sexta-feira, dezembro 25, 2009

O homem mais rico do mundo.

Dona Nielsen é avó de Dan Tech e, desde pequeno, tenho o grande prazer de conviver com esta sábia senhora. Dona Nielsen sempre foi uma mulher bem à frente de seu tempo: na casa de seus oitenta anos, sua relação com a vida ainda é intensa e sua visão de mundo transcende em muito a barreira do material. Autora de orações poderosas que tocam o coração de quem as ouve, Dona Nielsen me ensinou uma grande lição ainda muito cedo.

Eu devia ter uns 10, talvez 11 anos. Era época de férias e nós, os meninos do Parque das Árvores, estávamos naquela clássica falta do que fazer do recesso escolar de verão. Foi então que Dona Nielsen apareceu no playground do prédio e nos fez um convite intrigante:

- Estou indo visitar o avô de Dan no hospital. Vocês querem ir comigo conhecer o homem mais rico do mundo?

Estranhei de súbito a pergunta, mas, como eu sabia que seu esposo estava internado no Sarah Kubitschek, um hospital que é referência mundial em reabilitação, imaginei que não seria tão absurdo o homem mais rico do mundo ter ido para lá se tratar. Quando me dei conta, minha curiosidade já havia me transportado para dentro do carro de Dona Nielsen junto com Dan.

No caminho para o hospital, minha cabeça era um poço de interrogações. Quem seria o tal homem mais rico do mundo? Bill Gates estaria internado no Sarah em Salvador, Bahia? Não devia ser, a televisão teria alardeado. Seria algum sheik árabe? Um cara desses provavelmente teria dinheiro para construir um Sarah particular dentro de casa. De vez em quando, pedia dicas a Dona Nielsen para tentar descobrir quem era o tal afortunado.

- Aguarde, você irá conhecer logo, logo. – respondia ela, pacientemente.

Entramos no hospital. A arquitetura diferente já me chamou atenção - eu nunca havia entrado no Sarah. Parecia de fato um lugar indicado para um homem tão rico estar, não lembrava um ambiente hospitalar comum. Lá dentro, o cheiro de éter aguçava ainda mais a minha curiosidade, ao tempo em que sentia uma profunda tristeza ao ver as macas indo de um lado a outro com pacientes paraplégicos, tetraplégicos e paralíticos cerebrais.

Andamos por um longo corredor até chegar a uma enorme varanda. Lá, dezenas de pacientes, jovens, idosos, crianças, alguns com respiradores artificiais presos ao corpo, outros com sonda para alimentação, uns movimentavam apenas a cabeça, poucos eram paralisados “apenas” nas pernas. Mas, apesar do meu coração ter apertado naquele instante, a cena não era de lamentos. Aquela era a hora do banho de sol dos pacientes, um momento alegre para aquelas pessoas que viviam tantas e tantas restrições. Muitos trocavam sorrisos entre si e suas faces estampavam um sincero agradecimento aos enfermeiros por aqueles minutos de bem-estar.

Puxando discretamente a barra da saia de Dona Nielsen, perguntei baixinho:

- Cadê o homem mais rico do mundo?

- Ainda não encontrou? – Dona Nielsen respondeu sem tirar os olhos dos pacientes.

- Não...

Dona Nielsen olhou para mim e respondeu serenamente:

- Pois o homem mais rico do mundo é você, meu filho.

Desde aquele dia até hoje, toda vez que a vida coloca uma pedra no meu caminho, eu procuro lembrar daquela manhã e das palavras cheias de sabedoria da avó de Dan. Quantas vezes nos queixamos por tão pouco? Quantas vezes somos tão intolerantes a um problema? Quantas vezes o mundo parece ruir diante de nós por coisas tão pequenas? A vida pode ser tão simples e, por isso mesmo, ser tão fantástica.

Hoje eu sei que sou o homem mais rico do mundo. E, diferente de um magnata capitalista, não me incomodo com a concorrência. Portanto, convido você também a se tornar a mulher e o homem mais ricos do mundo. Desejo de coração que este grande presente que é a vida também seja celebrado por você não só hoje, no dia em que nasce o Menino Salvador, mas todos os dias do ano que se inicia.

Feliz Natal, meus amigos.

terça-feira, novembro 10, 2009

Motel Safari: perfeito para quem está duro.

Alguém aí conhece Billy? Alguns de vocês provavelmente conhecem. Billy é um sujeito de primeira, aquele cara que todo mundo curte ter ao redor, coração grande, está sempre pronto para ajudar. Para mim e outros muitos, é um irmão por eleição.

Sob a ameaça de ser processado, eu tinha prometido a Billy que não ia contar essa história no blog. Há umas duas semanas, insisti tanto para que ele contasse o caso numa mesa de bar que acabei vencendo a parada. No dia seguinte, ele ficou transtornado e ameaçou cortar relações. Pois é, Billy The Kid, não consigo me segurar: já estou escrevendo sua história aqui. Nos vemos no tribunal.

Bom, Billy é hoje um empresário de sucesso. Junto com Misael, seu sócio, fundou e dirige a Norte – Ideias Planejadas, uma empresa de pesquisa e planejamento de comunicação que tem dado uma mexida no mercado. (Dei uma puxada de saco para ver se consigo um atenuante). Mas, por incrível que pareça, Billy já foi liso. Duro. Desfavorecido. Fugitivo de cigano. Negociador de juros do cartão C&A. Sem verba. Subsolo da pirâmide. Mais quebrado do que arroz de terceira.

Vamos à história.

Na época, nosso protagonista trabalhava em uma agência de Salvador no bairro de Ondina. Seu cargo: uma humilde cadeira na assistência de planejamento. Era o início da sua carreira na área, portanto, o salário não surpreendia. Apesar de muita empolgação, amor por seu ofício, garra e vontade de crescer, naquele momento, Billy era apenas mais um trabalhador brasileiro com quase nada no bolso e muita criatividade na cabeça.

E quando eu digo “quase nada”, acreditem: é “quase nada” mesmo. 23 reais para ser mais exato. Era fim de expediente e estava Billy na agência, quase desligando o computador, quando sobe a janela do MSN com a foto de uma figurinha repetida. A famosa marmita – assim eu chamaria, se fosse um cafajeste. Boas perspectivas para quem ia terminar um cansativo dia de meio de semana no zero a zero.

Papo vai, papo vem, marcaram no Caranguejo de Ondina. Confesso que programa mais romântico que esse eu não conheço. Desesperado, Billy saiu à caça de algum colega que pudesse lhe emprestar mais uns dois micos-leões-dourados ou quem sabe até uma onça. Frustração: todos já haviam saído. O único que ficou foi o segurança, mas este só tinha o vale-transporte de volta. Se tivesse também o de ida, Billy certamente o pediria emprestado.

Seguiu seu rumo, a pé, ele e seus trocados. Foi maquinando no caminho como faria para pagar a conta do bar e do leito redondo onde provavelmente encerraria sua noite. Chegou ao local e logo suou frio: sua companheira já o esperava com uma cerveja na mesa. Seria aquela a primeira garrafa? Teria ela pedido algo para comer? E se não houvesse jantado em casa? Naquele dia, Billy precisava tirar alguns coelhos da cartola.

Sentou-se. Ele se serviu da cerveja e notou que na garrafa sobrara, se muito, o suficiente para encher meio copo. Azar: o copo dela encontrava-se vazio.

- Garçom, outra – a voz sumia em meio ao pedido.

A conversa seguia, mas, nos porões da mente, Billy fazia contas: R$ 3,50 a cerveja. 3,50 de uma + 3,50 de outra = R$ 7,00. Restam 16 reais. Então, o que meu amigo mais temia, aconteceu: a garota anunciou estar com fome. Pediram – trilha romântica para marcar o momento – pititinga frita com farofa, R$ 8,50. Na carteira, agora, míseros R$ 7,50.

Billy já pensava numa forma de encerrar prematuramente aquela conta de bar quando ela, má intencionada que estava, finalizou a segunda cerveja com certa velocidade. Desta vez, a amiga colorida nem esperou pelo cavalheiro. Animada, ordenou:

- Garçom, por favor, mais uma.

Agora já não era mais prioridade fechar a conta. Era necessidade. O consumo chegava a preocupantes 19 reais. Billy, num impulso inconsciente e desesperado, levou a mão à cabeça quando lembrou dos 10% do garçom - são nos momentos de grande dificuldade que os homens mostram sua retidão.

Total da farra: R$ 20,90.

- Fulana, eu larguei um arquivo na agência renderizando, preciso voltar lá urgente – disse Billy enquanto lançava repetitivos sinais para o garçom trazer a conta.

Saldo quitado. No bolso, uma nota de 2 reais e uma moeda de 10 centavos.

Foram até a agência. A pé. Como desculpa para a andança, ele havia dito que a lua – minguante, aquele dia – estava bonita demais, que era preciso apreciá-la. Chegou lá, entrou na agência, fingiu que fez alguma coisa e saiu novamente. A bebida inflamara a sua libido e Billy só conseguia pensar em uma coisa: como resolver a questão com 2 reais e 10 centavos na carteira?

A pé mais uma vez, foram para a praia de Ondina. Como morador do bairro, Billy conhecia algumas barracas de coco que, diante de necessidades como esta, serviam como ninho de amor aos desprovidos ou agoniados - Billy, naquela noite, era os dois. Chegando ao local, o clima esquentou ainda mais: estica daqui, puxa de lá e, de repente, a permanência deles ficou inviável em local público.

- Vamos pra algum lugar mais reservado? – perguntou Billy.

Com o consentimento da garota (que ainda parecia ter um pingo de juízo), partiram os dois para o ponto de ônibus. Sim, para o ponto de ônibus. Abro um parêntese para confessar a vocês que, se fosse eu, logo no início dessa odisséia, já teria desistido. Haja vontade. Mas, Billy é brasileiro e não desiste nunca.

Era início de madrugada e os dois embaixo da marquise, sentados no banco, um ao lado do outro, esperando a condução. Diferente da praia, agora estavam comportados. O ônibus chegou. Os dois entraram e, por conta das circunstâncias, Billy esqueceu por alguns instantes o cavalheirismo e passou na catraca empunhando apenas uma nota de 2 reais. Afinal, em seu bolso agora repousavam apenas 10 centavos. A sorte é que a garota tinha SmartCard e bancou sua passagem.

Pois se o dinheiro não estava dando para a passagem de ônibus, quanto mais para a conta do motel. Foi aí que, como se nada mais de negativo pudesse acontecer, o ônibus parou. “Não é possível, só falta ter quebrado” – pensou nosso herói. Mas, era algo ainda pior: uma blitz.

- Os homens pra fora, as mulheres permanecem sentadas – bradou um desses educados policiais ao subir no coletivo.

Junto com mais meia dúzia de gatos pingados, desceu Billy. Foi convidado a encostar as duas mãos na lateral do veículo e separar as pernas. Foi revistado, tomou o baculejo e qual não foi a surpresa do policial quando verificou que os únicos pertences do meu amigo eram um pente, um celular e 10 centavos. O lado bom é que, diante de tanta fartura, ninguém levantou suspeitas de que ele fosse um ladrão. Mas, o que eu achei mais bonito de tudo foi que Billy, após tantas adversidades, ainda encontrou dentro de si dignidade e romantismo para levantar os olhos para a janela do ônibus e, após um sorriso sublime, soltar um beijo para a moça. Ele com os braços para cima e as pernas abertas.

Viu? Pensem bem antes de reclamar da vida.

