-Ê. E A-Í?

[enter]

Não dava para acreditar que ele tinha feito aquilo. “QUERO NAMORAR COM VOCÊ. E AÍ?”. Eu preparando terreno com todo o cuidado do mundo e vem ele e se declara – aliás, me declara – desse jeito. Não havia dúvidas, meu trabalho inteiro tinha ido por água abaixo.

- Meu tio, você é louco?? Agora é que essa menina não quer nada comigo. – disse eu, inconsolável.

- Relaxe, “Meu tio”. Ela vai se amarrar. – respondeu ele com direito a gíria e uma confiança que sabe Deus de onde tirou.

Nada de resposta de Renata. Eu olhava fixamente para a janelinha branca do ICQ de meu amor platônico. Nada!

- Viu, meu tio? Viu? – disse eu, emputecido.

Tio Fulano inspirou lentamente e, calado, fez um sinal de “está tudo sob controle”.

O suspense aumentava e Renata não se manifestava. Após um longo - quase eterno - instante, ela respondeu:

"Peu, você deve ter entendido errado... desculpe, mas somos apenas bons amigos... "

- Viu, meu tio? Viu? – bradei fazendo o clássico gesto de uma mão aberta batendo sobre a outra mão fechada.

Sem perder a serenidade, olhos semi-cerrados, gestos lentos, Tio Fulano respondeu:

- Você confia em seu tio? Ela está só fazendo charme. Vá por mim: a menina já está no papo...

Por que é que Deus havia me dado um tio louco? Era só o que eu conseguia pensar. Aliás, tinha outra coisa que eu me perguntava: por que raios eu resolvi contar isso a Tio Fulano? Conselheiro, tudo bem, ele realmente tinha esse dom. Mas cupido? Isso, definitivamente, era incompatível com a sua forma rápida de resolver as coisas. Por conta desse seu ato tão habilidoso, eu me meti numa sinuca de bico: se eu dissesse depois a Renata que havia sido meu tio no ICQ ao invés de mim, seria ridículo e ainda teria soado como desculpa esfarrapada de perdedor. Por outro lado, se eu assumisse a autoria daquela declaração desastrada depois de tanto cuidado ao conduzir a paquera, no mínimo, sairia da história como maluco.

No dia seguinte, entrei no ICQ. Renata estava lá. Eu não falei com ela, ela não falou comigo. Mais um dia se passou e então voltamos a nos falar, ainda friamente e sem a intimidade conquistada com tantas horas de conversa e perdida em uma única frase. Uma semana depois, estávamos namorando. Um mês depois, trocamos o primeiro “eu te amo”.

Moral da história: se um dia você tiver a honra de ouvir de Tio Fulano um “confie em mim, 'meu tio'”, confie. De algum jeito, ele sabe o que diz.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Um dia você ainda pagará pela minha cadeirinha de balanço. Um dia...


O meu reinado absoluto na casa 7 do Condomínio Pedra da Marca durou apenas 2 anos. 1 ano, 11 meses e 19 dias, para ser mais exato. Eu era o quinto filho, a raspa de tacho, nascido após um longo intervalo de 14 anos. Entre meus irmãos, havia uma grande disputa para ver quem me dava banho, quem escovava meus dentes, quem trocava minhas fraldas, quem me levava ao parque. Fui eu o responsável por trazer de volta a alegria àquela casa, arrefecida pelo crescimento dos outros 4 rebentos. Fui eu o responsável!

Então, sem mais nem menos, em uma manhã qualquer de agosto, minha supremacia chegou ao fim. Perdi a coroa. Da noite para o dia, não havia mais nenhum holofote sobre minha pequena pessoa. Os bilus-bilus, lilos-lilos e tchucos-tchucos já não eram mais pra mim. Eu ainda não tinha muita noção das coisas da vida, mas aquilo me parecia uma grande e terrível injustiça: Roberta, filha de meu irmão mais velho e primeira neta de meus pais, fez o magnífico favor de nascer.

Ela era irritavelmente fofinha, bonitinha, engraçadinha, espertinha e muitos outros inhas com os quais os adultos não cansavam de adjetivá-la. Juntava um monte de gente com cara de boba dizendo “ohhh” em volta do berço. Pessoas e mais pessoas orbitavam aquele ser minúsculo. Ei, eu continuo fofo e sei fazer coisas engraçadas para vocês rirem... - pensava eu. Mas não adiantava, meu tempo havia passado, as cortinas se fecharam para mim. E ela só sabia chorar, fazer xixi, cocô e todo mundo achava lindo.

E, falando em xixi e cocô, dizer que ela roubou meu trono não é metáfora. Quando minha rival cresceu mais um pouco, passaram pra ela o meu troninho que ficava no chão e eu era obrigado a resolver minha vida naquela colossal e desajeitada latrina, uma verdadeira prova de alpinismo e equilíbrio. Por conta disso, comecei a ter crises de prisão de ventre. Eu precisava reconquistar a atenção de todos de algum jeito. Só percebi que esta não era uma boa estratégia quando tentaram solucionar o problema com supusitórios. Fiquei curado dos episódios como que por encanto. Roberta mal havia declarado guerra a mim e já estava ganhando a sua primeira batalha.
Para meu desespero, não demorou muito e Dudu se separou da esposa e então minha querida sobrinha foi morar lá em casa. Como se já não fosse de bom tamanho as longas tardes e manhãs compartilhadas com a nova majestade, também tive que passar a dividir tudo com ela: babá, troninho, brinquedos, quarto, cachorro e – o pior de tudo – a atenção de meus pais.

À medida que crescíamos, crescia também a rivalidade entre nós. Fora que Roberta ainda muito cedo demonstrou um raro talento para a pirraça. Os resultados mais corriqueiros de suas provocações eram trocas de beliscões, tapas, unhadas, puxões de cabelo, muito chororô e castigos. Quantas vezes fiquei encarcerado em meu próprio quarto com tufos de cabelos entre os dedos? E, sob os olhos de julgo de meus pais, eu era sempre o algoz e ela, pequena e inocente, a vítima.

Como já disse por aqui, desde a tenra infância sonhava em ser médico. Mais precisamente cirurgião. Um dia, movido por esta vocação, convidei Roberta para ser minha enfermeira em um centro cirúrgico imaginário. E por um motivo simples: era a única forma dela concordar em ceder suas bonecas como pacientes.

Consegui luvas cirúrgicas, touca e máscara. O resto eram tesouras, facas, chaves de fenda e afins. Iniciamos os procedimentos e, concentrado, eu ia realizando incisões nas barrigas cheias de espumas e algodões das bonecas. Roberta, ao meu lado, colaborava passando-me os instrumentos que eu solicitava. Na verdade, acho que não era bem cirurgia, estava mais para eutanásia. Rapidamente, terminávamos com a vida e utilidade das pacientes. Quando se deu conta disso, a dona dos brinquedos abriu o berreiro, me denunciou e quase eu termino de castigo mais uma vez. Sorte que os supremos juízes aquele dia estavam de bom humor e consideraram como atenuante o fato dela ter sido conivente com a chacina.

É importante salientar que eu sempre fui uma criança tranqüila. Minha mãe dizia que em minha fase de recém-nascido, costumava ir ao meu berço ver se eu estava vivo pois nem chorar de fome eu chorava. Nem a fralda molhada me incomodava. E, apesar das turbulências que Roberta causava em minha vida, segui com esta mesma personalidade serena, quase iluminada. Minhas diversões eram basicamente revistinhas da Turma da Mônica e uns joguinhos, primitivos vídeo-games portáteis. O mundo podia acabar e eu estava sempre ali, numa boa, lendo ou jogando.

Buscando se vingar do genocídio das bonecas, Roberta resolveu pegar três dos meus joguinhos eletrônicos, os prediletos, e os atirou no vaso sanitário. Para garantir o fim das provas, ou mesmo certificar-se de que o dano seria permanente, acionou a descarga sucessivas vezes. Flagrei o fim daquela terrível cena, jamais irei esquecer: ela na ponta dos pés fazendo grande esforço para manter a descarga apertada e olhar fixo em meus brinquedos bailando naquele grande redemoinho. Com lágrimas travadas nos olhos e gosto de sangue na boca, parti como uma besta-fera pra cima dela. Prevendo Roberta sua morte iminente, disparou em direção ao quarto de meus pais gritando por socorro, um verdadeiro escândalo. De estalo, um plano para eliminar os meus problemas surgiu em minha cabeça e eu desisti da perseguição.

Eu tinha uma pequena cadeira de balanço que era o lugar onde eu mais costumava ficar. Ela era de vime e madeira, tinha uma confortável almofada com uma ilustração de um cachorro com a língua de fora. Como um moço-velho, eu vivia sentado nela, jogando e me balançando.

Pois o plano era simples: subir no telhado da casa com a cadeira e jogá-la lá de cima na cabeça de Roberta. Se tudo desse certo eu me sentiria plenamente vingado e, provavelmente, não sobraria mais sobrinha para contar a história. Eu já conseguia me enxergar de novo com a coroa na cabeça. E ela brilhava.

Assim, dei prosseguimento ao plano. Primeiro, amarrei um pedaço de corda à cadeira. Depois, subi no muro. Em seguida, icei minha arma até mim e segui equilibrando-a até o telhado. Lá, quebrei uma meia dúzia de telhas e me sentei com a cadeira ao meu lado. Busquei o ponto mais alto da casa para o estrago ser maior. Ali, num lugar em que eu jamais havia chegado, diante de uma vista maravilhosa, era só aguardar a vítima.

Com uma paciência que não é comum às crianças, aguardei uma tarde inteira. Pela raiva cultivada dentro de mim, acredito que eu seria capaz de esperar quantos dias fossem necessários para Roberta passar por ali. Após horas e horas, perto do pôr-do-sol – para o seu fim ser ainda mais poético -, minha inimiga passou pelo “X” imaginário no chão. Rapidamente fiquei de pé, peguei a cadeira, a ergui para que ela ganhasse ainda mais altura e lancei-a com uma força que só o ódio concede a alguém. Creio que a mão de Deus tenha puxado Roberta alguns centímetros para o lado. A cadeira se espatifou no chão. Sem entender o que havia acontecido, porém imaginando quem era o responsável por aquilo, mais uma vez ela saiu correndo. E, tão destruído quanto aquela minha inseparável companheira de leituras e jogos, ficou meu coração. Quanto remorso. Eu havia perdido meus brinquedos preferidos, minha cadeira de balanço, minha merecida vingança e Roberta ainda estava lá, intacta. De coroa, manto e cetro.

De cima daquele telhado, de onde ninguém podia me ver, chorei como talvez jamais tenha chorado um dia. Mais até do que quando minha pior e melhor companhia foi passar as férias de verão com a mãe em Recife e então eu descobri precocemente o que era padecer de saudade.

* Esse post é para Ró, com carinho e um beliscão. Para não perder o costume.

domingo, novembro 30, 2008

A Casa Mal-Assombrada. (Como diria Jack "o Estripador": vamos por partes).


Essa vida é mesmo cheia de coincidências. Imagine que em 1998 fomos eu, Daniel e Tio Fulano para a Flórida. Lá, ao pegar o elevador do hotel, vimos uma família correndo pelo lobby e acenando para nós como se pedissem para os aguardarmos. Assim o fizemos. Ao aproximarem-se, surpresa geral: os apressados eram Tia Lídia, Tio Renato e Camila - pai, mãe e filha, moradores do mesmo prédio que nós três.