De volta ao ônibus, os dois seguiram abraçados, trocando inocentes carícias, até um ponto qualquer do Rio Vermelho. Saltaram e seguiram na direção do Motel Safári, uma espelunca de três andares, um motel vertical, emoldurado por um neon azul, bem em frente ao acarajé da Dinha. Ela, coberta de romantismo, feliz com seu príncipe encantado; ele, com seus 10 centavos no bolso, porém, pensando em deixar para resolver este problema no dia seguinte.

Pegaram um quarto. Amaram-se numa confortável cama de 10 parcelas de R$ 19,90 da Insinuante. No dia seguinte, bem cedo, Billy acordou e noticiou a sua falta de verba. Perguntou se ela tinha cartão e se ele poderia fazer um depósito na sua conta naquela semana. Sem problema. Então, despediram-se. Ela pegou um ônibus e ele foi andando para casa embaixo do sol escaldante. Do Rio Vermelho até a Ondina.

Sexta-feira passada, Billy me liga às 4:30 de uma tarde típica de verão baiano:

- Peter, estou aqui no restaurante do Yacht. Venha pra cá.

Respondi:

- Tá doido? Tô trabalhando. E você, por que não está fazendo o mesmo?

Billy, com a voz arrastada, num tom debochado, esclareceu:

- Empresário que é empresário não trabalha sexta à tarde...

Um dia ainda sigo os passos de meu amigo Billy. Refiro-me à folga numa sexta de sol; não a uma extensa noite no Motel Safári com 10 centavos no bolso.

segunda-feira, outubro 12, 2009

Prematura morte de um nacionalista.

Eu não sei vocês, mas eu cansei. Cansei de vestir verde e amarelo na copa, cansei de acordar cedo no domingo pra tentar ver uma bandeira brasileira flamulando no alto de um pódio, cansei de me emocionar ouvindo o hino nacional. Cansei de pensar orgulhoso que somos um povo privilegiado, seja na geografia, na música, na alegria, na criatividade, na tão celebrada diversidade que encanta o mundo. Cansei de tentar me enganar com essa história mofada de país do futuro.

Não somos, não.

Primeiro que, para sermos um país de fato, precisaríamos construí-lo com certas qualidades desconhecidas por aqueles que capitaneiam nosso Estado. Definitivamente, aqui não se constrói, mas, diariamente, se dilapida. A célebre frase de Kennedy - “não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país” – só é conhecida aqui do avesso. Talvez nossos nobres Kennedys, todos os dias, acordem pensando: “o que é que eu posso tirar daqui hoje?”. Somos a mesma paradisíaca colônia de exploração de 1500. Só que, desta vez, ironicamente, explorados por nós mesmos.

Quem foi abençoado por ter nascido nesta terra adorada, rapidamente encontra o seu propósito de vida: pagar impostos. Nascemos, vivemos e morremos sendo açoitados por uma carga de impostos que luta incessantemente contra o sucesso pessoal de cada brasileiro. Quando eu decidi abrir uma agência de publicidade, ninguém me avisou que, compulsoriamente, eu teria um sócio: o governo. Foi só depois do primeiro DARF que eu comecei a desconfiar que este meu “parceiro” levava a maior parte do que faturávamos.

Eu, você e mais alguns milhões de ingênuos alimentamos diariamente a fornalha desta grande locomotiva que deveria andar em ritmo de trem-bala. Ralamos, pagamos nossos impostos e pensamos: “tudo bem, estou sendo penalizado – e esta é a palavra – com tanto a contribuir, mas estou ajudando a construir um país”. Então, vêm as ratazanas de Brasília e, insaciáveis, engolem com voracidade o fruto do nosso suor. E, disso, eu cansei de verdade.

Eu cansei de bater no peito por conta desse delirante e injustificado orgulho de ser brasileiro. Qual seria mesmo o motivo para isso? Nossas belezas naturais? As mulatas? Ah, talvez seja porque sabemos tocar pandeiro e somos craques de bola. Pois eu, sem pestanejar, trocaria todas as 5 estrelas que carregamos no lado esquerdo do padrão verde e amarelo por um punhado de homens honrados, políticos que fossem compromissados com o bem comum e não com a sua eterna manutenção no poder.

Hoje eu sei por que nosso país não tem tufões, furacões, terremotos, tissunamis e afins: porque Deus é justo. Imagine o furor que as empreiteiras, congressistas, prefeitos e governadores não ficariam toda vez que um destes desastres naturais acontecesse e o país precisasse de reconstrução. A propósito, será que alguém tem algum palpite para explicar por que o nosso projeto para as Olimpíadas de 2016 foi o mais caro das quatro nações candidatas?

Pois é. Tem gente que insiste em dizer que somos um país pobre. Nós temos petróleo que não acaba mais e continuamos descobrindo novos, gigantescos e caudalosos poços. Somos quase um continente inteiro de terras férteis onde se plantando, tudo dá. Em nosso subsolo, temos ouro, diamantes, minério de ferro, pedras semi-preciosas e um sem-número de outras riquezas. Temos a Amazônia. A Amazônia! Vale lembrar que isso tudo não é mérito nosso, é bênção, veio no pacote. São riquezas que o mundo inteiro inveja.

Agora, junte toda esta fartura que a terra nos dá com os impostos que 180 milhões de brasileiros pagam todos os dias. Vamos aos resultados desta fabulosa soma de recursos: insuficientes hospitais públicos sem médicos, sem equipamentos, sem remédios - verdadeiros corredores da morte. Escolas públicas sucateadas, sem merenda escolar para os alunos, sem ensino de qualidade, onde professores mal recebem salário, que dirá qualificação profissional. Estradas e ruas completamente esburacadas, onde apenas um centímetro de espessura de asfalto repousa frágil na terra porque o resto dele foi parar no bolso de algum político que assinou a autorização da obra. Milhões de bairros em milhares de cidades brasileiras com esgoto a céu aberto. Cultura e lazer? Assistência social? Bom, é melhor parar por aqui para que a vergonha, ao invés de ser colossal, seja apenas gigantesca.

Vivemos o triste paradoxo de sermos, ao mesmo tempo, incrivelmente ricos e lamentavelmente paupérrimos.

Cansei de, como povo, ser apenas o meio e não o fim. Desde sempre e até hoje, somos só uma ponte para que os parasitas se instalem nas entranhas dos cofres públicos e de lá não saiam mais. Assim como também cansei de financiar o congresso nacional e ele funcionar apenas como um balcão de negócios de quinta categoria onde mercam-se cargos e benesses pessoais. São milhões e milhões de reais por ano para que estes senhores mantenham-se em seus gabinetes com regalias monárquicas e, além de não legislar em prol do país e sua gente, ainda emperram a máquina, só votando a favor de alguma lei ou projeto caso ganhem algo em troca. (O “algo” pode ser preenchido com o mais largo espectro de coisas).

Eu simplesmente cansei de ver o meu dinheiro tratado como se ele não tivesse dono. Ele tem.

A grana que um homem público passou a mão é um trabalhador, pai de família, contribuinte, que morreu na fila de um hospital porque lá não tinha médico para atendê-lo. O cargo que um senador dá ao namorado de sua neta é o presente de Natal que uma mãe não conseguiu dar a seu filho porque, mês a mês, estava financiando a boa vida de um vagabundo. O suado e sagrado imposto de uma pequena empresa que foi mais uma vez profanado é, simplesmente, mais um jovem brasileiro semi-analfabeto que sai formado da escola pública sem conhecimento, sem perspectiva.

Onde está a beleza de ser brasileiro? Cadê a poesia?

Se você está disposto a procurar, boa sorte. Eu cansei, joguei a toalha. Portanto, fica aqui o registro: eu, Pedro Andrade Valente, RG 05744756-05, um ex-brasileiro, procuro uma pátria sem mestre-sala nem porta-bandeira, sem tamborim, talvez até sem praia, provavelmente sem mata atlântica virgem, um país ruim de bola, mas que, em alguma língua não tão bonita quanto a nossa, dê sentido a duas palavras que, retumbantes, ecoam em minha cabeça: ordem e progresso.

Perdoem-me a falta de humor. Eu queria escrever algo engraçado hoje. Juro que tentei. Mas, há algum tempo, a maior piada com que tenho me deparado todos os dias é, infelizmente, o meu país.

segunda-feira, setembro 14, 2009

Conte comigo para soprar velinhas, cisco no olho, ferida com merthiolate. Só não me peça para soprar bafômetro.

Desculpem. Eu sei que a próxima história deveria ser o segundo capítulo da viagem ao Chile, mas preciso contar algo que aconteceu comigo há algumas semanas antes que eu esqueça de alguns detalhes. Até porque, um episódio como esse, tem mais é que ser esquecido.

Era dia de Bahia Recall, o maior prêmio da propaganda baiana. A Boanova era finalista pelo terceiro ano consecutivo na categoria rádio. As duas peças anteriores bateram na trave e não entraram. Dessa vez, confesso que estava confiante. Resultado: não levamos o caneco. Vá lá, somos a única agência de pequeno porte que tem estado sempre entre os finalistas, mas não deixei de ficar frustrado. E ainda: esse foi o primeiro ano que, após o prêmio, eles não ofereceram uma festinha. Um absurdo.

Após sairmos de lá de mãos vazias, fomos todos para um barzinho de propaganda que tem aqui, o 30 Segundos. Chegando ao lugar, cercado de muitos amigos do mercado – sem dúvida o maior prêmio que a propaganda já me deu até hoje -, resolvi beber um pouco (um pouco de eufemismo não faz mal a ninguém). Whisky com Red Bull. Mas manerei no energético: apenas o suficiente para me manter acordado sem dar parada cardíaca.

Depois de algumas doses, lembrei da pauta de criação e dos prazos estourados que me esperavam no dia seguinte - lampejo suficiente para me fazer voltar pra casa. Me despedi do pessoal e fui embora.

No carro, ia eu bem devagar, atentamente mirando as linhas que delimitavam o meio da pista, bêbado prudente, na velocidade que meus reflexos permitiam. Após uma curva na avenida ACM, eis que me vejo no clássico corredor de cones de uma blitz. Terça-feira! O que esses caras querem numa madrugada de terça-feira? – me perguntei. Enquanto ia passando lentamente pelos cones, pensei em parar o carro no meio da rua, passar pro banco do carona e, quando algum policial chegasse, eu diria que o motorista havia fugido, me largando lá. Acabei encarando a blitz.

Ao chegar no recuo da rua onde os agentes da SET estavam instalados, já havia um deles no meio da pista fazendo sinal para que eu encostasse. A descarga de adrenalina rapidamente tratou de cortar um pouco o efeito do álcool. Parei o carro, abri o vidro. O agente falou com aquele tom de voz característico de “otoridade”:

- Documentos do carro e habilitação.

Já meio puto por imaginar que ao invés do prêmio eu havia ganhado uma multa de mil reais, também fiz questão de não ser simpático com o sujeito e tratei de procurar os documentos. Pior é que eu procurava, procurava e não encontrava. Meus movimentos eram meio lentos e eu deixava as coisas caírem das minhas mãos no assoalho do carro. A verdade é que nem precisava de teste do bafômetro.

Depois de uns 5 minutos procurando o documento com o cara ao meu lado aguardando, encontrei o bendito papel. Entreguei ele junto com a habilitação. O agente deu aquela clássica examinada de expert em papéis cheios de números, deixando no ar aquele silêncio que eles devem imaginar que dão o maior medo na gente.

- O senhor fez uso de alguma substância alcoólica? – ele perguntou.

- Se eu bebi? – aproveitei pra tirar um sarro da erudita linguagem policial.

- Positivo.

- Um copo. – omiti alguns mililitros.

- Por favor, sopre aqui este bafômetro. – disse o agente enquanto retirava um negócio parecido com uma língua de sogra de dentro de um saquinho.

Minha mente de alcoolizado, por algum motivo, concluiu que aquilo era imperativo demais, um certo abuso de poder. Resmunguei chateado:

- Não vou soprar nada não.

- Ah, o senhor não vai soprar? – perguntou, enfático, a autoridade máxima daquele metro quadrado de avenida de Salvador.

- Não.

- Então o senhor se recusa? – o agente insistiu.

- Me recuso.

- Neste caso, a multa pode chegar a 950 reais. – ele me olhou com uma cara que, salvo engano que a bebida pode ter me gerado, poderia interpretar como: “que tal pagar agora com desconto?”.

Devolvi a ele um olhar com ranger de dentes de “não deixo em sua mão nem um centavo”. Afirmei:

- É a lei...

- Por favor, me acompanhe.

Fui parar numa mesa branca de plástico, parecendo mesa de boteco, onde um segundo agente preenchia fichas de outros supostos infratores da lei. Se eu estivesse de bom humor, levantaria o braço e chamaria um garçom. Mas, eu só pensava nos mil reais que eu estava jogando fora naquele fim de madrugada. Calado estava, calado fiquei. Ainda ocupado com devaneios e lamentações, fui surpreendido ao ver como o trabalho desses caras é divertido.

Primeiro, uma senhora foi parada pelo mesmo sujeito que me parou. Eram umas 3:30 da manhã e ela estava com um vestido de festa. Não havia mais sinal algum do belo penteado que aquela mulher devia ter feito no salão - a maioria dos fios apontava o céu. Imaginei o terror que aquela tiazona tocou na pista de dança.

- Documentos, por favor. – disse o algoz dos alcoolizados.

A mulher, prontamente saiu do carro, deu uma cambaleada e, enquanto seu carro seguia em frente por falta de freio de mão, foi logo falando:

- Meu filho, eu estava num velório! – disse a senhora enquanto alguns policiais da guarda municipal corriam atrás do seu veículo.

- A senhora fez uso de alguma substância alcoólica?

- Não, meu filho, eu estava no cemitério dando apoio a uma família que...

O agente, provavelmente bastante acostumado com as desculpas esfarrapadas que ouve todas as noites, interrompeu a mulher:

- Por favor, sopre aqui este bafômetro.

- Soprar aí? – perguntou, receosa, a anciã.

- Sim, senhora.

- Tá bom... – após uma pequena pausa de insegurança, a mulher completou – aliás, não, obrigado.

“Obrigado”. Acho que ela imaginou que estavam oferecendo a ela um drink. Depois de um “siga-me, por favor” do agente, a senhora juntou-se a mim na mesa branca. Mesmo com minha cara-de-acabei-de-perder-mil-contos nada convidativa, a tia resolveu puxar papo comigo. Inclinando-se em minha direção, sussurrou ela:

- Você bebeu, meu filho?

- Um copo.

Com um sorriso, misto de orgulho e ingenuidade, a senhora me confidenciou:

- Eu bebi mais...

Quase pergunto quem era o pobre coitado cuja morte ela estava comemorando. Continuei calado. Nisso, mais um carro é parado. Dessa vez, uma jovem. Suas roupas também denunciavam que a sua procedência era festiva. Girei o corpo na cadeira para poder assistir a mais um show de mentiras. Mas, a reação da moçoila foi inesperada.

- A senhora consumiu álcool?

- Consumi. – respondeu a menina, rápida e sincera.

- Então, por favor, sopre aqui.

- Meu amigo, a esta altura eu não acerto mais soprar, não... só consigo chupar.

A velha olhou pra mim como quem diz: “cada um suborna com a sua moeda”. A menina saiu do carro e a mesa branca ganhou mais um integrante. Diante de nós, a garota reclamava revoltada, falava alto, gesticulava, dizia que mil reais era um roubo, que aquilo tudo era um assalto. Comecei a torcer pra ela ser presa. Afinal, a mesa já estava ficando apertada e tudo o que a gente não precisava era desse tipo de bêbado que gosta de tumultuar. Os bêbados ali presentes, até então, eram do bem.

Nesse meio tempo, chegou um rapaz pra lá de Bagdá que mais parecia Tarso, o garoto esquizofrênico da novela. Em pé, diante da mesa branca, ele repetia sem parar:

- Eu tô sem habilitação, não vou mentir... não vou mentir que eu tô sem habilitação...

Demonstrando impaciência, o agente que preenchia as fichas apenas levantou lentamente os olhos para ele. O rapaz continuava a atropelar palavras:

- Eu moro em São Paulo... eu sou daqui, mas moro em São Paulo... minha habilitação ficou lá.

Depois de um demorado suspiro, sinônimo de cansaço, o agente perguntou com certa indignação:

- O senhor se nega a soprar o bafômetro e ainda dirige sem habilitação?

- Eu não vou mentir pro senhor, eu tô sem habilitação... eu tô sem habilitação, não vou mentir...

Que bom que ele não mentiu. Só não entendi até agora como é que o sujeito pretendia mentir diante do fato de não estar com a habilitação. Será que ele achava possível falsificar uma ali, no meio da blitz? Enfim.

Tarso esquizo ainda ruminava palavras quando mais uma bêbada chegou. Também recusou-se a soprar o dito cujo e foi parar na mesa. Ali, eu assisti de camarote como o álcool pode ser seu aliado até mesmo numa blitz de lei seca. Enquanto eu estava emburrado, a velha, muda, a menina, revoltada e o rapaz, tan-tan do juízo, a nova integrante da turma chegou com aquele astral de quem tomou umas a mais.

- Moço, como é seu nome?? – perguntava a garota ao agente, num movimento de corpo que sugeria uma dança.

[silêncio]

- Moço, me diz, vai, qual seu nome? – ela insistia com um simpático sorriso no rosto.

- Agente Ferreira. – balbuciou o homem.

- Mentira! Ferreira? É o sobrenome de minha melhor amiga! Se for gente boa que nem ela... ah, moço, já gostei de você! – e, inacreditavelmente, deu um abraço no carinha.

Os outros sujeitos da SET riram e o sisudo agente Ferreira desanuviou o semblante.

- Sargento Ferreira, trabalhar a essa hora da madrugada é horrível, né?... Tenente Ferreira, jure que você não vai me multar... – enquanto fazia graça, a garota espertamente ia aumentando a patente do cara.

- Capitão Ferreira, se eu fugir com meu carro agora, você finge que não vê?

Enquanto todo mundo ria, inclusive o agente Ferreira, eu notava que ninguém fichava a garota na tal mesa branca. Só via a minha ficha, a da senhora, a da revoltada e a de Tarso sendo preenchidas.

- Major Ferreira, não me dê multa não! Eu tô querendo casar e preciso economizar dinheiro. Só não achei o noivo ainda...

Parecia stand up comedy no meio da rua às 4 da matina.

- ... e olha que nessa festa de hoje eu procurei, viu!

Maldita, pensei. Mas, também, não ia pegar bem eu abraçando o agente Ferreira naquele fim de madrugada.

- Coronel Ferreira, você me consegue uma folha de papel e caneta? – perguntou a candidata a comediante.

Com o que havia pedido em mãos, a garota começou a escrever e a ler sua obra em voz alta:

- Pro-me-to nun-ca mais be-ber e di-ri-gir. Pro-me-to nun-ca mais be-ber e di-ri-gir. Pro-me-to nun-ca mais be-ber e di-ri-gir. Se eu escrever mil vezes essa frase aqui no papel, você me libera da multa, General Ferreira?

Após algum tempo, para me tirar dali, chegou Livinha, minha irmã. Veio sorrateiramente por trás de mim e cochichou:

- Tenho 100 dólares aqui na carteira. Quer tentar?

Daria uns 5 dólares pra cada agente. Mas, pelo que eu percebi, a moeda da noite não era cifrada. Agradeci a oferta e já ia perguntar a Livinha se ela sabia sapatear, fazer mímica ou algum número de mágica. Só que, naquele fatídico resquício de noite, junto com minha habilitação, meu humor também tinha ido para as cucuias.

sexta-feira, agosto 21, 2009

Viagem ao Chile – capítulo I: a primeira diarréia da história que deixou alguém nas nuvens.

Recentemente, passei uma semana fantástica no Chile. Fui com meu irmão, Nadja, a mulher dele, e meus sobrinhos. Nosso destino na terra de Pinochet era Portillo, um lugar inóspito com um hotel-estação de esqui no meio dos Andes. Uma semana de muita neve, diversão em família e algumas histórias interessantes.

Bom, ainda em solo baiano e em tempos de amendoins e barrinhas de cereais a bordo, resolvemos almoçar no aeroporto antes do embarque para São Paulo. No meio daquela confusão de “eu quero Bob´s”, “eu quero Subway” e sucessivas olhadas no relógio, sentamos todos para comer. Diante de um cheeseburger duplo brilhando de gordura e batatas fritas suando óleo saturado, lembrei de uma fatídica história que vivi dentro de um avião e resolvi compartilhá-la com os presentes:

- Já contei pra vocês o perrengue que eu passei uma vez com dor de barriga no avião?

Disseram que não e eu continuei. Como vocês também não devem ter ouvido, contarei aqui. Qualquer semelhança com o texto apócrifo de Luis Fernando Veríssimo é mera coincidência.

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Bom, a história é mais ou menos assim: eu estava indo para São Paulo. O vôo era umas 19 horas e eu estava completamente atrasado, preso no trânsito caótico da Avenida Paralela. A certeza de que iria perder o avião resultou numa certa descarga de adrenalina. E creio que foi ela que acabou provocando o piriri.

Quando eu cheguei na fila do check-in, começou, digamos assim, o desconforto intestinal. Mas eu estava atrasado demais, preocupado em perder o avião e acabei subestimando aquele que parecia ser um parto prematuro. Respirei fundo e tratei de despachar minha bagagem, ainda que a vontade fosse de despachar outra coisa. A mulher do guichê me deu um conselho: “corra”. Eu não sabia se ria ou pedia a ela uma fralda.

Corri. Se bem que não sei se posso chamar aquilo de corrida. Passos rápidos e curtos, pernas juntas, o corpo todo contraído. Quem viu aquela cena e o meu semblante de extrema concentração, no mínimo deve ter achado que eu era um ex-paralítico dando seus primeiros passos. Nunca havia percebido como o corredor que leva aos portões de embarque do nosso aeroporto era tão longo.

Quando eu achei que não ia conseguir segurar o tranco e sem a perspectiva de um banheiro próximo - ainda que ele me custasse o embarque -, eis que o milagre do intervalo entre as contrações aliviou meu calvário. Essa trégua que as tripas em guerra costumam dar é, sem dúvida, coisa de Deus. É como se Ele dissesse: “Filho Meu, eis alguns sagrados segundos para que procurai a dignidade de um vaso sanitário”. Pude descolar as pernas uma da outra e corri sem medo. Em pé, a aeromoça me aguardava para fechar a porta do avião. Ao entrar na aeronave, os outros passageiros, já sentados e de cintos afivelados, me fuzilavam com os olhos. Pensei que podia ser pior: eu podia ter enfrentado essa situação com a cueca condenada.