Pense bem: qual a probabilidade de dois grupos que moram no mesmo lugar se encontrarem na mesma época, no mesmo país, no mesmo estado e no mesmo hotel entre os milhares que existem em Orlando? Enfim, foi aquele espanto geral. Um grato espanto, na verdade. Era o início de uma viagem divertidíssima, cheia de boas risadas, quase sempre causadas por Tio Fulano e suas histórias e piadas impublicáveis.

Sim, são realmente impublicáveis, mas vou pedir licença à censora do Blog, Sandra, e contar algumas. Crianças, não leiam.

A gente estava andando pelo parque e Daniel, o chato do Parque das Árvores, começou a se queixar: - tá calor, tô com fome, tô cansado, vamos só em mais um brinquedo.

- Daniel, você é um pobre tatu. - retrucou Tio Fulano com sua habitual falta de paciência.

Daniel, típico mal-humorado de poucas palavras, ignorou a observação. Mas, Tia Lídia, curiosa, perguntou:

- O que é um pobre tatu, Fulano?

- Um pobre tatu, Lídia, só tem o casco e o c*. O casco anda todo rachado e no c* tem um p** enfiado. – respondeu Tio Fulano com tranqüilidade e certa didática.

Confesso que fiquei apreensivo, afinal, Tia Lídia é uma pessoa um tanto quanto conservadora. Mas ela sorriu contida. Aliás, até Daniel, o pobre tatu, deu risada.

E a viagem prosseguiu. Assim como as tiradas de meu Tio.

Uma outra vez, explicando o que ele considerava ter sido alguma injustiça praticada contra ele, nos veio com essa durante o jantar:

- ... e aí o cara queria me vender pelo dobro do preço. Não aceitei, ele queria que eu assinasse um contrato bililica. – disse Tio Fulano, inconformado.

Advogado experiente e procurador do estado, Tio Renato perguntou intrigado:

- O que é um contrato bililica, Fulano?

- Eu entraria com o c*, ele entraria com a pi**. Não assinei, é claro. – respondeu meu desbocado tio, muito naturalmente.

Então, uma noite, estávamos todos voltando para o hotel na van alugada quando vimos, no meio do nada, uma enorme mansão com um amplo estacionamento na frente. A arquitetura exageradamente sombria, junto com o enorme letreiro iluminado onde líamos “The Haunted House” (A Casa Mal-Assombrada), nos revelou ser um brinquedo, mais uma atração daquela cidade repleta de entretenimento. Eu, Daniel e Camila, os três adolescentes do carro, enchemos a paciência de todos para irmos conferir.

Estacionamos o carro e, ainda do lado de fora, já ouvíamos sons de tiros, serras-elétricas, lamentos, gritaria. Fruto de algumas caixas de som escondidas pelo jardim da casa, tudo para deixar os visitantes no clima. Aproximando-nos da porta, ainda ouvi uma trovoada forte. Se não fosse o céu limpo e estrelado, teria certeza de que iria chover. Tenho que tirar o chapéu: além de invasão a países alheios, os americanos também são craques em promover diversão.

Ao entrar na casa, parecia de fato com um lar qualquer: porta-retratos, relógio antigo de parede, cabide para pendurar casaco, uma mesinha com um jarro de flores e uma escadaria que provavelmente dava nos quartos. Porém, a decoração carregada de madeira escura e o ambiente todo à meia-luz nos remetia diretamente a um filme de terror. Propositalmente, a temperatura era baixíssima, experimentamos um frio cortante.

De repente, apareceu um mordomo. Um tipo clássico de mordomo. Extremamente polido e monossilábico, com seu inglês britânico ao invés de americano, nos pediu que o seguisse e virou de costas. Neste instante, iniciou-se uma discussão entre nós:

- Eu não vou na frente! – antecipou-se Daniel.

- Eu também não! – completou Camila.

- Eu vou no meio! – me defendi.

Os adultos também ficaram no maior jogo de empurra até que o mordomo virou-se para nós e falou numa rápida fusão tônica entre polidez britânica e barraco latino-americano:

- I said... FOLLOW ME!

- Eu disse… SIGAM-ME!

Achamos melhor obedecer. Na ordem em que estávamos, seguimos em fila atrás daquele sujeito alto, pálido e vestido num elegante fraque negro. Graças a uma rápida manobra, consegui me posicionar no meio de todos, evitando as extremidades. Caminhando pelo corredor, o não muito simpático senhor nos advertiu sem olhar para trás:

- Não toquem nos atores que eles não tocarão em vocês.

Não sei se eu entendi certo, mas, se por acaso a gente resolvesse bater no monstro, ele bateria na gente de volta. Mas, tudo bem, aquele dia eu estava calmo, tinha tomado meus remédios controlados e não iria espancar ninguém.

Tão repentino quanto o aparecimento do mordomo, foi o seu sumiço. Nos vimos sozinhos naquele corredor escuro e cheio de quadros nas paredes. Os passos de Tio Renato, o primeiro da fila, eram curtos, milimétricos, quase não existiam. Tia Lídia reclamou:

- Vai, Renato! Qualquer coisa a gente corre de volta...

Blam! Um forte barulho denunciou o fechamento da porta atrás de nós. Era o fim do plano B de Tia Lídia. Após algumas dezenas de passos de formiga de Tio Renato, ainda no corredor, começamos a ouvir uma voz masculina como se estivesse resmungando. Ouvíamos também um som de líquido sendo remexido. Pensei logo no pior: tem alguém sendo estripado. Ao chegarmos na sala, não é que eu estava certo? No meio do que parecia ser uma sala de televisão, havia uma maca com um corpo aberto e um louco vestido de cirurgião cheio de tripas nas mãos. Ao ver-nos, ficou irado, começou a gritar conosco e então meteu a mão no tórax do pobre-coitado, arrancou o coração e jogou com força em nossa direção. O órgão bateu na grade que nos separava daquela cena e um líquido espirrou na gente. Só fomos perceber que era água ao invés de sangue quando já estávamos de volta ao corredor, desta vez, a passos muito mais rápidos do que os de Tio Renato.

Surgiu em nossa frente um jovem vestido de branco. Não era assustador. Na verdade, ele é quem parecia assustado. Pediu para que a gente o seguisse, como se fosse nos mostrar a saída daquele lugar. O jovem disparou a correr e, com um salto, atravessou o espelho que havia na parede. Ao chegarmos perto do objeto, só víamos nosso próprio reflexo. Então, mais um susto: o espelho acendeu e vimos o rapaz lá dentro apontando para a direção que devíamos seguir pelo corredor.

Durante nossas caminhadas, sons estranhos sempre nos acompanhavam. Mas, à medida que fomos nos aproximando do próximo ambiente, um som ritmado de pancadas ia aumentando. O que será que nos aguarda? Este era o pensamento corrente de todos naquela casa.

Ao entrarmos no cômodo, que surpresa desagradável! Estávamos no quarto da menina do Exorcista. Ela estava deitada, seus braços amarrados por dois lençóis à cabeceira da cama. Mas a garota não cansava de tentar se libertar: levantava meio corpo, se debatia inteira, convulsionava, trincava os dentes e então jogava as costas com força contra o colchão. Era este o som macabro que ouvíamos ainda do lado de fora.

Mais uma vez, a porta atrás da gente se fechou. O único caminho que tínhamos era contornarmos a cama da possuída e sairmos por um portal do outro lado da cabeceira. Ficamos um bom tempo parados ao lado da cama, olhando fixamente para aquela menina e seu rosto transfigurado. Seus movimentos obedeciam uma seqüência lógica, o que levantou uma discussão:

- É um robô. – disse Camila.
- Não, é uma pessoa, olha o detalhe da pele. – disse Tio Fulano.
- Não, é um robô sim, repare no movimento sempre igual. – disse Daniel.
- É pessoa!
- É robô.
- É pessoa!
- É robô.
- Parem de discutir. Se é robô ou se é pessoa, o fato é que teremos que passar por ela de qualquer jeito. Vamos. - Tia Lídia pôs fim à celeuma.

Como o quarto era pequeno, a distância entre as paredes e a cama devia ter em torno de meio metro. Os seis foram se esgueirando pela parede, evitando a lateral da cama. Doze olhos fixos na garota. Viramos a quina e estávamos todos de frente para a endiabrada quando, num solavanco mais forte, soltou das amarras um de seus braços. Tio Fulano infelizmente estava certo: era pessoa. Enfurecida, aos berros, ela não sabia se esticava o outro braço para nos alcançar ou se soltava o último lençol. Em meio à sua dúvida e nosso pleno terror, corremos pela outra lateral da cama e saímos dali. Após termos nos certificado de que ela não nos seguia, diminuímos o passo.

Mal deu tempo de respirar e começamos a ouvir ao longe um som de moto-serra acelerando. O ao longe tornou-se perto rapidinho: era Jason, de Sexta-Feira 13. Do pouco que consegui olhar, era um sujeito robusto, com sua típica roupa de lenhador e máscara de jogador de hockey. Disparamos mais uma vez. Corríamos com o mesmo vigor das vítimas dos filmes de terror que ele estrelava. A ordem da fila era a seguinte: Tio Renato na frente, depois Tia Lídia, Camila, eu, Daniel, Tio Fulano e Jason. Mesmo tendo ainda duas pessoas entre mim e o assassino, o som da moto-serra dava a entender que minha orelha seria decepada em instantes. O sujeito era bom de corrida.

Todos concentrados em fugir e eis que, misturado ao barulho infernal daquele motor em alta rotação, ouvimos os gritos de Tio Fulano com sua voz de trovão:

- Socorro! Socorro, me ajudem! Esse cara aqui atrás quer comer meu c*!

O misto de corrida com gargalhada não deu certo. Não tinha como dar. Camila logo perdeu o fôlego, tropeçou e caiu na minha frente. Tropeçando nela, eu também caí. Na seqüência, Daniel. Em seguida, Tio Fulano. E, por fim, Jason e sua moto-serra. Quase o maníaco fazia vítimas, realmente. Mas por sufocamento.

Jason pegou seu trambolho e desapareceu. Deve ter se assustado com o nosso grupo. Brasileiro sempre chega pra bagunçar, é incrível. Principalmente se tiver um Tio Fulano no meio. E como bom brasileiro que gosta de tirar vantagens, eu ainda pensei em processar o estabelecimento e ficar rico: como é que dizem que os monstros não iriam tocar na gente e o sujeito simplesmente se joga em cima de nós?

No caminho de volta para o hotel, a resenha não parava. Relembrávamos dos sustos e ríamos muito. Entre re-memórias de perseguições de um monstro e outro, Tia Lídia surpreendeu a todos dirigindo-se a Tio Fulano:

- É, Fulano... dessa vez, por pouco você não vira um pobre tatu.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Por que não gosto de dormir em outra casa que não a minha.


Quando eu tinha lá pelos meus 8 anos, sempre pedia à minha mãe que me deixasse convidar um amigo para passar o final de semana lá em casa. É aquela coisa: filho temporão, bem mais novo que meus 4 irmãos, àquela altura, todos casados ou morando fora. Sem contar que na minha rua não morava uma criança sequer. Portanto, eu não tinha companhia para brincar. (É de partir o coração, eu sei, mas era a realidade).