Mal sentei na cadeira e o avião começou a taxiar na pista. Eu me sentia bem, sabia que logo após a decolagem poderia ir ao banheiro e voltaria a ser outra vez um homem feliz. Ainda me regozijava deste pensamento quando uma terrível pontada na barriga interrompeu a paz. A coisa foi tão violenta que dei graças a Deus por ainda não ter colocado o cinto. Levantei e saí como um louco pelo corredor em direção ao banheiro. Segurando a máscara de oxigênio, a aeromoça interrompeu as instruções de segurança e disse:

- Senhor, por favor, volte para o seu lugar!

Driblei ela e respondi sem olhar para trás:

- Não dá.

Tranquei a porta. Agora era eu, o cubículo e aquele vaso sanitário estranho. O avião continuava a andar lentamente. Imaginei: “ainda tem pista. Eu já estou quase me vendo livre de todo o mal que me aflige e poderei voltar pro meu lugar antes de decolarmos”. Tal qual um rei no seu trono, ouvi o piloto no alto-falante:

- Tripulação: portas em automático.

“Ok, comandante. Eu não estava pensando em fugir do avião mesmo. Vai dar tempo, vai dar. Ê pista longa da peste...”, comemorei. Quando imaginei que a torneira havia fechado, um calafrio anunciou: a dor de barriga não tinha chegado ao fim. Relaxei e deixei a natureza agir. Até diarréia obedece seu ciclo, há de se respeitar.

- Tripulação: preparar para a decolagem. – o piloto me provou que a pista não era tão longa quanto eu pensava.

O barulho do motor foi aumentando e o avião começou a ganhar velocidade. A fuselagem chacoalhava toda. As luzes do banheiro piscavam, um monte de barulhos estranhos não ligados ao meu evento fisiológico tomavam conta do minúsculo ambiente. Me segurei nas paredes, a tampa do vaso chicoteava minhas costas. E, pra piorar a situação, eu não conseguia terminar o trabalho.

Foi então que vivi uma sensação inusitada: o avião decolou comigo em pleno ato. O vaso inclinou pro lado, eu inclinei junto, precisei de mais força contra a parede para conseguir me manter sentado. Me perguntei se eu havia feito algo de errado naqueles tempos - aquilo só podia ser castigo. Descobri que a parte mais frágil de uma aeronave é o banheiro e que a gente deve sempre respeitar quando as luzes de afivelar os cintos estiverem acesas.

Como o balanço só aumentava, cheguei a cogitar a hipótese do avião estar com algum problema. Realmente, só faltava aquele negócio cair comigo no banheiro. Imaginei a grande interrogação que os peritos teriam pela frente ao encontrar o corpo de um passageiro com a calça arriada. Alguém lançaria uma piada de mau gosto: “esse quando viu que ia morrer se cagou todo”.

O fax foi passado. A inclinação do vaso diminuiu. A turbulência melhorou. O avião não caiu. Não sei por que, mas, ao fim do processo, senti uma ponta de orgulho de mim mesmo. Talvez eu tenha sido um pioneiro. Jamais ouvi falar de alguém que tenha feito isso antes. Abandonei aquele casulo e voltei triunfante ao meu assento. O avião ainda estava em processo de subida e era como se eu estivesse descendo uma ladeira no corredor. Tomei outra bronca da aeromoça que fez questão de mostrar o aviso de cintos afivelados aceso. Sugeri a ela que a companhia instalasse cintos de segurança nos vasos ou então, junto com os saquinhos de vômito, distribuíssem também penicos descartáveis.

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História contada e diante de tantas lembranças sobre coisas que eu não gostaria de passar novamente, não tive coragem de terminar o sanduíche do Bob´s, muito menos a batata frita preparada com o óleo que presumo estar sendo usado desde que o 14 Bis inaugurou a navegação nos céus.

Nosso vôo foi anunciado pelo alto-falante e partimos para o embarque. O avião estava lotado, não havia um assento vago sequer. Acomodamos as bagagens de mão e sentamos. Algum tempo depois, vimos a aeromoça olhando para um lugar vazio logo na frente da aeronave. Ela perguntou em voz alta:

- Tem alguém aqui?

Bia, minha sobrinha, levantou da cadeira e gritou:

- Meu pai!

Um homem que estava no assento ao lado do de meu irmão falou:

- Eu o vi andando em direção à porta do avião falando no celular. Acho que ele saiu.

Bia gritou assustada para a aeromoça:

- Meu pai tá lá fora!

Quando a aeromoça foi andando em direção ao finger, eis que Dudu abre a porta do banheiro e surge diante de todos que, àquela altura, acompanhavam apreensivos o desfecho da história do cara que teria saído do avião para falar no celular. Todos os olhares se voltaram então para meu irmão, sem graça, saindo de dentro do reservado. Para quebrar aquele clima tenso, puxei uma sonora salva de palmas. Meus sobrinhos me acompanharam e alguns gaiatos também.

Completamente ruborizado, ele tratou de sentar rápido no seu assento. Desembarcando em São Paulo, ele virou pra mim e revelou:

- Acho que aquela sua história mexeu com meu intestino...

* O objetivo era escrever as melhores histórias da viagem em apenas um post. Porém, acho que não sou um sujeito dos mais objetivos. Portanto, dividirei os casos em capítulos. Nos vemos no próximo.

domingo, agosto 02, 2009

Good luck, Mr Gorsky.

Sinceramente, não acredito que o homem pisou na lua. Não, não é absurda essa minha conclusão. Não sou – com o perdão do trocadilho – um lunático. Pense comigo. Em plena guerra fria, duas potências lutavam para ver quem é que mandava no mundo: União Soviética e Estados Unidos. Detentores de uma quantidade de armas nucleares acima do razoável, eles simplesmente não podiam se enfrentar belicamente senão o mundo acabava. Então, os dois países disputavam a supremacia mundial no esporte, nas artes e, sobretudo, na ciência.

A corrida espacial tornou-se obsessão destes arquiinimigos. Primeiro, trabalharam duro pra ver quem colocava o primeiro satélite artificial na órbita da Terra. Ponto para os soviéticos que lançaram o Sputnik. O próximo desafio era ver quem colocava o primeiro animal de estrutura complexa no espaço. 2 x 0 para os soviéticos que fizeram Laika entrar para a história, ainda que a pobre cadela só tenha ganhado a passagem de ida. Na ordem da mega-gincana que esses caras resolveram disputar, o passo seguinte era colocar o primeiro homem no espaço. Adivinha quem ganhou? Os soviéticos fizeram Yuri Gagarin dar um giro completo em torno de nosso planeta e ainda voltar pra contar que “a Terra é azul”.

Os americanos não paravam de levar chumbo dos soviéticos. Os tais comunistas estavam tomando conta do espaço e deixando os yankees lá embaixo. Literalmente. Então, os caras que hoje vivem correndo atrás dos terroristas, tinham que correr atrás do prejuízo. Precisavam de um feito espetacular, algo realmente fabuloso que pusesse fim à disputa e que derrotasse de vez a União Soviética. Sobrou pra lua.

Agora, diz uma coisa: você acredita mesmo que em 1969, há exatos 40 anos, quando os computadores ainda eram pré-históricos, o homem foi capaz de chegar na lua, fazer um complexo pouso em sua superfície, andar em sono lunar, fincar bandeira e depois ainda conseguir decolar de lá e voltar são e salvo pra Terra? Fala sério, claro que isso não aconteceu! Outro dia li que qualquer calculadora dessas que o povo vende em sinaleira é duas vezes mais potente que o computador de bordo da Apolo 11.

Fraude. Foi tudo uma fraude que os espertinhos dos americanos habilmente montaram para se safar dessa dispendiosa disputa que estava quase comprometendo a economia do país e mesmo assim não conseguiam arrancar uma vitória sequer dos russos. Cadê essa tal bandeira que os caras largaram lá? Ninguém nunca viu.

Enfim. Existe uma teoria (www.afraudedoseculo.com.br) que afirma que a Apollo 11 apenas deu algumas voltas em torno da Terra para enganar a galera e depois entrou de novo na atmosfera. Todo o resto foi produzido em estúdios de cinema e dirigido por ninguém menos que Stanley Kubrick. Esse foi o último capítulo da corrida espacial e consolidou os Estados Unidos como grande potência científica mundial, lugar que ocupa até hoje. A armação do Presidente Nixon faz todo o sentido quando ela é vista como meio para alcançar uma vitória definitiva do capitalismo contra o comunismo.

Mas, não escrevi esse post para entrar no mérito se, além de imperialistas, invasores de países alheios, aculturados e ladrões de petróleo, os americanos também seriam mentirosos. Quero contar para vocês a história do grande mistério em torno de uma frase que Armstrong, o suposto primeiro homem a pisar na lua, teria dito. Por causa dos 40 anos desta conquista, esse caso anda rondando meu e-mail direto. Eu já tinha ouvido ele numa rodinha de cachaça e me arrepiei quando contaram.

Vamos lá. Reza a lenda que em 20 de junho de 1969, às 20:17 horário mundial, após tocar os pés no solo lunar e escrever seu nome na história com a célebre frase “um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade”, logo na sequência, Neil Armstrong teria proferido uma outra frase, bastante enigmática, que não estava no script e que não fazia sentido algum para a base de Houston, muito menos para os milhões de telespectadores que assistiam ao vivo o grande feito:

- [chiado de rádio] ... good luck, Mr Gorsky. (boa sorte, senhor Gorsky)

Ao retornarem à Terra, durante a coletiva de imprensa, perguntaram a Armstrong o que ele queria dizer com a misteriosa colocação. O astronauta respondeu com um silencioso sorriso. Logo de início, especulou-se que se tratava de um recado irônico, uma espécie de provocação a algum cosmonauta soviético. Mas, após checarem, verificaram que nunca houve um Gorsky no programa espacial russo. Ao longo de décadas, essa pergunta era sempre recorrente durante as entrevistas a Armstrong. Ele sempre sorria, mas nunca respondia.

Até que em 5 de junho de 1995, ao final de uma conferência da qual participava em Tampa, na Flórida, Armstrong foi mais uma vez indagado sobre a fatídica frase por um jornalista. Dessa vez, finalmente, o desbravador da lua aceitou responder:

- Aos 10 anos de idade, numa certa manhã de verão na minha cidade natal, eu estava jogando baseball com alguns amigos quando a bola caiu no quintal do vizinho. Era a casa do senhor e da senhora Gorsky. Ao pular a cerca que dava acesso ao jardim do casal, pude ouvir a senhora Gorsky falando alto: “não! De jeito nenhum! Não!”. Levado pelo espírito curioso que costumam ter as crianças, aproximei o ouvido da janela e ouvi o senhor Gorsky insistir: “por favor, amor. Só dessa vez”. A senhora Gorsky continuava irredutível: “nem pensar. Eu não vou fazer e pronto!”. O senhor Gorsky era um homem persistente e não se dava por vencido: “meu benzinho, eu nunca te peço nada...”. Foi quando a senhora Gorsky setenciou: “Bill, quer saber quando eu vou fazer sexo anal com você? No dia em que o filho do vizinho caminhar na lua”.

Moral da história: tem vizinho que nasceu pra ferrar com a vida da gente.

domingo, julho 19, 2009

O dia em que Michael Jackson me colocou pra dormir no sofá. (E eu nem tive a chance de processá-lo).

Maldito seja quem inventou esse negócio de fantasma. Não foi Deus, tenho certeza. Deus inventou o paraíso e o inferno, administra com mão de ferro o primeiro e deixou o capeta tomando conta do segundo. Se a gente morre e vai ou para um lugar ou para o outro, por que tem espírito de porco que ainda fica por aqui bestando? Vai tocar harpa lá em cima ou tocar fogo lá embaixo! Só me deixem dormir em paz.