Mas, não sei por que, eu nunca aceitava um convite para passar o final de semana na casa de um amigo. Quando isso acontecia, eu tentava persuadi-lo a fazer o contrário e normalmente conseguia. Confesso que eu era uma criança cheia de manias e vontades, desses meninos que merecem uns cascudos de vez em quando e que jamais os têm.

Foi então que Cláudio, um amigo do Colégio São Paulo, me chamou para passar o fim de semana com ele (nota: o texto está ficando estranho, dúbio, mas lembre da inocência que acompanhava a nossa pouca idade). No primeiro momento, tentei convencê-lo a ir para a minha casa. Sem sucesso: ele havia ganhado um Phantom System, o mais moderno vídeo-game daquele momento e jamais sairia de perto do brinquedo.

- Traga o Phantom pra cá! – insisti.

- Não dá. Felipe também está viciado no jogo e meus pais não vão deixar ele ir. – respondeu Cláudio, jogando um balde de água fria na minha tentativa.

Felipe era o irmão mais novo de Cláudio. Infelizmente, vi que desta vez não tinha jeito. E o pior: eu também estava louco pra jogar Phantom System. Inclusive tinham me prometido um destes para o Natal, esperei com a ansiedade de uma criança-cheia-de-manias-e-vontades-e-que-merecem-cascudos e, assim como os cascudos, jamais ganhei o vídeo-game. Não foi por falta de merecimento.

Arrumei uma sacola com umas duas mudas de roupa, escova de dentes, meias, três cuecas pra garantir e constatei que um par de tênis bastava. Ato este que até então era inédito. Para você ter uma noção de como tudo isso era novidade pra mim, durante toda a infância jamais cheguei a dormir uma só noite na casa de minha avó.

- Mãe, estou pronto. Me leve. – disse eu, confiante, metaforizando, dando duplo sentido ao “estou pronto”.

Cheguei na casa de Cláudio e, no primeiro momento, minha atenção estava 100% focada nos jogos do fantástico Phantom System. Ah, que gráficos! Eu podia passar a vida jogando aquilo. Não tinha fome, não tinha sede, não tinha vontade de fazer nem xixi, nem cocô. Por mim, envelhecia diante daquela televisão e seus pixels coloridos e sons futuristas. Depois de muitas batalhas, corridas de Fórmula 1, tiros trocados, conquistas espaciais e lutas com ninjas, chegou o fatídico momento: a hora de dormir.

A mãe de Cláudio me deu uma toalha de banho, gentilmente cedeu a cama de meu amigo pra mim, puxou a bicama e acomodou o desalojado nela. Depois, cobriu com cuidados de mãe Felipe, seu filho mais novo. Era a hora. Um boa noite, a escuridão e um silêncio profundo. O que eu estava fazendo ali?! Demoraria muito para amanhecer, precisava dar um jeito de conseguir dormir. Maldita idéia, maldito vício de vídeo-game. Relaxe, vai dar tudo certo, eu procurava me acalmar.

Pra piorar substancialmente a situação, Cláudio havia me dito que Felipe era sonâmbulo. Antes mesmo de conhecer seu irmãozinho, meu amigo já tinha contado diversas histórias de seu distúrbio em conversas no colégio. E como sou muito curioso, me aprofundava nas perguntas: é verdade que não se pode acordar um sonâmbulo? Ele fica com os olhos fechados ou abertos? Ele tropeça nas coisas? Quanto tempo dura isso? Depois ele lembra de tudo? Dá medo?

- Acho que aquele Alimbinha me deu dor de barriga. Vou no banheiro. – Cláudio interrompeu o silêncio e meus pensamentos de desespero.

Quando o ouvi trancar a porta do sanitário, me dei conta que tinha acabado de ficar sozinho com o sonâmbulo. Um arrepio percorreu toda minha espinha. Os poucos pêlos que tinha nos braços ficaram em pé. Coberto pelo lençol até o pescoço, tomei coragem para virar o rosto e olhar Felipe. Ele dormia tranqüilamente. Apesar desta constatação ter me acalmado por um instante, a diarréia de Cláudio sem dúvidas estava sendo mais sofrível pra mim do que pra ele. Nunca quis tanto ouvir o barulho de uma descarga.

Continuei olhando atentamente para o irmão de meu amigo. Foi então que a paz do semblante de Felipe deu lugar a feições carregadas de ódio. Para o meu mais genuíno pânico, o rapazinho sentou-se na cama, abriu os olhos e me encarou em silêncio. À esta altura, eu apertava com tanta força o lençol que, se ele ainda existir, tenho certeza de que minhas unhas ainda estão lá. Barulho de descarga, por favor, barulho de descarga, eu pensava.

O ódio nos olhos de Felipe começaram a dar lugar a uma ira aterrorizante. E o alvo daquele olhar era eu, somente eu. Não era possível que aquilo estava acontecendo comigo. O garoto então rangeu os dentes e falou devagar, com uma voz que lembrava à da menina do Exorcista:

- Saia daqui....

Eu me tremia, a cama tremia, meus olhos queriam saltar das órbitas, ainda bem que eu tinha levado três cuecas. Após uma pausa, ainda com o olhar fixo em mim, Felipe repetiu, porém, aos gritos:

- SAIA DAQUI!!!

Do salto que dei da cama, não me lembro mais. Mas imagino que eu já deva ter caído fora do quarto, no corredor. Para onde o nariz apontou, corri como um louco. Quando percebi, estava dentro do quarto dos pais de Cláudio. Na velocidade que vim, pulei com tudo na cama do casal, bem no meio dos dois. Eles acordaram com o que eu calculo ter sido um bom susto.

- O que está havendo, menino?? – perguntou a mãe de Cláudio.

- É Felipe, tia. É Felipe... – repetia enquanto, desta vez, apertava o lençol de sua cama.

Ela foi até o quarto onde aquele filme de terror estava se passando. Eu, definitivamente, não queria mais voltar lá, mas o pai dos meninos me expulsou da cama de casal de maneira cordial. Ao entrar no quarto me esgueirando pela parede, ainda troquei olhares com Felipe. A mãe alisava o cabelo daquele projeto de demônio.

- Dorme, meu filho, dorme... – disse a mãe com uma voz doce, contrastando com os sons guturais que o fedelho produzia.

Curiosamente, diante dos afagos, Felipe pendeu o corpo para o lado, fechou de novo os olhos e sua face relaxou dando lugar a uma expressão angelical. Neste momento, Cláudio resolveu sair do banheiro. Eu que tivesse esperado ele terminar de colocar as tripas pra fora.

- O que foi? – perguntou meu amigo ao ver a mãe ajeitando Felipe na cama e eu acuado no canto do quarto.

- Seu irmão ficou sonâmbulo e Pedro se assustou. – disse a mãe, utilizando-se de grande eufemismo.

As coisas se normalizaram: o menino dormiu, Cláudio parecia ter se visto livre do que lhe fazia mal e, quando a mãe nos deu novamente um boa noite com a mão no interruptor de luz, fiquei em dúvida entre duas frases para responder:

- Tia, liga pra minha mãe, quero ir pra casa.

Ou:

- Tia, posso dormir com você?

Não tive coragem de falar nem uma, nem outra. Passei a noite vigiando Felipe e só fui dormir quando ele acordou de manhã me dando bom dia antes de ligar novamente o vídeo-game para jogar.

quinta-feira, novembro 13, 2008

Não pára, não pára.


Em publicidade existe uma técnica de criação chamada “brainstorm”. Sem querer subestimar os conhecimentos em inglês de ninguém, é algo que podemos traduzir como tempestade cerebral. Mesmo odiando estrangeirismos, confesso que seria estranho chamar os colegas para fazer uma tempestade cerebral. Enfim, “brainstorm” nada mais é do que uma reunião entre dois ou mais criativos com o objetivo de despejarem um turbilhão de idéias sem qualquer tipo de censura e onde um pode ir complementando o conceito que o outro criou.

Eu estava com um briefing em mãos para criar defensas de rua para o Motel Scala. Defensas são aquelas placas que ficam nas calçadas, muitas vezes próximas de sinaleiras e, geralmente, instaladas nos arredores dos estabelecimentos que elas anunciam. Trata-se de uma boa ferramenta de localização.

Resolvi então fazer um brainstorm com Renato, diretor de arte da agência na época e Danilo, meu sócio. Só que, dessa vez, fizemos diferente: trocamos nossas idéias pelo MSN. Um erro.

Depois de muitos conceitos que não foram aproveitados, encontramos um caminho criativo que consideramos interessante. Imaginamos ser possível fazer um paralelo entre coisas que são ditas em, digamos assim, momentos íntimos e frases indicativas da localização do motel.

Você vai entender. Transcrevo abaixo o diálogo virtual:

Pedro diz:
Vamos lá moreno... o que é que as pessoas dizem quando estão transando?
Renato diz:
Ai, ai, ai, ai... que delícia...
Pedro diz:
hahahahahaha por favor, dê prefência a diálogos que tenham a ver com indicação de localização.
Renato diz:
hahaha ok, ok...
Renato diz:
Deixa eu pensar.
Pedro diz:
Algo assim... colocamos a placa um pouco antes da virada da rua com uma seta e o título: “Dá uma viradinha.”
Renato diz:
Certo... antes do ladeirão que desce para a cidade-baixa: seta pra baixo e título “Desce um pouquinho”
Pedro diz:
Ok, massa. Marca esse aí. O que mais?

E assim íamos criando, escrevendo um monte de frases de duplo sentido. No meio delas, algumas linhas meramente pornográficas, sem função alguma. E é isso que é brainstorm: um monte de bobagem sendo dita e algumas poucas coisas sendo aproveitadas.

Continuamos:

Renato diz:
Só mais um pouco. Você está quase lá.
Pedro diz:
Continue. Não pare, não pare.
Renato diz:
Mais rápido, mais rápido.

Nem Ney Matogrosso e Freddie Mercury conseguiriam manter uma conversa desse naipe. Copiei o trecho acima na íntegra e resolvi colar na janela do MSN de Danilo para que ele desse a sua opinião e também acrescentasse alguma frase pornô-publicitária. Mas, o inesperado aconteceu. Colei o diálogo na janela de Domingos, um amigo que até então nunca havia duvidado de minha masculinidade. Ficou assim:

Renato diz:
Só mais um pouco. Você está quase lá.
Pedro diz:
Continue. Não pare, não pare.
Renato diz:
Mais rápido, mais rápido.

(pausa para pensar no que dizer)

Pedro diz:
Mingote, não é nada disso que você tá pensando. Eu tô criando com Renato aqui umas peças para o Motel Scala...
Domingos diz:
Eu não tô pensando nada não... não precisa se justificar
Pedro diz:
Show de bola, então
Domingos diz:
Mas na boa... vá fazer sexo virtual com seu amigo em outra janela, ok?

Essas defensas do motel estão coladas na rua até hoje. Devem ter pra lá de dois anos e já recebemos o pedido de criação do cliente para serem substituídas.

Não sei se consegui convencer Mingo da minha heterossexualidade, mas aproveito o espaço para reforçar: Mingote, eu não sou viado. Renato não sei, mas eu não sou viado.

sexta-feira, novembro 07, 2008

"Doe uma laranja, lá lá lá lá lá, mas se for bonzinho doe duas"


Aos 11 anos de idade, fiz minha primeira campanha de sucesso. Uma campanha agressiva, de resultado, bem sucedida em recall, share of mind, market share e outros estrangeirismos publicitários que convergem em uma única tradução: deu certo. É com satisfação que lhes apresento a vencedora e polêmica campanha da laranja.

Infância é assim: brincamos de esconde-esconde, pega-pega, polícia e ladrão, baleado, garrafão, jogamos vídeo-game, futebol, papel higiênico molhado nos carros que passam na rua e, quando não resta mais nada pra fazer - após fazermos tudo -, chamamos de tédio. Foi justamente num momento como este, de ócio criativo, que a idéia da campanha tomou corpo.

Estávamos eu e Daniel na casa de Juninho, os três completamente de pernas pro ar. Um deitado no chão olhando pro teto, outro fitando a TV sem prestar a menor atenção no programa que estava passando e o outro (certamente não era eu, por conta da minha educação britânica) tirando catotas do nariz e lançando-as contra a parede através de petelecos.

- Deu fome... – disse Daniel, interrompendo o longo silêncio.

- É, também estou com fome. – concordei.

- Vamos ver o que tem na cozinha. – disse o dono da casa enquanto saía lentamente de sua inércia.

Juninho explorou primeiro a geladeira. Com a porta do eletrodoméstico aberta, passeava lentamente os olhos nas prateleiras, uma a uma. Pegou um queijo e disse para si mesmo:

- Não tem pão.

Devolveu o queijo, deu outra olhada e, com as mãos vazias, fechou a porta. Abriu o congelador logo acima. Nada de sorvete ou qualquer sobremesa, apenas cubas de gelo. Para nosso azar, aproximava-se o dia do mercado do mês em sua casa. Ou seja: parcas, quase nulas, as opções de lanches. Ainda tentou a despensa. Arroz, feijão, milho em conserva, palmito, caldo Knorr, sabão em barra, detergente. Nada!

- Tem laranja... – disse Juninho apontando desanimado para a fruteira em cima da mesa de almoço.

Laranja? Só lembro de ter chupado laranja quando era pequeno, nas festas juninas da escolinha. Laranja só em suco e olhe lá, eu era movido a Coca-Cola. Daniel fez uma última tentativa:

- Não tem um biscoito aí não?

- Não. Tem laranja... – reforçou Juninho.

Era o jeito. Cada um pegou uma fruta. Após as lavarmos, o dono da casa gentilmente nos cedeu uma faca. Sem prática alguma com o instrumento cortante, levamos uma década para conseguir tirar toda a casca. Demora que só fez aumentar a fome. Juninho como sempre, o mais precoce, conseguiu deixar a laranja só na casca interna, aquela parte branca. Dividiu-a em duas bandas com um corte preciso, prenúncio de sua carreira bem sucedida de cirurgião. Ao levar aquela polpa amarela e brilhante à boca, Juninho fez uma cara de satisfação como se estivesse comendo uma barra inteirinha de Toblerone. Àquela altura, eu e Daniel tínhamos nas mãos mais cascas do que fruta. Na tentativa de chegar na parte interessante, dávamos inábeis talhos que consumiam nossa preciosa merenda.

Conseguimos. Juninho tinha razão. O silêncio dos três na cozinha revelava a delícia que é chupar uma laranja. Aliás, não era bem silêncio, era um barulho irritante, como se fosse um beijo de carnaval. Sluuurp, glup, shliii, esses sons, mais ou menos. Se não fosse pela nossa pouca idade e alguém visse a avidez com que sorvíamos aquele sumo, diriam que a gente tinha fumado maconha e aquilo era larica.

Terminada a meleira geral em cima da mesa, instantaneamente, cada um pegou mais uma fruta. Dessa vez, eu e Daniel ignoramos a casca e só dividimos as bandas com a faca. A partir da terceira rodada, descobrimos a espetacular maneira de cortar a laranja em cruz. Desse jeito, assava muito menos a boca.

Quarta rodada, quinta, e acabaram as laranjas da casa. A fome não havia passado. E o pior: aquele vazio no estômago tinha se transformado em desejo por laranja. Não queríamos sanduíche de queijo, nem biscoito recheado São Luiz, nem Nescau, nem sorvete, nem mini-pizza, nem geléia de mocotó. Nem mesmo Toblerone servia. Só laranja.

Fomos até minha casa e nos deparamos com sete laranjas no cesto. As dividimos irmanamente. Duas pra cada, a sétima cortada em cruz, um gomo pra cada e o último deles no zerinho ou um. Comemos, sujamos tudo mais uma vez e partimos para a casa de Daniel em busca de mais laranjas. Incrível, aquilo era muito bom, mas não enchia a barriga.

No elevador, encontramos Fernando e Léo. Contamos a eles qual era a nova sensação do prédio e pedimos a colaboração dos dois já que o estoque de laranjas de nossas casas tinha ido para o espaço. A recepção da idéia não foi das melhores.

- Chupar laranja? Se ainda fosse para jogar na casa de Dr. Encrenca... – disse Fernando, referindo-se a um vizinho chato.

- Por mim vocês ficam com todas que acharem lá em casa. – disse Léo, desdenhando de nossa mania repentina.

A indiferença dos dois durou pouco. Logo eles já estavam nos ajudando a finalizar as cítricas frutas de suas próprias casas com mais gula que nós, os pioneiros. Então, um grande problema ameaçou tirar nossa tranqüilidade: já não havia mais fontes de laranjas. Após um pequeno início de tumulto, verdadeira síndrome de abstinência, as coisas foram começando a clarear.

- Por que não vamos de apartamento em apartamento pedindo laranjas? – Daniel deu seu lampejo de solução.

- Claro que não. Sou lá mendigo pra ficar indo de porta em porta pedindo comida? – exasperou-se Fernando, o orgulhoso da turma.

- Podemos fazer melhor: vamos criar a campanha da laranja. – disse eu, triunfante, pai-coruja da própria idéia.

Meus amigos lançaram em mim um olhar de peixe morto. A experiência mostrava que quando eu tinha estalos assim, costumava sobrar para alguém ou para todos. Acalmei o grupo apresentando o planejamento da campanha:

- Pegamos o toca-fitas de Daniel e gravamos uma mensagem pedindo doações de laranjas. Depois, colocamos o aparelho na frente da porta do apartamento junto com uma cesta vazia, apertamos play, tocamos a campainha e nos escondemos na escada.

Devo ter sido persuasivo. Por algum milagre eles toparam no ato. Fomos até a casa de Daniel e fizemos a gravação. O texto foi meu, a locução de Juninho e a trilha, um coro quase beneditino, do resto do grupo. Não repare, mas o resultado foi mais ou menos assim:

- (coro ao fundo. Locução com voz impostada em tom sério) Atualmente, a fome é uma das principais causas de morte no mundo inteiro. E as crianças do Parque das Árvores estão com fome. Por favor, doe laranjas para combater esse mal. Basta depositá-las no cesto que se encontra ao lado do aparelho de som. Muito obrigado.

Como se já não bastasse a locução, entrava um jingle de gosto duvidoso:

- Doe uma laranja, lá lá lá lá lá, mas se for bonzinho doe duas.

Nem rima tinha.

Existe uma máxima na publicidade que diz que propaganda pra dar resultado tem que ser ou muito boa, ou muito ruim. Adivinha qual era o caso da nossa? Só sei que a campanha deu certo: no terceiro ou quarto apartamento já estávamos com o cesto cheio de laranjas.

Ainda celebrávamos a grande quantidade de frutas recolhidas quando sofremos um infortúnio. Deixamos o som na frente de um dos apartamentos e, como de costume, nos escondemos na escada. De repente, no meio da locução, o som foi interrompido e então ouvimos a porta bater. Voltamos para olhar e só encontramos a cesta. Haviam roubado o aparelho de Daniel.

Tocamos várias vezes a campainha. Enquanto batia na porta sem parar, Daniel gritava “devolve meu som, devolve meu som!”. Depois de alguns minutos, já saturado da confusão na entrada de sua casa, Alexandre, o revoltado adolescente de 16 anos responsável pelo furto, abriu a porta e colocou o som diante de nossos pés através de movimentos bruscos.

- Doação de laranjas?! Vocês são idiotas, é? – Perguntou irritado e em seguida bateu a porta com força na cara da gente.

Após tantas histórias nossas que, no mínimo, desafiaram o bom senso e jamais obedeceram qualquer lógica, percebo que a áspera pergunta de Alexandre ainda ressoa em minha cabeça. Mas, confesso: ainda não encontrei resposta para ela.

terça-feira, novembro 04, 2008

O melhor amigo de um hipocondríaco.


junior diz:
colé moreno!
junior diz:
rapaz...
junior diz:
fiz uma cirurgia baaaala
Pedro diz:
rsrsrsrsrs
junior diz:
tumorzaço de rim
junior diz:
por laparoscopia
Pedro diz:
matou?
junior diz:
filho...to ficando bom
Pedro diz:
muito complicado?
junior diz:
rapaz...dificil..
junior diz:
muita técnica
junior diz:
vários passos delicados
junior diz:
mas deu certo
junior diz:
quase 3 horas
junior diz:
de cirurgia
Pedro diz:
vai sobreviver?
junior diz:
vai pra casa amanhã
Pedro diz:
vc é o cara... assim vai acabar perdendo seu apelido de Dr Morte
junior diz:
kkk
junior diz:
é serio seu gay
junior diz:
tumor grande, bonito, mas localizado
junior diz:
man
junior diz:
vou tomar banho. Abraço

Viu que até hoje ele só fala de doença? Já tô até sentindo uma pontada do lado direito, uns quatro dedos acima da cintura.

* Conversa de MSN com Juninho, meu amigo de infância, verdadeiro irmão, presente em um monte de histórias. Duas delas:
Tio Fulano e meu teste de HIV.
A bomba dentro do elevador.

sábado, novembro 01, 2008

Historinhas de propaganda.


Trabalhar com propaganda tem lá seus pontos negativos. Um deles e o que mais me irrita é o fato de todo cliente – aliás, todo mundo que conheço – se achar publicitário. E isso não acontece em nenhuma outra profissão. Pense bem, duvido que você já tenha ouvido alguém dizer numa consulta médica:

- Doutor, eu sei que você prescreveu dose única diária de 20 mg de Pantoprazol pela manhã, mas eu quero tomar 80 mg de meia em meia hora.

Pois em propaganda o cliente insiste em determinar a dose. Aliás, ele sabe escolher até o remédio que vai tomar. Isso quando não já chega com o tratamento todo pronto na cabeça. Quando aparece um desses na agência, me dá vontade de falar para ele em tom profético:

- Levanta-te e anda. Ide, estais curado. Sumíeis da minha frente.

Mas a propaganda também tem o seu lado lúdico que supera em muito as agruras do dia-a-dia. Principalmente para quem trabalha com criação, o que é, graças a Deus, o meu caso.

Quando você inicia sua vida profissional na área, é vítima de uma dezena de trotes. Muitos deles. E, nessa seara, vale ressaltar que falta criatividade aos criativos: entra ano, sai ano, e as pegadinhas continuam as mesmas. Devo admitir que, como estagiário, caí em todas elas.