Lá na agência, a nova mania é ficar pesquisando no Youtube vídeos de eventos paranormais, como o fenômeno poltersgeist, materializações de objetos, aparições de fantasmas e afins. As meninas de lá ficam apavoradas, os caras dão risada, fazem piada, gozam das colegas. Mas duvido que quando chegam em casa e colocam a cabeça no travesseiro, não ficam no pânico, enrolados no lençol, observando e torcendo para que um vulto ectoplasmático não passe na frente da cama. Eu assumo, tenho medo desses desencarnados desocupados.

Repare: quando há muito movimento na casa, pessoas circulando, nada de anormal acontece. Imagino que se surgisse uma aparição diante de um grande grupo, todo mundo se abraçaria, as pernas tremeriam um pouco, mas o medo iria embora. Só que fantasma é raça-ruim, ele espera um pobre-coitado qualquer ficar sozinho para fazer barulhos estranhos pela casa, entortar quadros, fazer cachorros latirem, bater portas.

E foi mais ou menos o que aconteceu comigo. Tem umas duas semanas ou mais que minha mãe foi pra São Paulo visitar minhas irmãs e eu estou sozinho em casa. Tudo bem, é legal porque rola festinha aqui até altas horas, mas na hora de dormir há uma certa apreensão. Mas, já pesquisei um monte de coisas sobre fantasmas e sei que eles não se dão bem com fontes de luz (por isso que a maioria das aparições que a gente vê no Youtube é captada no modo “nightvision” de câmera).

Eram quase 3 da manhã e eu, sem sono, resolvi procurar um vídeo na internet do suposto fantasma de Michael Jackson em Neverland, seu estimado e célebre rancho. Como nada hoje está tão em voga na grande rede quanto esse episódio fúnebre que fez sumir do dia pra noite o rei do pop e salvou a pele de Sarney, não tive dificuldade em encontrar o link. Cliquei, esperei o vídeo carregar e... “meu Deus! É o fantasma de Michael ali atrás, passando pelo corredor. Incrível...”

Enquanto um calafrio percorria minha espinha, pensei comigo: esse cara foi tão excêntrico em vida, tão esquisito, que até justifica ter virado fantasma. Inclusive porque, desde thriller que ele já treinava pra isso. E até que apareceu como um fantasma comum, nem parecia Michael Jackson, nem estava de luva prata em uma das mãos ou mesmo fez o fabuloso moonwalker. Mas, pra você ver como é um super-astro: mal bateu as botas e já deu um jeito de aparecer na mídia de novo.

Enquanto eu via, revia e via de novo o vídeo, cada vez mais surpreso, eis que o inesperado acontece: faltou energia. Puf! Apagou o computador, apagaram-se as luzes, o silêncio e o breu absoluto tomaram conta da casa. Gelei e todos os meus fios de cabelo arrepiaram-se. É Michael... pensei. Tanta gente importante pra esse cara aparecer e ele resolve aparecer logo em minha casa.

Tateei a mesa do computador e consegui encontrar meu celular. Liguei o flash da câmera. Imaginei que se houvesse algum fantasma materializando-se, ele iria sumir com a luz forte. “Pra que eu fui ficar acordado até essa hora?”, me lamentei. Eu estava ali sozinho, movimentando rapidamente um celular para todos os lados do cômodo numa espécie de esgrima e lembrando da regra do sobrenatural que diz que os fantasmas só aparecem quando estamos sozinhos. Pensando nisso, chamei os dois gatos que moram aqui. (Eu sei que foi uma solução ridícula, mas tenho certeza que, no desespero, você faria o mesmo). Eles vieram, peguei os dois no colo, um em cada braço e saí andando lentamente pela casa, equilibrando os gatos e o celular.

Pronto. Agora eu tinha uma fonte de luz e já não estava mais sozinho. Porém, eu não tinha coragem de ir para o meu quarto. Já tive provas que o corredor daqui é mal-assombrado, mais de uma vez aconteceu da luz dele acender sozinha e, do jeito que o mundo anda estranho, era capaz disso acontecer até sem energia. Fiquei parado no meio da sala segurando os gatos que, àquela altura, me arranhavam tentando voltar pro chão. O celular iluminava o teto.

Por um instante, passou pela minha cabeça a idéia de ir para o playground do prédio. Mas, logo lembrei que o elevador estava parado e só um louco pegaria a escada naquela escuridão. Se o caçula dos Jacksons Five estava em meu ap, na escada eu corria o risco de topar com Elvis e Dercy Gonçalves fazendo alguma sacanagem. Então, resolvi que ia dormir ali mesmo, no meio da sala.

Tinham três sofás para eu escolher. Um era de dois lugares e eu só caberia se encolhesse bastante as pernas. O segundo tinha almofadas muito altas, do tipo que a gente afunda e mói a coluna. Ah, o terceiro sim era retinho e espaçoso. Mas quando fui caminhando até ele, vi na sua cabeceira dois porta-retratos: um com meu bisavô, outro com minha bisavó. E, naquele momento, tudo o que eu menos precisava era da ajuda da família. Corri pro sofá que afunda.

Tirei o máximo de almofadas que pude, deixei uma delas para servir de travesseiro. Acomodei o celular em cima de uma bancada com a luz acesa – quanto tempo ainda duraria aquela bateria? Segurei os dois gatos no sofá e fiquei deitado, o corpo imóvel. O cachorro da casa vizinha latia sem parar e todo mundo sabe que cachorro vê fantasma. O vento balançava os toldos da varanda com mais força que o de costume. Insistentes, os gatos miavam querendo sair e eu ganhava novos e ardidos arranhões. Percebi que o resquício de noite seria longo.

Foi então que eu acordei suando em bicas com o sol bronzeando meu rosto às 6 da matina. Nada de gato por perto, o celular com a bateria esgotada. Nada de fantasma. Sobrevivi. Michael tinha ido embora, possivelmente partiu para o Japão, onde a noite começava e outro infeliz sofreria com a sua falta do que fazer pós-morte. Fui para o meu quarto e, dando muito valor a uma cama, dei prosseguimento ao meu sono que teve que ser cumprido em doses homeopáticas aquela noite.

Tenho tantas histórias misteriosas que aconteceram comigo que dariam para escrever Ghost, do Outro Lado da Vida – parte 2. Não sei dizer se sou médium ou sou apenas sugestionável. Só sei que sou assim. Mas, hoje, só vou escrever essa história mesmo. Melhor não arriscar. Vai que falta luz de novo?

Descanse em paz, Michael. Mas colabore: deixe eu descansar também.

quinta-feira, junho 25, 2009

Histórias que ecoam no hospício.

Bruno-maluco é um daqueles caras que você acha que só existem em histórias contadas em mesas de bar. Se sua inteligência tivesse trabalhado em prol da ciência, ele seria do tipo que ganharia um Nobel. Mas não era o caso. Bruno-maluco - como o nome já prevê - surpreendia pelas loucuras que inventava e protagonizava.

O conheci quando estudava no Anchieta. O Anchieta, para quem não conhece, é considerado o colégio mais puxado de Salvador. Em minha época, era o que mais aprovava no vestibular. 99,99% dos seus alunos buscavam estudar direito ou medicina. Eu fazia parte deste último time. Mas, lá pras tantas, resolvi que meu negócio era publicidade e passei pro grupo do 0,01% da escola.

Imagine um colégio onde não se falava em outra coisa a não ser as provas de sábado, concorrência, possíveis questões da UFBA, simulados. Enquanto em outras escolas a galera filava aula para jogar bola, durante o intervalo do Anchieta a máxima diversão dos alunos eram aprazíveis partidas de xadrez. Lembro de ter conhecido apartamentos de colegas meus que vinham do interior e que só tinham a cama e uma mesa para estudar – nada de televisão. Não por falta de recursos, mas sim por uma questão de foco. Esses caras chegavam a estudar mais de 8 horas por dia. Tinham vindo para cá com um único objetivo: vencer.

No meu colégio anterior, o São Paulo, eu fazia parte da aclamada equipe de demolição. Toda semana minha mãe estava na sala do S.O.E. Eu já tinha explodido um orelhão, colocado Vick Vaporub no ar condicionado, derrubado o ventilador de teto com um apagador de giz, posto um colega para cheirar um vapor tóxico de uma mistura que consegui no laboratório dizendo que eu tinha achado a fórmula do Azzaro e sempre era convidado a me retirar da sala por motivo de conversa. Agora, me via ali, num lugar onde nem a galera do fundão existia. Num lugar onde a minha espetacular habilidade de dobradura de aviõezinhos de papel não era reconhecida. Num lugar onde não eram os professores que faziam “shhh!!” quando alguém conversava: eram os alunos.

Bom, eu só abri esse parêntese para dar uma noção de como Bruno-maluco destoava naquele garantido portão de entrada para as melhores faculdades. Quando comecei a aceitar a terrível idéia de que aqueles seriam os anos mais chatos da minha juventude, eis que conheci o protagonista desse post e viramos grandes amigos.

Um belo dia, na primeira aula, 7 e pouca da manhã, eu aplacado por aquele sono incontrolável e o professor de literatura resolveu recitar Camões. Meus colegas vibravam como se estivessem diante de Durval Lelys numa Trivela em Arraial d’Ajuda. Foi então que o dia foi salvo: através de um forte estrondo que me fez despertar, a porta abriu com força e um carinha caiu dentro da sala, de costas, aos pés do professor. Era o então desconhecido Bruno-maluco. Diante daquela quebra de rotina, só eu ri. Os outros alunos o repreendiam veementemente. Ele se levantou, limpou a poeira do uniforme e disse:

- Bom dia, pessoal. Desculpem. É que eu estava passando diante desta sala e um colega irresponsável me empurrou aqui pra dentro. Peço desculpas a vocês e ao senhor, professor. Boa aula a todos.

Bateu a porta e saiu. Camões recomeçou para delírio dos alunos e eu fui ao banheiro lavar o rosto e tentar terminar de acordar. Ao passar pelo corredor, encontrei Bruno-maluco diante da porta de outra sala. Sem nos conhecermos, ele me perguntou:

- Fera, tem como você me dar um empurrão forte aqui?

Assenti com a cabeça e, com os dois braços e o peso do meu corpo, empurrei ele com violência para dentro da sala. O barulho da porta escancarando-se e o grito histérico de uma menina que sentava na primeira fila interromperam a aula. Ainda consegui ouvir:

- Bom dia, pessoal. Desculpem. É que eu estava passando diante desta sala e um colega irresponsável me empurrou aqui pra dentro. Peço desculpas a vocês e ao senhor, professor. Boa aula a todos.

Adivinhe quem passou a ser o tal colega irresponsável durante toda aquela manhã?

Amizade selada, começamos a sair juntos. Uma vez, estávamos na lavagem de Iemanjá no Rio Vermelho, aquela multidão, um monte de baianas com balaios enormes na cabeça, pescadores e populares carregando oferendas. Andávamos com dificuldade pela turba aglomerada. Do nada, Bruno começou a gritar enquanto movimentava os braços:

- Abre! Abre! Abre!

O povo foi se apertando uns contra os outros e abriram um pequeno corredor. Bruno não se contentou e continuou gritando alto:

- Abre mais! Abre mais!

Quem conhece essas festas de rua já sabe: quando “pedem pra abrir” ou é porque alguém está passando mal, ou é gente carregando gelo, ou é a polícia de choque. Depois de muitos empurrões e balaios caídos, conseguiram abrir uma roda. Todos olhavam pra ver o que iria passar por ali. Então, Bruno tomou impulso pra trás, veio correndo, lançou o corpo numa pirueta com a mão no chão, uma estrela muito mal dada, e caiu de pé com os braços levantados, buscando o aplauso dos espectadores. Quando eu vi a cara dos negões e baianas que carregavam os tachos, me embrenhei na multidão e me perdi do aspirante a defunto. Sei que ele sobreviveu pois depois me ligou:

- Cara, tava muito cheio lá no Rio Vermelho, não foi? Próxima vez a gente tem que tomar mais cuidado para não se perder.

Bruno-maluco não era lá uma beldade, mas sua cara-de-pau o fazia abordar qualquer mulher e elas sempre riam muito com ele. Até as que não costumam dar muito papo acabavam abrindo a guarda. Uma vez, estávamos os dois num barzinho e eu comentei sobre as belas garotas da mesa ao lado. Ele olhou para a tal mesa com umas 6 meninas e disse:

- Preste atenção no que eu vou fazer...

Uma abordagem dentro dos padrões é que não seria. Imediatamente, ele se levantou, andou em direção à mesa, chegou por trás de uma garota e tampou os olhos dela com as duas mãos.

- Adivinha quem é? – disse o louco, enquanto sorria para as outras meninas da mesa, buscando cumplicidade, fingindo que era amigo da garota.

- Léo?

- Não... – ele respondia com uma voz carinhosa.

- Nando?!

- Não...

- Rick?

- Também não...

- Lula?

- Não... - e descortinou os olhos da menina que virou-se para trás e, ao vê-lo, franziu a testa como se não o conhecesse.

Com uma bela interpretação, Bruno deu um pulo pra trás, levou a mão à boca e disse:

- Perdão! Mil perdões! Eu achei que você fosse Raquel, uma amiga minha. Como estou envergonhado...!

As garotas explodiram em riso. Daí, para passarmos para a mesa delas foi um tapa.

Noutra feita, nesse mesmo bar, ele aprontou de novo. Dessa vez, sem me avisar. Tinham duas meninas sozinhas numa mesa. Quando chegamos, ao passarmos por elas, Bruno as olhou e disse alto, com os braços abertos para a dupla:

- Pedro, olha quem tá aqui! Sabe quem é, não sabe?!

Diante das duas meninas nos olhando, busquei lembrar se eram do Anchieta. Não consegui chegar a nenhuma conclusão. Respondi sem graça:

- Não...

Ele disse tranquilamente na cara das meninas:

- Eu também não! Mas vamos conhecer nos próximos 5 segundos... prazer, meu nome é Bruno, esse aqui é Pedro...

E, mais uma vez, na base da maluquice, não terminamos a noite no 0x0.

Mas, tinha vezes que Bruno-maluco se passava. Ele resolvia dar umas cantadas “espanta-mulheres” que me davam medo de apanhar. Por exemplo: estávamos caminhando numa praça e passamos por uma garota andando com seu cachorrinho. Ele abaixou-se diante da menina, carinhosamente passou a mão no animal e perguntou:

- Morde?

- Não. – Ela respondeu sorrindo.

Então ele olhou pra garota e perguntou:

- E o cachorro?

A menina xingou tanto a gente que aquele dia eu aprendi uns 4 palavrões novos.

Outra vez, a gente passando de carro pela rua, eu estava dirigindo e de repente Bruno começou a gritar com o braço pra fora da janela:

- Pára aqui no ponto de ônibus! Pára aqui no ponto!

Eu encostei. Por um momento, achei que ele estivesse passando mal. Então, diante de um monte de gente embaixo da marquise esperando o ônibus, o sujeito mira uma menina com um caderno embaixo do braço e fala enquanto fazia cara de pura sedução:

- Gatinha... você está no ponto.

Ao ouvir a asneira, arranquei com o carro de lá. Ainda vi pelo retrovisor a menina mostrando o dedo do meio pra gente. Bruno reagia com naturalidade:

- Viu a carinha dela? A danada gostou.

E teve também o caso do estacionamento do shopping. Eu estava manobrando em uma vaga quando Bruno abriu a porta do carro e saiu correndo em direção a uma BMW. Fechei a porta que ele deixou aberta e me aproximei da cena. Tratava-se de uma linda garota no carrão. Meu amigo pedia insistentemente que ela abaixasse o vidro. Receosa, ela abaixou e ele, com os braços cruzados para dentro da janela, dizia:

- Você não vai acreditar... mas eu sonhei com você hoje. Eu não estou brincando, eu não sou de brincar assim...

A menina, assustada, pedia licença e tentava fechar o vidro. Bruno impedia a janela de subir, pendurado na porta, com os dois pés fora do chão buscando ajuda da gravidade. A garota tentou arrancar com o carro. Então, meu amigo se jogou de cabeça pela janela e ficou com as pernas pra cima, do lado de fora. Assombrada, a motorista abriu a porta e saiu correndo do seu BMW deixando Bruno se debatendo de cabeça pra baixo e chutando o ar. Fui ajudá-lo e sugeri que saíssemos rápido dali já que havia começado a juntar gente ao redor. Entrando no shopping, o sujeito só se limitou a dizer:

- Dessa vez não deu...

Muitas vezes, infelizmente, a vida se encarrega de separar grandes amigos. Um vai fazer faculdade disto, o outro daquilo, um resolve morar fora por uns tempos, o outro engata um namoro longo. E os caminhos distanciam-se. A última vez que o encontrei tem uns 4 anos. Foi dentro do Ferry Boat, a caminho da ilha. Ele estava correndo de um lado ao outro do barco com as mãos pra cima carregando um cachorro Pug. Celebramos aquela clássica festa de dois amigos que não se reencontram há muito tempo. Depois de saber brevemente das novidades, perguntei curioso:

- Que cachorro é esse, Brunão?

Antes que ele pudesse responder, um casal apressadamente surgiu esgueirando-se entre os carros e, ofegantes, gritavam ainda de longe:

- Por favor! Devolva o nosso cachorro...!

sexta-feira, junho 05, 2009

O deputado higiênico.

Além de atender clientes privados, na nossa agência de publicidade também fazemos marketing político. O trabalho vai desde a criação de campanhas eleitorais até a comunicação de governo propriamente dita, já com o político eleito. Apesar de hoje em dia a palavra “político” causar arrepio na maioria das pessoas, existem caras corretos, bons de se trabalhar, pessoas realmente empenhadas em fazer um trabalho sério e mudar esse triste cenário de falta de responsabilidade com o dinheiro público e os anseios do povo.

Mas, um dos desafios que a gente imediatamente encontra quando um político nos contrata é que ele vê em toda e qualquer pessoa um eleitor. Isso significa que um dos diagnósticos mais importantes que precisamos ter em mãos, que são suas fraquezas e dificuldades diante do cenário político em que se insere, jamais é confessado facilmente por ele. Esse é um dos motivos que faz da pesquisa a melhor amiga de quem faz marketing político.

E foi num desses dias de campanha iniciada antes mesmo do período eleitoral que aconteceu esse caso. A gente tinha acabado de mudar a sede da agência para um novo lugar e a sala estava um pandemônio: reforma acontecendo, caixas de mudança pelo chão, banheiros desmontados, lâmpadas penduradas. Foi então que um deputado estadual que queria tentar a reeleição nos telefonou:

- [voz impostada] Alô, Pedro? Boa tarde. É aí que vocês fazem homem feio ficar bonito? Vi o que fizeram com a foto de campanha do deputado Fulano de Tal, também quero remoçar uns 15 anos e acender meus belos olhos azuis. Temos que agradar o eleitorado feminino, não é verdade?

Certos políticos carregam consigo uma pitada de bom humor que os deixa bastante agradáveis. Isso é ponto positivo. Respondi no mesmo clima:

- Pois é, Deputado... fazemos umas cirurgias aqui que não doem nem no bolso.

- Isso é importante. Como eu já vim bonito de fábrica, sei que vocês vão me dar um bom desconto. Posso passar aí rapidinho na agência de vocês?

- Deputado, eu prefiro encontrar o senhor em algum outro lugar. Não poderia ser na Assembléia Legislativa amanhã pela manhã? – perguntei enquanto olhava o caos estabelecido pela mudança que ainda acontecia.

- É que eu estou passando aqui na rua de vocês, é coisa rápida. – ele respondeu.

- Vamos deixar para amanhã? É que a gente acabou de se mudar e aqui está uma bagunça terrível. – eu insisti.

- Eu sei como são essas coisas. Mas não tem problema. Já me sinto de casa, nem vou reparar. – ele insistiu.

Não houve outro jeito senão assentir com a ilustre visita. Desliguei o telefone e então comuniquei a Danilo, meu sócio, a iminente chegada do deputado à Boanova. Ele não assimilou bem a notícia:

- Tá louco? Como é que vamos receber o deputado nesse pardieiro? Liga de volta e diz que a gente passa no gabinete dele amanhã.

- Foi o que eu tentei argumentar. Mas o cara foi inflexível, disse que já está aqui na rua. – respondi.

- Aqui na rua?! – perguntou Danilo ao tempo em que, no desespero, iniciava uma tentativa de maquiar a bagunça generalizada.

O corre-corre foi grande e foi em vão. Não dava tempo de melhorar o cenário de guerra. Parecia que um furacão tinha passado por lá, seguido de um terremoto e do Tazmania.

- Rapaz... e o banheiro? – lembrou Danilo com um semblante de espanto.

- Xi...! Tá sem sabonete, sem papel-toalha... – dei-me conta.

- Agora é rezar pro cara não querer ir ao banheiro. – concluiu Danilo.

Tocou o meu ramal. Anunciaram que o deputado já estava nos aguardando na recepção. Pedi que o deixassem entrar.

Foi então que o parlamentar, seguido de um séquito de assessores engravatados, entrou em nossa sala. Alto, postura ereta, ar triunfante, seu corpo no terno tinha certas restrições de movimento. Pela sua aura de confiança, eu diria que o pré-candidato já estava eleito. Olhos fitados em Danilo, aproximou-se lentamente dele, a mão erguida, pronta para um cumprimento. Com um firme aperto de mãos, sem desviar os olhos de meu sócio, o deputado falou com certa solenidade:

- Vocês são bons. [pequena pausa na voz, mas não no olhar] Por isso estou aqui. – e só então terminou o cumprimento.

Outra característica de muitos desses nossos clientes é a facilidade que eles têm de inflar o seu ego. Isso requer muito cuidado. Caso contrário, depois de tantos elogios, você acaba fazendo o trabalho de graça – e ainda vota no cara.

- Obrigado, Deputado! Sentem-se, por favor. Vamos ficar devendo a vocês um cafezinho: como podem ver, ainda não nos instalamos direito. – disse Danilo. E continuou – No que podemos ajudar?

Sem perder a inclinação do rosto para cima e o olhar voltado para baixo, sinal clássico de austeridade, o deputado traçou um rápido panorama de sua situação política nos municípios baianos que compunham suas bases, descreveu brevemente algumas de suas realizações ao longo do primeiro mandato, não falou de suas fragilidades – o que a gente já esperava -, cobriu-se com um manto de nobres qualidades e, antes de falar de suas necessidades de campanha, interrompeu o seu discurso fora do palanque:

- Onde fica o banheiro?

Imediatamente, eu e Danilo cruzamos olhares. Depois de quase pedir que o deputado segurasse qualquer que fosse a sua necessidade fisiológica, falei:

- Deputado, saindo desta sala, vira à esquerda e depois é a primeira porta à direita.

Na ausência do parlamentar, os assessores, empolgados cabos-eleitorais, exaltavam as qualidades do seu candidato e faziam inúmeras perguntas a nós dois. Não consegui prestar atenção a absolutamente nada do que estava sendo dito. Só imaginava como o deputado estaria se virando dentro daquilo que ainda não passava de um projeto de banheiro.