Eu estagiava como redator da Idéia 3, uma grande agência de Salvador, a mais criativa da época. Para mim era um sonho estar lá trabalhando entre os mais premiados do mercado. A galera era jovem, receptiva e logo me acolheram como o mascote da turma. Mas a minha pouca idade e experiência fizeram de mim alvo fácil para todo tipo de brincadeira. Hiram, um grande diretor de arte e até hoje um grande amigo, era meu principal algoz. Na minha primeira semana, recebi sua primeira incumbência:

- Pedro, você pode ir no estúdio pegar pra mim um carretel de linha de corte? – disse Hiranildo.

Linha de corte nada mais é do que uma marcação que vem impressa no papel para indicar onde a lâmina tem que passar. Ou seja: não existe nenhum carretel de linha de corte.

- Certo, volto já. – respondi com o entusiasmo e a presteza de quem está começando.

Levantei, fui até o estúdio onde umas dez pessoas trabalhavam em clima tenso. Quebrei o silêncio:

- Boa tarde. Por favor, alguém aí pode me dar um carretel de linha de corte? Hiram pediu para eu vir buscar.

Uns quatro arte-finalistas riram baixo e o chefe de estúdio respondeu sério:

- Vá na produção e pergunte onde é a gaveta de retícula em pó. O carretel está lá dentro.

Obviamente, também não existe nenhuma retícula em pó. Fui até a produção e pedi às duas meninas que estavam lá para me ajudarem a encontrar a tal gaveta da encomenda. Uma delas, com um simpático sorriso de canto de boca, me disse:

- Infelizmente tanto a retícula quanto o carretel acabaram de acabar. Um novo lote já deve estar a caminho. Volte aqui amanhã!

E assim, até o dia em que descobri que jamais existiu um carretel de linha de corte, muito menos um saco de retícula em pó, fui fazendo papel de besta e uma verdadeira peregrinação diária aos departamentos da agência.

Um ano depois, fui trabalhar na Propeg. Outra grande agência criativa cheia de criativos premiados. Eram dois diretores de criação: Maurício e Giovanni. O primeiro, o maior nome do mercado à época e também uma criança de quase dois metros de altura, um grande gozador. O segundo, uma fera do marketing político e um sujeito sério para os padrões da nossa área.

Apesar de toda essa aura descontraída que envolve a propaganda, engana-se quem acredita que ficamos horas no ócio até chegarmos a uma idéia brilhante. Muita concentração e centenas de tentativas para se chegar a bons conceitos são a nossa rotina. Portanto, nos lugares em que trabalhei, o silêncio imperava.

E foi na Propeg que dei mais um vexame de recém-contratado. Cheguei lá com uma gripe terrível: tosse de cachorro, espirro, todo tipo de barulho faringolaringopneumológico. Fiquei apreensivo, afinal, apenas meus sons irritantes interrompiam o silêncio sepulcral do lugar. Tentava tossir baixo, não conseguia. Buscava prender o espirro, saía mais alto. De sua mesa, Giovanni me perguntou:

- Ei, Pedro, você está com o quê?

Prontamente levantei da minha cadeira, fui até lá e disse constrangido:

- Gripe forte, Giovanni. Dor de garganta, tosse e tô com um pouco de febre desde ontem.

Ele fez uma pequena pausa e, para delírio dos meus novos colegas, completou:

- Na verdade eu queria saber com que trabalho você está agora em mãos.

Já Maurício era bem diferente. Além de propaganda, tinha outra coisa que ele fazia como ninguém: tirar nosso foco do trabalho. Certas brincadeiras eram marcas registradas suas. Era freqüente ele sair de sua sala e passar por nossas mesas anunciando:

- Pessoal, tô indo ao banheiro, alguém quer alguma coisa?

Quando estávamos quase voltando a nos concentrar, já dentro do sanitário, ele colocava a cabeça para fora e dizia:

- Bom fim de semana a todos.

Após a descarga e sua saída do toalete, já esperávamos alguma manifestação dele:

- Ei, ainda é hoje?

Ou então:

- Quem deixou um chokito no vaso sanitário?

E o pior é que um dia ele realmente se deu ao trabalho de levar um chokito escondido para o sanitário e se divertiu quando uma das meninas constatou o chocolate dentro do vaso, saindo de lá bradando palavras de nojo.

Uma outra vez, logo que eu havia chegado por lá e mal conhecia as pessoas, ele olhou sério para mim e disse na frente de todos:

- Pedro, eu já comi 38 redatores que passaram por essa agência.

Em seguida, pegou um daqueles imãs acolchoados de teto de carro e colocou em cima de minha cabeça. No artefato, a inscrição: 39.

Ok. A gente reclama, reclama, reclama, mas propaganda é algo pra lá de divertido, realizador, uma verdadeira cachaça. Enfim, não é à toa que agüentamos trabalhar até tarde, virar noites, abrir mão de alguns (ou muitos) finais de semana e feriados. Viu que, fora a grana no fim do mês e a diversão, a analogia com a medicina é pertinente?

terça-feira, outubro 28, 2008

A Coca-Cola no avião.


- Peu, topa ir com a gente pra Califórnia?

Disse Sandra, minha irmã, às vésperas da Copa de 94. Acabei topando. Afinal, ela precisava de ajuda: ia com duas crianças a tiracolo e ainda estava grávida de uns sete meses. Ok, assumo, topei porque ia pra Disneylândia, Universal Studios e, de quebra, voltaria com a mala cheia de pares de tênis, vídeo-games, chicletes e outras quinquilharias que todo adolescente acha o máximo.

Não posso deixar de registrar que nos divertimos bastante. Alguns casos pitorescos foram bons companheiros de viagem. Como, por exemplo, meu sobrinho preso em um carrinho numa loja de brinquedos com o segurança correndo atrás da gente, o dia que não consegui usar o vaso sanitário do Yosemite Park, um buraco sem fim que possivelmente dava em uma outra dimensão e a minha Coca-Cola no avião.

Eu já sabia que o vôo para Los Angeles seria longo e pra lá de cansativo. 12 horas voando, fora o trecho Salvador / São Paulo. Embarcamos no Aeroporto Internacional Dois de Julho com destino a Sampa. Eu, Sandra e seu barrigão, Daniela e Gabriel. Os dois últimos com apenas 9 e 6 anos, respectivamente. Aí, já viu: corre-corre no aeroporto, berreiro, quero fazer xixi, quero fazer cocô e a gente tentando fazer o check-in. Por alguma providência divina conseguimos embarcar.

O avião estava quase vazio. E eu munido de meu Game Boy, um monte de cartuchos, além de um saco de revistas do Tio Patinhas. Tudo para enfrentar horas e mais horas sentado, uma chatice sem igual. Fui para o meu assento e comecei a ler o folheto com instruções em caso de emergência. Precisava economizar as leituras que havia levado, afinal a jornada estava apenas começando. Fora alguns “tô com fome”, “tô com sede” e “minha mãe, Daniela me bateu”, a viagem foi tranqüila e chegamos rápido.

Em São Paulo, fomos um dos primeiros a embarcar na conexão. Agora sim, era pra valer. A sorte é que o avião parecia que iria decolar vazio. Sorte que durou muito pouco tempo. De repente, começou a entrar na aeronave uma multidão de japoneses. Vários, incontáveis, invasão igual àquela só em Pearl Harbor. Descobri então que aquele vôo faria também o trecho Los Angeles / Tóquio. Deu vontade de rir: aquele povo iria voar conosco as intermináveis 12 horas até a Califórnia e depois mais 12 horas até o Japão. Nosso destino era apenas a metade do caminho deles.

A nossa fileira era a última antes dos assentos de fumantes. Minha irmã grávida, a gente com mais duas crianças e a impressão que tínhamos era de que havia uma chaminé soltando fumaça atrás da gente. Pedimos para mudar de lugar por conta da condição de Sandra. Sem sucesso: o vôo estava lotado. Ou seja, seria pior do que a gente imaginava.

A viagem foi prosseguindo. Pra mim, Game Boy e revistinha. Depois, revistinha e Game Boy. Num intervalo entre um entretenimento e outro, procurava levantar da poltrona e dar uma volta pelo avião para evitar que a bunda ficasse quadrada. Mas, curiosamente, eu tomava choque em quase tudo que tocava. Resolvi perguntar à minha irmã qual era o motivo daquilo.

- Eletricidade estática em seu corpo gerada pelo deslocamento do avião. – respondeu a engenheira.

Beleza. O avião se desloca e eu tomo choque. Anoiteceu e o jantar foi servido. Quando a bandeja foi recolhida após a refeição, eu pedi a aeromoça que deixasse o meu copo de Coca-Cola. Como eu tenho grande dificuldade em dormir no avião, iria continuar jogando e bebendo meu refrigerante como quem aprecia um puro malte escocês.

Acabei ficando tão entretido com o vídeo-game portátil que esqueci da Coca. O gelo derreteu por completo e ela ficou intragável. Apertei o botão para que a aeromoça recolhesse meu copo, mas tive a impressão de que, assim como todos os outros passageiros, ela também estava dormindo. Então, resolvi levantar e levar o resto do refrigerante até o seu posto.

Ao chegar naquela espécie de copa que existe no avião, encontrei a aeromoça de costas arrumando as prateleiras. Estiquei o dedo da mesma mão que segurava a Coca-Cola e cutuquei a mulher para que ela se virasse e eu pudesse finalmente entregar aquela garapa. Porém, quando toquei em seu corpo, levei um tremendo choque que me fez jogar o copo contra meu rosto. Tomei um banho de refrigerante. A aeromoça, diante daquela cena, deu um pulo para trás com as duas mãos estendidas como quem pede distância. Imaginou que eu era um louco que só tinha ido até ela para mostrar: “olha isso, eu sou pirado, jogo Coca-Cola em minha cara”. Com o cabelo encharcado e o rosto pingando aquele líquido negro, tentei explicar:

- Estou tomando choque direto...

A cara de susto da mulher deu lugar a um semblante de alívio e compreensão. Abriu um sorriso e me disse:

- É a estática!

- Pois é, gerada pelo deslocamento do avião. – respondi querendo mostrar que um louco não saberia do que aquilo se tratava.

Gentil, ela trouxe duas toalhas brancas e eu tentei me secar. Agradeci e voltei para meu assento ainda com o cabelo molhado e o corpo todo grudento.

- Mãe! Meu tio tomou banho. – disse Daniela.

Aguardei pacientemente as últimas horas de vôo e enfim pousamos em Los Angeles. Na esteira de bagagem, encontrei de novo a aeromoça. Sorri para ela e já ia agradecer mais uma vez quando ela virou para a colega e disse:

- Aí ó, foi esse menino que foi lá me chamar para mostrar o banho dele de Coca-Cola!

As duas riram de minha cara. E, depois desse dia, o impossível aconteceu: eu consegui gostar ainda menos de física.

quinta-feira, outubro 23, 2008

A poesia baiana, o ensaio e Zé preso no lavabo.