Foi então que o inusitado aconteceu. Retornou o deputado à sala, com toda sua pose, seu andar de desfile de grife masculina, um olhar de estadista que mirava o horizonte e o rosto cheio de pequenas bolinhas de papel higiênico grudadas. Segurar o riso foi a maior prova de auto-controle que eu já imprimi a mim. Na falta do papel toalha, o pomposo senhor enxugou o rosto com o que havia disponível. Como também ainda não havia espelho, nosso cliente não teve a chance de ver o resultado da sua aventura no banheiro.

Ele sentou-se novamente diante de nós e continuou sua retórica. Jamais irei esquecer a cara de Danilo, misto de riso preso com tentativa de prestar atenção no que era dito. Os assessores, por sua vez, também não tiveram a iniciativa de comunicar ao deputado que ele parecia ter caído de cara na neve. Aliás, no Neve – salvo engano é a marca de papel higiênico oficial da Boanova.

Ao comentar empolgado um grande feito político seu, o deputado fez um gesto brusco com os braços que fez cair uma das bolinhas presas no seu rosto. O pequeno floco branco aterrissou em seu colo. O parlamentar, sem interromper sua bela fala, pegou a bolinha, friccionou-a com os dois dedos como quem dá forma a uma meleca e olhou para o teto buscando a origem daquela aparição. Deve ter pensado: “este lugar está realmente necessitando de uma reforma”.

Ao fim da reunião, marcada por um esforço sobre-humano de mantermos o foco nas explanações do deputado, nos comprometemos a enviar um orçamento ao seu gabinete. O elegante membro do legislativo baiano levantou-se da cadeira, nos cumprimentou cheio de papel higiênico na cara, voltou-se para as janelas que dão para a criação e, buscando vencer os vidros que o separavam dos nossos profissionais, disse gritando:

- OLÁ, PESSOAL! TUDO BOM COM VOCÊS?

O detalhe é que, por conta da reforma ainda não ter sido concluída, os vidros ainda não haviam sido colocados. Resultado: com o berro do deputado no pé do ouvido deles, todos se assustaram. E se assustaram ainda mais quando viraram para trás e viram um sujeito enfurnado num terno preto com a cara toda pinicada de papel higiênico acenando para eles.

- SÃO VOCÊS QUE VÃO FAZER NOSSA CAMPANHA, NÃO É? OS ARTISTAS! FICAM AÍ VIAJANDO E DEPOIS COMEÇAM A TER IDÉIAS MIRABOLANTES! PARABÉNS PELO TRABALHO, VIU? PARABÉNS! – o deputado continuou sua gritaria enquanto o pessoal da criação olhava atônito pra ele, sem entender quem era o louco.

Despediu-se de nós e saiu escoltado por seus assessores. Orgulhoso, disse que iria direto ao Palácio de Ondina encontrar o governador. Segurei a risada de novo. Será que dessa vez o pessoal do seu gabinete iria avisá-lo para que ele fosse poupado de constrangimento maior? Ou o deixariam passar algumas de suas bolinhas de papel para o rosto da primeira-dama quando o deputado a cumprimentasse? Mas, anotem aí: enxugar o rosto com o papel que limpa o bumbum às vésperas da campanha dá sorte, já virou simpatia. O deputado higiênico foi reeleito.

terça-feira, maio 12, 2009

Brevíssima vida e morte de um metrossexual e suas lamentáveis conseqüências.


Se uma pessoa em cada país tivesse metade da rebeldia que tem o meu cabelo, o mundo estaria perdido. O planeta, cheio de terroristas, viveria em constante guerra; batalhas seriam travadas a cada minuto. Assim como as batalhas que travo diariamente com o pente em punho.

Buscando acomodar os fios em fúria que habitam meu couro cabeludo, já tentei tudo quanto foi corte: “V.O.” ou o famoso “cuia”, bem curto, mullet ou pega-rapaz de Chitãozinho e Xororó, topete, moicano quando passei no vestibular e até mesmo cabelo comprido na fase adolescente-fã-do-Ramones. Vale ressaltar que esta última não foi a melhor das minhas idéias, fiquei a cara de Gal Costa.

O corte que mais me adaptei até hoje é o atual. Com ele, o cabelo fica meio grande, as pontas cacheiam um pouco e o peso dos fios acaba assentando a juba. É meio retrô, meio anos 70, mas é o único que não me faz sentir ridículo. Além do que, num particular dia de sorte, já assoviaram pra mim na rua e me chamaram de anjo barroco. Portanto, já está valendo. Esse é o corte.

Mas, certo dia, sem causa aparente, a cabeleira começou a ficar extremamente ressecada. Os fios pareciam não se entender, a textura ficou áspera, eu nunca conseguia penteá-los e comecei a temer que a alcunha de anjo barroco acabasse dando lugar mais uma vez à cantora da Tropicália. Procurei Rodriguez, o sujeito que corta meu cabelo. (Não pega bem chamar de cabeleireiro).

- Rodriguez, tô preocupado, meu cabelo tá uma palha. Dê uma olhada aí, por favor.

- É, Pedro, realmente... está bastante ressecado. Que xampu você está usando? – perguntou Rodriguez enquanto analisava minuciosamente os fios de arame em minha cabeça.

- Acho que é Pantene 2 em 1. – respondi, puxando pela memória.

- Então troque. Use um xampu e um condicionador. Caso não melhore você vai precisar fazer uma hidratação. – sentenciou Rodriguez.

- Hidratação? Tá doido? Vou ficar aqui no salão com uma touca na cabeça?

Rodriguez respondeu sorrindo:

- Relaxe, Pedro. Hoje em dia tem alguns produtos que a gente aplica no cabelo e só massageia. Daí lava e pronto. Não precisa colocar a touca.

- Tudo bem. Vou mudar o xampu e, se não der resultado, fazemos o que você disse. – respondi resignado.

Fiz exatamente o que Rodriguez mandou. Fui até uma farmácia e comecei a procurar na prateleira novos produtos que pudessem resolver meu problema. Dei prioridade aos frascos mais bonitos, com formatos diferenciados e mais caros. Que outro critério eu teria? Todos falavam de aloe vera, maciez, reparação intensa e profunda, toque aveludado e outros detalhes pouco masculinos do gênero.

Depois de tirar onda de boiola na fila do caixa com tanto cosmético na mão, voltei pra casa, tomei um banho e já substituí o antigo e pouco sofisticado 2 em 1 pelos novos e extorsivos produtos. Agora entendo porque mulher gasta tanto dinheiro. Tomara que Deus me dê uma esposa de cabelo bom. Aliás, ainda assim ela vai gastar tempo e dinheiro nos salões da vida, aposto.

Apesar de sentir uma grande diferença na própria textura do produto e também perceber meu cabelo bem mais liso durante o banho, quando saí do chuveiro e os fios secaram, a esponja de aço reapareceu em minha cabeça. Pensei: normal, deve melhorar daqui a uma semana usando tudo direitinho.

Uma semana se passou e nem sinal da maciez intensa. Duas semanas se passaram e nada do toque aveludado. O desespero me levou de volta ao salão de Rodriguez. Desta vez, com um boné na cabeça.

- Boa noite, Rodriguez tá aí? – perguntei no balcão.

- Ele não veio hoje, está adoentado. – respondeu a atendente. E completou – será que algum outro cabeleireiro poderia te ajudar?

Pensei em dizer que não e ir embora pra casa. Já não bastava o constrangimento de fazer hidratação, ainda tinha que ser com um desconhecido? Mas o cabelo já tinha chegado no limite: mais um fim de semana e eu viraria rastafari.

- Preciso fazer uma hidratação. – sussurrei.

- Hein? – perguntou a mulher.

- Eu preciso fazer... – diminuí o tom de voz - ... uma hidratação.

- Uma hidratação normal ou uma hidratação profunda? – berrou a atendente.

- Qualquer uma. – sussurrei de novo.

- Maicon! Este rapaz vai fazer uma hidratação com você. – o grito da infeliz atravessou o salão de beleza.

Maicon, um sujeito andrógino, meio homem, meio mulher, com um cachecol vermelho sangue em pleno calor da Bahia, cabelos arrepiados e descoloridos, me conduziu até a cadeira de lavagem. Tirei o boné e sentei. Enquanto massageava os fios, Maicon desmunhecou enquanto revirava os olhos:

- Me-ni-noooo.... que cabelo duuuuuuuuuro!

Quase que eu respondo: “- nesse caso é só o cabelo, amigo. Nem se anime”. Mas acabei respondendo:

- É por isso que eu tô aqui.

- Não se pre-o-cu-pe... vamos dar um jeito nisso. – disse Maicon, já aplicando um produto e, para meu desconforto, continuando uma espécie de cafuné feito por mãos masculinas. Se é que masculino seria o gênero mais apropriado para qualificar Maicon.

Àquela altura, muitos eram os olhares lançados sobre mim e Maicon. O salão estava repleto de mulheres fazendo as unhas, os cabelos, preparando-se para o final de semana. E eu ali, constrangido, fazendo parte do mesmo contexto que elas.

- Pronto. Agora vamos para a cadeira. – disse o cabeleireiro (esse sim é cabeleireiro) enquanto ajeitava a toalha branca sobre meus ombros.

Eis que, para minha surpresa, Maicon abre uma gaveta e retira de seu interior uma touca prateada, grande, reluzente, parecia um artefato alienígena. Sem graça, cercado de gente, perguntei em voz baixa:

- É necessário usar isso?

- Claaaaaaaro...! É isso que dá a reação química que vai deixar seu cabelo macio, sedoso, vai abrir o brilho... – e, entre um remelexo e outro, Maicon colocou a touca em minha cabeça.

Ao olhar no espelho, deparei-me com uma cena ridícula: o ser andrógino agora era eu. Jamais poderia imaginar que um dia eu pudesse ficar parecido com Dona Benta do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

- Agora é só aguardar 30 minutinhos. Volto já. – disse o cruzamento híbrido de David Bowie com Freddie Mercury enquanto sumia rebolativo pelo salão.

A vontade de tirar aquela touca e fugir com meu cabelo duro pra casa era grande. Mas, eu queria chamar a menor atenção possível. Desejava apagar ali e só acordar quando tudo terminasse. A única forma que encontrei de amenizar o constrangimento foi pegar uma Contigo que estava no balcão ao lado, abri-la no meio, erguê-la até a altura da cabeça e fingir que estava lendo a revista. Fiquei assim por meia hora. Sem passar a página.

Eu já sentia espasmos nos braços quando Maicon resolveu voltar. Retirou a touca e me levou para enxaguar o cabelo. O silêncio que agora fazia o sujeito e também a falta do trambolho em minha cabeça fez-me experimentar uma confortante sensação de alívio. Parecia que ninguém mais reparava que eu estava ali. Até que passou uma chamada da novela na televisão e o moçoilo resolveu dar um chilique:

- Cauã! Cauã! Que ser ma-ra-vi-lho-so... vixe, olhe o meu braço. Me arrepiei. – disse Maicon chamando mais uma vez a atenção para ele. E para mim.

As mulheres riram, alguns cochichos foram trocados e eu voltei para a cadeira em frente ao espelho. Imaginei que meu cabelo seria penteado e eu iria embora com o problema resolvido. Mas, não: Maicon retirou a touca da gaveta de novo e foi colocando em minha cabeça. Segurei seu braço impedindo o ato e perguntei:

- Peraí. De novo?