Aqui em casa tem um lavabo que, vez ou outra, resolve prender as pessoas em seu interior. Isso mesmo, logo o lavabo, onde as visitas já entram meio sem jeito e nem todas costumam freqüentar só para lavar as mãos. O problema é que a tranca da porta é daquelas de girar e o sujeito que a instalou - um cara de Q.I. bastante elevado, presumo – fez o favor de instalar a dita cuja ao contrário. Portanto, para trancar é preciso girar como se estivesse abrindo. E vice-versa.

E o lavabo é pequeno. Aliás, bem pequeno. Não tem janela, nem exaustor e o ar fica, digamos assim, viciado, em pouco tempo de uso do minúsculo lugar. Ah, e ainda tem mais: a porta é de madeira maciça, quem já tentou arrombar, ficou frustrado. Enfim, para quem tem claustrofobia é quase um parque de diversões.

Certo dia, em meados do ano 2000, estávamos eu, Lelo e Zé em minha casa. Nós três tocávamos numa banda de pagode, o Queima Samba. (Ok. Eu espero você parar de rir). Tudo bem, o nome da banda não era dos melhores. O slogan, menos ainda: “botando fogo no pagode”. Mas acredite, além de grandes amigos, conseguimos reunir bons músicos. Prova disso é que Lelo hoje é baixista do Chiclete com Banana e Chokito, nosso tecladista, está em Londres tocando bossa nova. Além do mais, só a gente sabe o quanto essa época foi fecunda de material feminino.

Bom, como eu ia contando, era fim de tarde e logo mais à noite tínhamos um show para tocar. Mal entramos em casa e Zé, já íntimo e sem pudores, anunciou suas necessidades fisiológicas e seu destino: o lavabo. Entrou rapidamente no banheiro enquanto eu e Lelo seguimos para meu quarto. Não havia ninguém na casa. Peguei a guitarra que estava em cima da cama, Lelo pegou seu baixo e começamos a ensaiar algumas músicas que tocaríamos mais tarde e que ainda não estavam cem por cento ajustadas. Começamos a executar canções complexas e sofisticadas:

“Eu crio pássaros / Mas tem um que eu gosto mais / É uma tal de uma rolinha / Que não pára de cantar / Eu chego em casa, ela balança a cabecinha / Sacote toda a sua asinha para me prestigiar / Minha mulher não gosta de passarinho / Quer assar o meu bichinho / Que eu amo tanto e dou carinho / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Porque meu bichinho é uma coisa louca.”

Eu adoro esse final. Pura poesia. Novíssima poesia baiana. Lelo interrompeu a execução da música:

- Acho que é: “sacote toda a sua asinha para me presentear”. E não “prestigiar”.

Caramba, como mudou. Um deslize numa obra de arte dessas pode culminar com o desalinhamento da órbita dos planetas. Retruquei:

- Lelo, meu filho, qual a diferença? Fica todo mundo com a cabeça cheia de cachaça, se pegando lá embaixo, você acha realmente que alguém repara nessas letras?

E continuamos. Os dois em grande momento de concentração artística:

“Vem neguinha, vem sambar / Hoje eu quero lhe mostrar / Como dança o tchá-tchá-tchá / Hoje eu quero requebrar.”

Repentinamente, Lelo interrompeu de novo o som do seu baixo. Perguntei:

- Qual é, Lelo? Vai dizer que não é “requebrar”, é “rebolar”?

Com a testa franzida e olhos voltados para o teto, buscando ouvir algo, Lelo respondeu:

- Shhhhh... não tá ouvindo?

- Não. O quê?

- Presta atenção... um barulho como se fosse alguém batendo numa porta. – disse Lelo, ainda com semblante preocupado.

- ...

- ...

- Ah, tô ouvindo. Parece vir lá de cima. – respondi querendo voltar logo ao ensaio.

- É, vem lá de cima. – Lelo se convenceu.

E voltamos a tocar:

“A dança do sapo é uma dança gostosa, é um clima legal / Tem a moça que requebra e tem um remelexo sobre-anormal.”

- Peraí, sobre-anormal é sacanagem! – disse Lelo, perplexo e interrompendo mais uma vez.

- Acredite, Lelo: a letra é assim mesmo. Vamos continuar?

- Peraí, rapaz. Tem mais de uma hora que Zé está no banheiro! Será que passou mal?

Levantamos e saímos do quarto. Logo no corredor recomeçamos a ouvir o som de alguém batendo em uma porta. A pancada era forte, porém espaçada, como se a pessoa já não tivesse tanta força. Realmente havíamos esquecido de Zé. Era ele, preso no cubículo por um período de tempo além do aceitável. Corremos em direção ao banheiro. Ao perceber minha presença e a de Lelo, nosso amigo intensificou as batidas e começou a suplicar exausto:

- Por favor, me tirem daqui! Pedro, a porta quebrou.

Vendo aquele desespero e lembrando que o problema era extremamente simples de resolver, não agüentei. Comecei a gargalhar de modo que não conseguia falar.

- É só girar... – disse eu, sem conseguir completar a frase e voltando a rir incontrolavelmente em seguida.

- Eu já girei! Não abre!! Arrombe, eu não tenho forças. – implorou Zé, no ápice do desespero.

Piorou a crise de riso. Eu só precisava dizer que bastava girar ao contrário, mas não saía. Tentei de novo:

- É só girar... – frase interrompida mais uma vez e novas risadas.

- Não abre! Não abre! Arromba!

- Pedro, pare de rir, o negócio é sério. – Lelo ponderou.

Quanto mais os caras ficavam nervosos, mais eu ria, pensando como era fácil acabar com tudo aquilo. Busquei me concentrar e, estimulado pelo nervosismo cada vez maior dos dois, procurei me refazer:

- É só girar... – respirei fundo e continuei – ao contrário!

Click. A porta abriu-se instantaneamente e nos revelou uma cena dantesca: Zé só de cueca, lavado em suor, olhos esbugalhados e cabelo de quem tomou um choque de 220 volts. Em uma de suas mãos, o sofisticado porta-papel higiênico todo desmantelado. A torneira ligada jorrando água, as gavetas da pia no chão, o tapete embolado em cima do vaso sanitário. Tudo revirado. O fato é que, desesperado e quase sufocado pelos seus próprios odores, Zé deu uma de Mc Gayver e tentou liberar passagens de ar ou, quem sabe, provocar uma fuga. O resultado foi um lavabo seriamente avariado.

Diante daquele cenário de guerra de um homem só, Lelo se desarmou e também desatou a rir. Saindo de seu cativeiro com cara de poucos amigos, Zé buscou dentro de si suas últimas forças e bradou:

- Vocês são loucos? Tem mais de uma hora que eu estou aqui batendo nessa porta e ninguém vem ajudar!

Já atrasados para o show, precisávamos nos arrumar. Entrei no banheiro, tomei banho e saí. Lelo entrou no banheiro, tomou banho e saiu. Zé entrou no banheiro, deu meia volta e perguntou desconcertado:

- Para destrancar, giro para o lado esquerdo ou direito?

sábado, outubro 18, 2008

A natação. (desta vez, numa piscina convencional).


Um dia desses, Daniela, minha sobrinha, e Raphael, namorado dela, conseguiram me convencer a fazer natação com eles. De aniversário, ganhei de meu sócio uma toca e óculos, os dois regalos cheios de não-me-toque, com alça de silicone, lente que não embaça, marca olímpica, enfim, um monte de firula. Talvez Danilo esperasse que eu virasse atleta, quebrasse recordes e deixasse a agência só pra ele.

Chegando na academia, uma surpresa: a piscina era quase do tamanho do tanque de lavar roupa lá de casa. Umas quatro raias dividiam o minúsculo espaço aquático. Fui apresentado ao professor que prontamente indicou as raias de cada aluno. Claro, tinha mais gente do que raia. Portanto, era necessário partilhar. Raia 1: Dani e Rapha. Raia 2: um senhor com barriga e bigode indisfarçáveis, parecido com Mário Bros e uma garota rechonchuda. Raia 3: um garoto magro, a cara da fome e um outro sujeito normal. Raia 4: eu e Seu Porfílio.

Seu Porfílio, um senhor negro, magro, curvado pelo tempo, fez-me sentir um campeão das piscinas. Eu, em meu primeiro dia, passava por ele fazendo marola. Ia, voltava e ia de novo e Seu Porfílio ainda ia. Ao tirar o rosto da água para respirar, ouvia o professor gritando:

- Seu Porfíliooooo! Bate as pernas, Seu Porfílio!

Seu Porfílio nunca batia as pernas. Só quando era estimulado: dava duas batidinhas e de novo paralisava os membros inferiores. Seu corpo então ia afundando lentamente. Através dos meus óculos que não embaçavam jamais, eu tinha a sensação que Seu Porfílio encostava os pés no chão. Era um misto de natação com caminhada na piscina.Ao longo da aula, fui me cansando mais e mais.

- Faltam mais 8 tiros! Boraaaaa! – gritava o professor com o estímulo típico das academias.

Foi então que dei o merecido valor a Seu Porfílio. A gente só podia dar a largada quando o último chegasse à borda. Portanto, o ritmo tranqüilo do meu colega de raia me permitia respirar um pouco e tentar uma recuperação para o próximo tiro. Enquanto eu inspirava e expirava no ritmo de um morimbundo na UTI, ouvia o maldito professor:

- Vamos, Seu Porfílioooooo! Só falta o senhor, Seu Porfílio!

E vinha Seu Porfílio. Uma braçada, uma pausa. Outra braçada, uma pausa maior. Em alguns instantes parecia que ele se afastava da borda ao invés de se aproximar. Muito bom Seu Porfílio, continue assim, ainda tenho muito o que oxigenar.

- Seu Porfíliooooo! Isso não é fisioterapia, Seu Porfílio! Bate essas pernas! – tentava o professor fazer o valoroso senhor nadar mais rápido. Em vão.

Terminada a aula, saímos da piscina e Dani e Rapha foram tomar banho nos vestiários. Fui em direção à sacola de minha sobrinha onde eu havia colocado meu celular. Virei-a de cabeça para baixo e sacudi até cair todo o conteúdo na mesa. Pensei: engraçado, pra quê Dani trouxe uma camisa enorme dessas e um bermudão? O único celular que caiu não era o meu. Mas parecia com o de Rapha. Já sei: eles pegaram meu telefone para me pregar uma peça. Ou pior: alguém roubou o aparelho. Comecei a ficar preocupado. Peguei o celular que caiu da sacola e comecei a ligar para o meu número. Enquanto eu telefonava, andava de um lado para o outro em volta da piscina. O senhor do bigode e do barrigão olhava para mim fazendo um discreto sinal de cabeça. Entendi como um cumprimento e dei tchau pra ele. Pensei: cara estranho, nem conheço direito. O telefone chamou, chamou e caiu na caixa. Liguei de novo e fui até o vestiário com o aparelho. Gritei pela janela:

- Daniela, meu celular tá aí dentro?

- Tá... – Dani respondeu com o som do chuveiro ao fundo.

Ufa. Retornei para a piscina, juntei toda a roupa que havia largado em cima da mesa, soquei tudo de volta na sacola junto com óculos de natação, toalha, enfim, um monte de coisa. Dei mais uns três empurrões para dentro e, mal fechei a sacola, Mário Bros, o senhor que acenou de rosto para mim, tomou a sacola de minhas mãos e foi indo rapidamente para a porta. Pois é: eu havia pegado a sacola dele, remexido, tirado tudo de dentro, ligado do seu celular, depois socado tudo de volta e ele o tempo todo observando.

Hoje fico imaginando o quanto esse sujeito me achou cara-de-pau. Mas, aprendi duas importantes lições: sempre olhe com muita atenção antes de pôr a mão numa sacola. E nunca, mas nunca mesmo, freqüente uma aula de natação sem a preciosa presença de Seu Porfílio.

segunda-feira, outubro 13, 2008

A boa ação de quatro amigos e a recompensa de um.


Acho que não há problema algum em dar nome aos bois neste post. Espero que ninguém venha protestar depois. Até porque, logo o leitor vai perceber o quanto meus amigos são nobres de coração e fazem de tudo para ajudar o próximo. Além disso, estou um pouco cansado de pseudônimos. Ok, pessoal? Sem processos, por favor.

Bem, era um lindo fim de tarde de sábado em Jaguaribe, a melhor praia para se fazer kitesurf em Salvador. Já havíamos velejado e estávamos sentados na areia tomando água de coco, aproveitando a brisa e jogando conversa fora. Não havia pressa alguma em ir embora. Éramos eu, Bob, Ortela e Luquinhas. Não lembro qual era o assunto em pauta, mas me recordo das boas risadas que compartilhávamos. Foi quando, de repente, Bob alertou a todos:

- Ei, aquilo ali não é um assalto?

Os últimos raios de sol despediam-se do céu, a praia já estava quase vazia e, bem ao longe, vimos a cena de um sujeito tentando insistentemente puxar as bolsas e pertences do que pareciam ser duas mulheres.

- São duas mulheres! – exclamou Ortela.

Sem pestanejar, Bob levantou num pulo e começou a correr na direção do ladrão que caminhava calmamente com o fruto do seu roubo. Ortela foi na seqüência. Os dois corriam em alta velocidade pela areia fofa. Olhei um instante pra Luquinhas que foi categórico:

- Rapaz, eu não vou não. – disse ele, ao tempo que sugeria através de gestos a provável existência de uma arma de fogo em posse do ladrão.

Mesmo não sendo estimulado por meu amigo que ficou na areia, acabei sendo contaminado pelo espírito heróico dos outros dois. Este rompante, sem dúvidas, contaria pontos pra mim no andar de cima. Levantei e fui no vácuo dos caras. Não lembro de ter corrido tanto como naquele dia. Só não tinha calculado que o sujeito estava tão longe. E Ortela, que parece ser raceado com português, resolveu gritar “pega ladrão” quando estávamos chegando perto do meliante. Pensei na hora: se éramos nós que supostamente iríamos pegá-lo, ele estaria gritando pra quem? Surto de esquizofrenia, no mínimo.

O fato é que o ladrão também começou a correr quando ouviu os gritos inteligentes de Ortela. A areia foi acabando e na frente de todos nós foi surgindo o que um dia já foi um rio e agora era o maior esgoto de Salvador. Suas margens abrigavam o mais caudaloso chorume da capital baiana.

(Chorume, segundo o dicionário: líquido tóxico gerado pela degradação de resíduos. Chorume segundo os populares: caldo de lixão).

Provavelmente impressionado com o físico dos três, o gatuno não pensou duas vezes. Largou as bolsas, pulou no “rio” e saiu nadando. Bob, do jeito que veio, também se jogou no esgoto. E o mais incrível: pulou de cabeça. Ortela hesitou, depois caiu na água e, talvez sentindo a pele derreter, saiu rapidamente. Já eu, quando parei de correr, apoiei as mãos sobre os joelhos e busquei desesperadamente um pouco de ar. Fruto de meses e meses sem uma única atividade física aeróbica. Adverti Ortela sobre meu pré-enfarte, que rapidamente tratou de vir ao meu auxílio, esquecendo por um instante a perseguição. Ao aproximar-se de mim, me arrependi profundamente de tê-lo acionado. Imagine só: você sem fôlego nenhum e o mínimo ar que consegue respirar vem com cheiro de esgoto podre. Ortela estava quase em estado de decomposição. Fui obrigado a me recuperar para sair de perto dele.

Atravessando aquelas densas águas, ia Bob no mais refinado estilo crawl. Era um verdadeiro torpedo, um Michael Phelps numa piscina de dejetos. Sem perder a performance, virava o rosto rapidamente para o lado buscando respirar e tornava a mergulhar a face na água negra. Apesar de todo o esforço de meu grande amigo, o ladrão chegou primeiro na outra margem e fugiu por entre o matagal. Fiquei imaginando como seria o retorno de Bob para onde estávamos. Sem cerimônias, pulou de volta ao rio e veio nadando. Desta vez, estilo borboleta.

Depois de tanta pirotecnia olímpica e um vexame cardio-respiratório, lembramos do motivo de tudo aquilo: as duas mulheres assaltadas. Eram mãe e filha. Infelizmente, foram agredidas pelo sujeito covarde. A primeira tinha um corte no pulso e a outra fora atingida na cabeça. Demos a elas a devida atenção.

- Por favor, leve-nos ao melhor hospital da cidade. – disse a mãe com um sotaque e uma frieza que logo denunciaram sua origem alemã. Haviam acabado de chegar a Salvador.

Lembro que eu ia dando apoio à senhora e Ortela ia amparando a garota. Curiosamente, apesar da origem da mãe, dos cabelos loiros e olhos azuis, a bela jovem havia nascido no Brasil. Chorava copiosamente a pobre coitada. Ortela a consolava enquanto passava o braço por seu ombro e segurava a sua mão. Mas, sinceramente, me neguei a acreditar que um cara que havia acabado de sair de um esgoto estaria se aproveitando de uma garota naquela deplorável situação.

Fomos em direção ao meu carro que, aliás, jamais voltou a ser o mesmo após este dia. Incorporou para sempre o cheiro do tal chorume. Ortela foi no banco do carona e, de trinta em trinta segundos, virava para trás, segurava a mão da chorosa garota e falava palavras de acalanto. Chegamos então ao hospital. Entramos com as duas na emergência. Nós dois descalços, trajando apenas bermudas de banho, areia por todo o corpo e Ortela fedendo a rato morto. Se a vigilância sanitária chegasse naquele momento, fatalmente interditaria aquela casa de saúde.

Enquanto elas eram atendidas numa sala de pronto-atendimento, eu, Ortela e toda a areia que nos acompanhava, esperávamos na recepção. Apareceu um cara do setor administrativo com uma prancheta e um papel. Tratava-se de um termo de responsabilidade onde nós arcaríamos com todas as despesas do hospital caso elas não honrassem com o pagamento da conta. Gentilmente, Ortela se negou a assinar:

- Sinto muito amigo, nossa boa ação termina por aqui.

Deixamos um bilhete para elas nos colocando à disposição para o que precisassem e fomos embora. Voltamos no carro comentando todo o ocorrido e lamentamos o fato de acontecer um absurdo desses nas primeiras horas em que um turista chega a nossa cidade. Enfim, fizemos nossa parte. Mas, não deixei de perguntar a Ortela:

- Vem cá, por acaso você estava dando em cima da menina ou foi impressão minha?

- Claro que não, Pedrão. Tá louco? A menina toda ensangüentada... – respondeu Ortela meio indignado.

Passou um tempo e, na noite de Natal, recebi um telefonema de São Paulo. Era a tal garota. Agradeceu bastante o que havíamos feito por elas e desejou boas festas. Procurei saber de Ortela se ele também tinha recebido a ligação. Sua resposta foi positiva.

Um belo dia, encontro a menina no Orkut de Ortela. Perguntei a ele como ela havia parado lá. Ele respondeu sem jeito:

- Quando ela me ligou aquele dia, peguei seu Orkut e MSN. Combinei de visitá-la em São Paulo.

Maldito. Dei força para que ele fosse. Mas sugeri que antes de encontrá-la em algum barzinho ou restaurante da capital paulista, tomasse um banho no Tietê. Talvez facilitasse as coisas.

terça-feira, outubro 07, 2008

O claustrofóbico, o alérgico e o cara-de-pau.


Eu tenho um primo que também é cheio de histórias pra contar. Tudo de estranho e pitoresco acontece com ele. Às vezes, chego a pensar que isso é genético. Entre muitos dos seus casos, um dos meus preferidos é sobre a noite quase inteira que ele teve que passar embaixo da cama com mais dois marmanjos. Apresento-lhes Milton Filho.

Milton tinha um amigo, Paulão, dono de uma charmosa cobertura no não menos charmoso bairro do Rio Vermelho. O lugar era pequeno, é verdade, mas de muito bom gosto. Bem decorado, um terraço agradável com uma piscininha aconchegante, cadeiras em volta de uma bela mesa no deck e um telão. Falo com propriedade porque depois que ouvi essa história, fiz meu primo me levar até lá para que eu pudesse visualizar melhor as cenas que ali se passaram.

Paulão, um cara de seus 35 anos, era noivo. A mulher que ele estava prestes a se casar, segundo meu primo, tinha seu peso medido em arrobas. E, o que ela tinha em excesso corpóreo, também tinha de personalidade forte. Foi diante de um cenário cataclísmico como esse, com um apê bem legal e uma noiva pra lá de rabujenta, que o sujeito resolveu fazer uma festinha com os amigos e algumas meninas de família.

Estavam Paulão, Milton Filho – orgulho da família -, mais dois amigos e uma horda de mulheres de aluguel. Sonzinho rolando, bebida socializando e muita descontração. Milton jura que não havia passado disso (eu acredito, e você?). Então, de repente, toca o celular de Paulão.

- Pssss! Desliga o som aí, ninguém fala nada, ninguém fala nada... – advertiu o anfitrião atendendo o telefone em seguida – Alô... oi amor! Tudo bem?

- Tudo bem, e você? Tá na fazenda? – arteira, respondeu a noiva Margarete.

- Tô sim, amor... e morrendo de saudade de você. – respondeu o ardiloso Paulão.

- Ué, e quem está no seu apartamento? As luzes estão todas acesas...

Paulão engoliu a seco e respondeu:

- É que... eu emprestei o apartamento pra Flávio. É ele quem está lá.

- Ah é? Então liga pra seu amigo agora e pede pra ele abrir a porta porque eu já estou aqui no hall de entrada...

Trim! Tocou a campainha e saiu Paulão tropeçando em tudo, correndo pela casa, empurrando os outros três amigos em direção ao seu quarto. Trim, trim, trimmmmm! A impaciente Margarete castigava a pobre buzina com seu dedo gordo. Tocou de novo o celular do rapaz.

- Calma, amor! Calma! Eu tô ligando pra ele mas está dando caixa... ele vai abrir a porta, calma... – disse Paulão em meio ao desespero, enquanto levantava o lastro de madeira da cama e apontava insistentemente para o seu interior.

Milton Filho viu aquela estreita cama de viúva que não é nem de solteiro, nem de casal, cheia de sujeira e alguns cacarecos dentro e achou que o dono da casa estava mandando que ele jogasse ali o seu copo de plástico, talvez para se livrar de alguma prova. Como Paulão não desligava o celular e também não conseguia se fazer entender, meu primo arremessou seu copo para debaixo da cama. Segurando o estrado com uma mão e o celular com a outra, o noivo de Margarete balançou a cabeça de forma negativa e impaciente. Apontou para os dois amigos, para si próprio e, em seguida, para dentro da cama. Ah, é para entrar aí? Milton Filho não via possibilidade alguma de caberem naquela caixa de madeira, ele, Paulão e seus quase dois metros e o outro amigo. Desligando o celular, o dono do pedaço foi muito claro:

- Entrem logo aí dentro senão vocês vão acabar com meu noivado.