Demonstrando possuir um resquício de testosterona no corpo, Maicon forçou o braço pra baixo e logo eu me tornava Dona Benta mais uma vez.

- De novo sim! Senão a reação química não é finalizada. – e completou num irritante tom didático – Aí, você vai ter jogado fora o seu dinheiro e o pior de tudo: eu vou ter jogado fora o meu trabalho.

- Mais quanto tempo com isso? Mais meia hora eu não fico. Tenho que ir pra casa. – perguntei, já disposto a abandonar tudo aquilo e montar uma banda de reggae ou tocar no Ilê-Ayê.

- Só 10 minutinhos. Que homem agoniado, meu Deus! – respondeu o desaforado Maicon.

Resolvi que era melhor não discutir mais nada, que quanto mais resiliente eu fosse, menos chances de repuxos afetados do cabeleireiro e menos olhares sarcásticos lançados em minha direção.

Eu e a Contigo cumprimos os 10 longos minutos. Fui ao caixa, paguei, dei um aceno de longe para Maicon e abri a porta de vidro com uma satisfação que poucas vezes eu tive ao deixar um lugar.

No dia seguinte, liguei para o celular do dono do estabelecimento.

- ... pois então, Rodriguez, o cara colocou uma touca prateada em minha cabeça por duas vezes seguidas com o salão cheio de gente. Você me disse que era só uma massagem no cabelo e pronto. Se eu soubesse disso não teria feito essa hidratação. – falei chateado, com a propriedade de quem já é cliente há 12 anos.

Entre consternadas desculpas, Rodriguez disse não ter entendido o porquê da utilização da touca. Cerca de 15 dias depois, retornei ao salão para cortar cabelo. Ao pisar os pés no lugar, um grito chamou a atenção da numerosa clientela:

- Me-ni-no! Quer que eu perca o emprego, é? Foi se queixar com Seu Rodriguez da minha hidratação profunda! – exasperou-se Maicon, com as mãos na cintura e um dos pés batendo rapidamente no chão.

Calado, fui até a cadeira de Rodriguez. Desta vez, cortei o cabelo folheando uma Playboy sem nenhum constrangimento. Por dois motivos: para não deixar dúvidas a quem quer que seja sobre minha masculinidade e porque Maicon, de maneira muito bem-sucedida, conseguiu finalizar minha cota de constrangimento dentro de um salão de beleza.

quinta-feira, abril 23, 2009

Os três canhões do Forte de Santa Maria da Barra.


- ... e então o ônibus lotado com as mulheres mais lindas que eu já vi emparelhou com meu carro e as meninas todas com a cabeça de fora gritando números de telefones pra mim!

Eu posso ter um monte de defeitos nessa vida, mas um traço de personalidade que considero uma grande qualidade é o meu ceticismo. É bem difícil eu me iludir com alguma coisa. Quando Shell me veio, esfuziante, com essa história do ônibus cheio de mulher, logo imaginei que havia alguma coisa errada. Laranja madura na beira da estrada...

Gesticulando eufórico, ele continuou:

- Então consegui anotar dois celulares. Liguei pra elas e descobri que são estudantes de enfermagem de Belo Horizonte e estão aqui num congresso. São lindas! Maravilhosas!

Eu realmente não acreditava na história. Mas, paralelamente, tentava imaginar que motivos esdrúxulos teriam feito as supostas lindas meninas agirem daquele jeito. Extrema carência por falta de homem no curso de enfermagem? O clássico assanhamento que costuma afligir meninas que visitam a Bahia? Psicose coletiva? Ou simplesmente teriam sido os feromônios de Shell?

- Elas disseram que amanhã vão tomar sol na praia do Porto da Barra. São três garotas. Eu falei que iria aparecer lá com mais dois amigos: você e Donono. – disse Shell, já me incluindo no bolo.

Era o início do verão de 2006, a cidade começava a fervilhar, eu estava solteiro e seguia uma máxima do próprio Shell: “quem tem amigo não se governa”. Portanto, sempre acabava entrando nas barcas desse sujeito. Confesso que era divertido, nossas saídas costumavam render boas histórias. Histórias como esta.

- Ok, Shell. Eu vou. Mesmo sabendo que é furada, eu vou. - respondi, comungando com a maluquice.

Apenas comuniquei a empreitada a Donono que, imbuído do nosso mesmo espírito de barco à deriva ao sabor do vento, topou na hora. Fomos eu e Shell no seu carro e Donono iria mais tarde encontrar a gente.

Era fim da manhã quando, ainda no caminho para as encontrarmos, Shell, empolgado, resolveu ligar para o celular das meninas.

- Oi, Fulana! Aqui é Shell, tudo bem? Vocês já estão na praia? Nós estamos chegando aí... – e, para meu desespero, completou – hoje à tarde vocês vão fazer o quê? Querem ir num aniversário com a gente? E hoje à noite? Querem ir numa festa?

Fiquei gesticulando, abrindo e fechando os dois dedos como tesoura, pedindo para que ele cortasse a conversa, para que parasse de fazer sucessivos convites às meninas. Assim que ele desligou, o repreendi:

- Shell, me diga uma coisa: e se essas meninas forem horrorosas? Vamos acabar ficando o dia e a noite presos a elas. Quer que a gente perca o fim de semana? Que doideira...

O rapaz retrucou:

- Filho, fique frio. São gatas, tô te dizendo... pelo menos de rosto, são!

Meu 6º sentido, 7º e 8º diziam que a gente ia se dar mal. Resolvi que não ia entrar de peito aberto nesse balaio de gato:

- Vamos fazer o seguinte: quando a gente chegar lá, você se esconde e liga pra elas. Eu vou para a balaustrada e, disfarçadamente, fico olhando para ver se encontro três meninas com uma delas falando no telefone. Se forem bonitas, faço um sinal pra você, você aparece e a gente desce até a praia. Caso contrário, amigo, pé na tábua. Fechado?

- Fechado.

Estacionamos o carro e fizemos o combinado: Shell ficou atrás de uma árvore fazendo a ligação e eu, com os dois braços apoiados sobre a balaustrada, fiquei fazendo cara de quem tava vendo o tempo passar.

De lá de cima, meus olhos percorriam avidamente a praia inteira. Ela estava lotada, guarda-sóis atrapalhavam um pouco a minha visão. De repente, avistei três garotas de bruços tomando sol na areia. Seus biquínis eram daqueles pequenos, que somem no bumbum de forma que você não consegue reconhecer sequer a cor deles – coisa de 3 centímetros quadrados de pano. Louvado seja Shell!

Meu amigo, ridiculamente escondido atrás de uma árvore no meio do calçadão, fez um sinal pra mim de que o telefone já estaria chamando. Eu precisava ficar atento para localizar a menina que atenderia o celular. Olhei fixamente para as três beldades deitadas na areia. Nenhuma delas se mexeu para atender qualquer telefone.

Após um “alô”, Shell fez um sinal mais brusco para mim. Agora era para eu achar uma menina na praia com o celular no ouvido. Meu comparsa pedia dicas à garota: como é o sombreiro de vocês? Qual a cor do seu biquíni? Loira? Morena? E ia me sinalizando as respostas enquanto tampava o telefone.

- Você tá de canga amarela floral comprida? – perguntou Shell enquanto tirava o rosto de trás da árvore e me lançava um olhar de estranhamento.

Devolvi um olhar pior que o dele. Meus olhos falavam: “eu não disse?”. Uma mulher de canga amarela floral comprida era a dica que a gente precisava pra abortar a missão ali mesmo, naquele minuto. Mas não. Shell ainda não estava convencido. Iludia-se, queria arriscar tudo como um jogador de pôquer que aposta todas as fichas com um par de duques nas mãos.

Procurei a tal canga amarela floral comprida com certo desespero. Àquela altura, com o objetivo de fazer uma rápida varredura, minha cabeça ia de um lado a outro rapidamente, como se eu estivesse dando sucessivos “nãos”. Freud explica.

Foi então, amigos, que uma visão não tão bela quanto a praia do Porto da Barra descortinou-se diante de meus olhos: uma canga amarelo-ouro tentava esconder um bujão de gás em plena praia. A definição era exatamente essa, um bujão de canga amarela e comprida com um celular no ouvido.

Como se já não bastasse uma, com cangas e corpos ainda maiores, apareceram mais duas logo atrás da puxadora da fila. Com pisadas lentas mas decididas, elas iam vencendo a areia fofa, avançando e olhando em minha direção. Calma, Pedro, só pode ser impressão sua, por que elas olhariam pra você? De repente, a protagonista daquele filme de terror deu tchau pra mim. Como pode?! Então, veio a desesperadora resposta: Shell, inexplicavelmente, havia saído de trás da árvore e estava ao meu lado, acenando para as meninas.

- Pirou?! – perguntei atônito.

Sem graça, Shell deu de ombros.

- Negão, sinto muito, vou me mandar daqui. Fui! – disse eu, ao tempo que empurrava a balaustrada na esperança de tomar ainda mais impulso pra corrida.

- Espere! Espere! – Shell tentou segurar meu braço.

Consegui me desvencilhar, atravessei a rua correndo, quase fui atropelado. Chegando ao outro lado da pista, ainda ouvia Shell gritando. Quando ele se viu sozinho e provavelmente imaginou sua tarde e noite de sábado esvaindo-se com as três figuras, pôs-se também a correr atrás de mim. Virando a esquina, passei lotado por Donono que estava indo ao nosso encontro. Ao ver-nos correndo, nosso amigo tomou um susto:

- É assalto?!

- Não, é pior. Corra. Depois te explico.

Obediente, Donono nos acompanhou. Chegamos no carro e, ofegante, soltei os cachorros em cima de Shell. Ele merecia ser internado por sair de trás da árvore! Seu celular tocou.

- E agora? DDD de Belo Horizonte... – disse ele, paralisado com o telefone na mão.

- Não atenda! – respondi enquanto tentava tomar o celular de sua mão.

- O que está acontecendo?! – perguntava o surpreso Donono.

- Eu vou atender sim, é sacanagem da nossa parte. - respondeu o consciente Shell.

- Sacanagem é você colocar a gente nessa situação... – repliquei.

- O que está acontecendo?!?! – perseverou Donono.

- Alô... é, eu sei... desculpe, é que a gente estacionou em local proibido e estavam multando... tivemos que correr... isso, isso... vocês vão ficar no calçadão esperando a gente passar com o carro?! – Shell fez uma cara de espanto – ok, ok... então esperem aí. Beijo...

- E agora, vocês vão me dizer o que está acontecendo?! – disse Donono, impaciente.

Expliquei a ele todo o imbróglio causado por Shell, culminando num cooper forçado de três marmanjos no calçadão da Barra. Fiz questão de detalhar a visão que até hoje permeia alguns pesadelos meus.

- Espere aí. Isso só pode ser exagero. Ninguém com o corpo assim vai à praia... – cauteloso, Donono me repreendeu. E continuou – elas não estão no calçadão? Vamos passar de carro para olhar melhor.

Não havia outra solução mesmo, o fluxo da rua nos obrigaria a margear a praia. Calei-me. Seguindo nosso curso, nos deparamos com as três e suas respectivas cangas furta-cores, fartas em tecido, fartíssimas em recheio, esperando ansiosas em pé no calçadão.

- Eis as amigas de Shell... – fiz um indicativo sinal de rosto.

[Pequena pausa]

- Acelera!!! Acelera!!! – gritou Donono enquanto batia com as mãos fechadas no banco do carro.

E foi assim que, mesmo apontando pra nós, os três calibrosos canhões do forte do Porto, graças aos céus, não dispararam fogo aquele dia.