Sem terem chance de argumentação, os dois se ajeitaram no cubículo, cruzaram os braços sobre o peito para ganharem espaço e então Paulão se esgueirou entre eles e, antes de baixar o estrado, falou para Flávio:

- Atenda a porta e leve ela lá pra cima.

O único amigo que fora poupado do caixão coletivo fez cara de “deixa comigo, está tudo sob controle”. Dentro da cama, aos cochichos, iniciou-se um diálogo entre os três:

- Eu tenho claustrofobia, não vou conseguir ficar muito tempo aqui. – sussurrou Milton Filho.

- E eu tenho alergia, Paulão... meu nariz já está coçando. – disse o amigo.

- Calem a boca vocês dois! Quando ela subir para a cobertura a gente sai daqui de dentro e corre pra fora do apartamento. Por enquanto fiquem quietos, vai ser rápido. – respondeu Paulão tentando afastar os riscos.

Ouviram então a porta da casa se abrir. Margarete adentrou a sala arfando:

- Cadê o f.d.p. do Paulo?!

- Calma Margarete, o que é isso? Pelo que eu sei, Paulão está na fazenda. Aqui ele não está. – disse Flávio, simulando ar de espanto.

- Você acha que eu sou idiota, Flávio? Vamos! Cadê ele? – a noiva parecia rosnar.

- Se você não acredita, fique à vontade, pode procurar. Por que não olha lá em cima?

Milton Filho lembra de ter ouvido os passos de Margarete subindo as escadas como se buscassem furar os degraus. E, de dentro da cama, ainda ouviram mais:

- Ah, quanta pu** junta! Onde tem pu**, Paulão está, com certeza! – gritava Margarete vendo aquele mundo de meninas na cobertura de seu noivo.

Nesse momento, Flávio desceu discretamente e encontrou os três quase do lado de fora da cama. Quando ia ajudá-los a sair, ouviu a estraga-prazeres (literalmente) aos berros:

- Eu vou descer, aquele &%$@# deve estar lá embaixo!

Foi só o tempo de voltar todo mundo para o caixote e Flávio colocar o colchão por cima da cama. Ainda ouviu a voz abafada de Paulão vinda de dentro:

- Tranque a porta por fora e leve a chave! Rápido!

Com a porta trancada, os três saíram suados de dentro da cama, vestidos com um ridículo figurino composto por sunga e tênis. Retiravam as teias de aranha grudadas em seus cabelos. Quando acharam que iriam respirar um pouco, eis que Margarete gira a maçaneta da porta do quarto. Todo mundo de volta ao cárcere às pressas.

- Ei!! Quem trancou essa @#&*% deste quarto?? Abre aí! Abre! – a besta-fera esmurrava a porta incessantemente. E cada vez mais forte, cada vez demonstrava mais descontrole.

Após um tempo, as pancadas na madeira e a voz estridente de Margarete cessaram. Paulão sussurrou:

- Pronto, ela deve ter ido embora.

Meio segundo depois desta frase, um estrondo enorme acusou o arrombamento da porta. A maçaneta voou longe.

- Cadê aquele safado, desgraçado, miserável??

De dentro da cama, os três só ouviam o som de porta-retratos, CDs e objetos decorativos se espatifando contra a parede. Paulão soltou um lamento quase inaudível:

- Minha casa...

Depois do quarto em ruínas, a mulher sentou na cama. Com o peso, o estrado encostou no nariz de Milton Filho. Ele virou o rosto em direção a Paulão e disse:

- Eu vou sair. Não estou agüentando mais, me desculpe.

Disse o outro:

- Eu também vou. Não consigo respirar.

- Calma. Não estraguem tudo. Ela vai cansar e vai embora. – implorou Paulão.

Tentando fazê-la desistir de esperar, Flávio interveio:

- Margarete, você não está vendo que Paulão não está aqui? Por favor, deixe eu continuar com minha festa.

- O seu brega terminou, Flávio! Só saio daqui quando Paulo aparecer.

Ao perceber que a noiva de seu amigo não pretendia deixar o recinto tão cedo, Milton Filho tentou relaxar, controlar a sua claustrofobia e quem sabe até cochilar um pouco. Fechou os olhos. Então, percebeu que daquele jeito o lugar ficava menos insuportável. Foi aí que o escuro deu lugar a um grande clarão. Meu primo abriu os olhos e deu de cara com a visão do inferno: Margarete.

- Ahááááááááááááá!!! Eu sabia!!! – gritou a mulher enquanto segurava o estrado.

Paulão levantou o corpo em direção a ela e, sentado, abriu os braços e disse sem jeito:

- Surpresa...!

Levou um tapa de mão cheia na cara, desses que ficam desenhados o contorno dos dedos. Desses que a cabeça parece girar sobre o pescoço.

Diante da cena, Milton Filho e o alérgico pularam da cama e saíram correndo desesperados pela escada do prédio. Margarete advertiu:

- Não adiantam correr, Milton Filho e Fulano de Tal! Já vi vocês e vou contar tudo para as suas namoradas!

Na garagem do edifício, trajando suas respectivas sungas e tênis, cada um correu para o seu carro. Margarete saiu do elevador, estava desfigurada, parecia um monstro de seriado japonês. Tentou se jogar na frente do carro de meu primo, tentando fazê-lo parar. Enquanto ele aguardava ansiosamente o portão do prédio se abrir, viu a síndica, uma mulher jovem, perguntando ao porteiro que reboliço era aquele. Ao fugir acelerando daquele pesadelo, Milton Filho ainda pôde ouvir um exclamativo comentário da (ex-)noiva de seu amigo quando olhou a administradora na portaria:

- Êta que ainda chega pu** na festa!

quarta-feira, outubro 01, 2008

O misterioso e delinqüente vomitador de banheiro.


Uma grande amiga um dia me perguntou se por acaso eu conhecia alguém legal para apresentá-la. Sabe como é: tem certas mulheres que ficam, digamos assim, ansiosas, quando começam a beliscar os 30. E esse era um caso clássico.

Respondi a ela que sim, eu podia ajudá-la, dois amigos meus que gosto muito também estavam solteiros. Não no desespero, mas estavam solteiros. Dois bons partidos, assim sempre os julguei. Irei chamá-los pelos nomes fictícios de Lúcio e Fernando.

Marquei de sairmos. Como sou um cara prático, chamei logo os dois para que Marta tivesse opção de escolha. Fomos eu, Luciana (minha namorada na época), Lúcio, Fernando e a minha amiga para um barzinho da moda. Mas antes passamos para buscá-la em casa. Quando Marta apareceu, uma surpresa: havia se produzido tanto que eu quase volto pra colocar um blazer. Sério, parecia que ela estava indo a um casamento. Coisas do subconsciente.

Marta entrou no carro, jogou o cabelo pro lado e soltou um rouco e sexy “oi”. Apresentei os caras, prazer pra lá, prazer pra cá e seguimos. Aquele clima meio estranho, todo mundo sabendo o que cada um estava fazendo ali, mesmo assim disfarçavam conversando amenidades entre sorrisos amarelos.

Chegamos ao nosso destino. Era um barzinho mexicano, um lugar bem bacana. Sentamos e pedimos bebidas. Água tônica pra mim, refrigerante pra Luciana, caipiroska pra Marta, cerveja pra Fernando e whisky pra Lúcio. Os mal-intencionados foram direto para o álcool. Conversa vai, conversa vem. O que gosta de fazer? Se formou em que? Pra onde costuma sair? E tome conversa mole. Mais um whisky pra Lúcio. Relembrei algumas histórias engraçadas da época em que eu e Marta estudávamos no Colégio São Paulo. Lúcio pediu mais um whisky. Pedimos tacos e nachos e comentamos como aquele bar era legal. E Lúcio, curiosamente, pediu mais uma dose de malte escocês. Dessa vez, dose dupla.

Lúcio merece um parágrafo. Grande amigo de infância, cara de inteligência refinada, porém introspectivo e bastante econômico com as palavras. Sabe-se lá porque ele resolveu beber tanto naquela noite. Talvez não tivesse interessado-se por Marta. Ou, justamente, talvez tivesse. O fato é que o rapaz acabou chapando a cara com 8 doses de whisky.

Enquanto conversávamos, Lúcio levantou e começou a socializar com o bar inteiro. Ia de mesa em mesa, falando com quem não conhecia. Vi nos olhos de Marta a estranheza diante da mudança de comportamento do tímido rapaz. Então, preocupado, passei a prestar mais atenção em Lúcio. Ele sumia e aparecia, sumia e aparecia. De repente, sumiu de vez. Discretamente, dividi com Fernando minha preocupação. Foi nessa hora que, subitamente, Lúcio apareceu e veio a passos rápidos e semblante sério em direção à nossa mesa. Impossível não notar a grande rajada molhada em forma de gravata na sua camisa.

- Rápido, Fernando, venha comigo! – disse Lúcio em tom sério.

Fernando, sem querer levantar da mesa e levando em consideração o estado etílico do nosso amigo, ponderou:

- O que foi, rapaz?

- Levante, rápido! Tinha um cara escondido no banheiro com a mão na boca, só esperando alguém entrar. Eu entrei e ele vomitou tudo em cima de mim e depois saiu correndo, o covarde. Vamos pegar ele! – bradou Lúcio, indignado.

Solidário, Fernando levantou e os dois correram em direção ao banheiro.

- Que situação chata... – comentou Marta discretamente.

Enquanto os dois iam atrás do elemento, um garçom aproximou-se da nossa mesa:

- Com licença, esse senhor que estava andando por aqui está com vocês?

- Sim, o que houve? – respondeu Luciana preocupada.

- É o seguinte: agora há pouco ele estava ali no meio do bar olhando fixamente para o teto. De repente, abriu os braços e vomitou para o alto. O vômito voltou todo em cima dele e ele saiu correndo para o banheiro. – disse o garçom, no mínimo, constrangido.

Ao ouvir o relato e ver o olhar assombrado de Marta, ela vestida como se de fato fosse conhecer o homem da sua vida, ri fartamente. Marta não riu.

Lúcio e Fernando voltaram para a mesa. Provocativa, Luciana perguntou:

- Acharam o cara?

- Acho que não tinha ninguém... – diminuindo o tom de voz, disse Fernando ofegante e completamente suado.

- Covarde! Vomitou em mim e saiu correndo... – praguejou Lúcio, sentando em seguida na mesa com sua gravata de vômito.

Ficamos na mesa tentando fazer o retrato falado do meliante. E rimos muito das fantasiosas características que Lúcio nos deu e de sua fabulosa imaginação.

Marta não sorriu um só minuto. Muito menos encontrou o homem que seria o pai de seus filhos. Mas, sem dúvida, aquela foi uma noite que muito lhe fizera bem. Ao tirar sua roupa de gala e colocar a cabeça no travesseiro, minha amiga deve ter pensado que estar solteira nem chega a ser algo tão ruim assim.