segunda-feira, março 30, 2009

Para combater um suposto sogro furioso, um tio cara de pau.

Acredito que agora eu já posso contar essa história. O crime já prescreveu. Mas, se eu for preso, um de vocês vai me visitar levando um bolo com um notebook escondido no recheio. Aí prometo que vou ter mais tempo para atualizar o blog. Será que em cela especial tem wireless? Ainda bem que eu terminei a faculdade e tenho meus privilégios.

Bom, nos gloriosos idos dos meus 20 anos, meus amigos me presentearam com o agradável apelido de “Pedrófilo”. Tudo porque eu arrumava umas paqueras mais novas que eu. Coisa pouca, só uns 6 anos de diferença. Mas tenho uma teoria pra isso ter acontecido com certa freqüência: compatibilidade de maturidade. Eu falava tanta bobagem, mas tanta bobagem, que só agradava mesmo as bem novinhas - e olhe lá. Enfim, foi um desses romances infanto-juvenis que acabou rendendo este post e quase um mandado de prisão.

Na época em que eu tocava em banda, sempre era contemplado com belíssimas visões de cima do palco. Mariana era uma delas. Com certa freqüência, ela aparecia em nossos shows e sua presença fazia a alegria de todos os músicos. Muitos acordes errados e solos fora de hora, algo não muito raro no Queima Samba, devem ter tido a sua contribuição. Seus olhos verdes e cabelos loiros logo lhe renderam um apelido entre nós, tarados de plantão: Sheila Melo.

E o pior – ou melhor – é que ela realmente parecia com a espetaculosa dançarina do Tchan. Com uma diferença: tinha apenas 15 anos, desabrochava em sua adolescência. Mas Pedroca, cheio de razão e com parcos 18 pra 19 aninhos, não podia deixar a oportunidade passar. A banda não duraria pra sempre e, junto com ela, findaria também a aura que envolve uma estrela do pagode do meu naipe. Além disso, quando ela ficasse um pouco mais velha e perdesse o frescor da inocência de uma debutante, seria difícil ela cair no meu papo fraco. Portanto, resolvi comprar briga com o resto da banda e investir na mocinha.

Apesar da pouca idade, Mariana era uma excelente companhia. Comunicativa, simpática, riso fácil e astral contagiante eram algumas das suas qualidades que me atraiam. Claro, fora os olhos verdes e as longas madeixas douradas. Afinal, não sou decorador pra prestar atenção só na beleza interior.

Um belo dia, recebo uma ligação no meio de uma tarde de domingo. Era Mariana:

- Oi Peu!

- Oi Mari! Tudo bem?

- Tudo tranqüilo. Tá fazendo o que? – perguntou minha paquera.

- Nada, tô de bobeira... – respondi deixando espaço para uma possível proposta.

- Eu tô aqui na frente do ensaio da Timbalada, mas não tô a fim de entrar. Quer fazer alguma coisa?

Bingo.

- Quero sim. Vamos ver um filme aqui em casa? – perguntei na esperança de trocar a bizarra companhia de Faustão e Gugu pela doce presença de Maricota.

- Legal. Você me pega aqui?

- Pego sim. Tô saindo de casa. Beijo!

Tomei um banho para vencer a inércia que me mantinha prostrado na cama e fui ao encontro de Mari.

Eu estava sozinho em casa. Mas, antes que você me julgue um criminoso, adianto que o convite incluía apenas um filminho, pipoca de microondas com coca-cola e uma caixa de Bis. Nada mais.

Chegamos em casa, nos acomodamos confortavelmente e começamos a assistir o filme. De repente, meu telefone tocou. Apesar de ser o início da moderníssima era do celular com identificador de chamada, não reconheci o número. Mesmo assim, achei por bem atender:

- Alô?

- Chame Mariana. – respondeu do outro lado uma seca e taxativa voz masculina.

Após uma pequena pausa, como quem recebe a notícia de uma tragédia, tirei o telefone do ouvido, tampei com a mão o microfone e falei:

- Mari, é pra você.

- Pra mim?! – perguntou a garota, com perplexidade e terror em seus lindos olhos verdes.

- Acho que é seu pai. – respondi tentando esconder meu nervosismo.

- Meu pai?! – perguntou de novo Mari, agora completamente apavorada.

- Acho que é, Mari. Atende logo! – respondi enquanto estendia o braço com o telefone em sua direção.

- Não! Fala você! – disse a garota, num surto de desespero que incluía um abraço forte no travesseiro e um empurrão em minha mão segurando o telefone.

- Eu?! Tá doida? Vou falar o que com seu pai? Atende logo esse telefone, Mariana!

- Não, não... – respondeu ela num início de choro.

- Mariana! Vai ser pior. Fala logo! – disse eu, enfático, enquanto dirigia o telefone até seu ouvido.

- Alô... pai?

Enquanto ouvia o velho cuspindo fogo do outro lado da linha, Mariana apertava os olhos e o travesseiro e choramingava ainda mais.

- É que... não quis... na porta da Timbalada... a gente só está assistindo filme, pai... Pedro é um amigo meu... – a pobre coitada tentava se explicar, mas o pai, possesso, parecia interrompê-la segundo após segundo.

Mari desligou o telefone e pôs-se a chorar copiosamente. Tentei acalmá-la e logo depois procurei saber o que havia acontecido. Soluçando, ela contou que o pai ligou para uma amiga que estaria com ela e a garota disse que Mariana não tinha entrado na festa. O pai então apertou a garota até descobrir com quem ela estava. Sabendo meu nome, foi só procurar na agenda de minha paquera o meu telefone. E a confusão estava formada.

- Ele falou mais o que, Mari? – perguntei querendo saber o que iria sobrar pra mim.

- Ele disse que era pra eu descer agora que ele está vindo me buscar.

- Então é melhor você descer, Mari. – disse eu, um pouco mais aliviado.

- Não! Você vai descer comigo! – delirou Mariana.

- Pirou, menina?

- Vai descer sim! Eu não vou descer só! – disse ela e então caiu novamente no choro.

Enquanto Mari se desfazia em lágrimas e soluços, fiquei me perguntando por que eu tinha me metido naquela situação. Por quê? Agora eu estava ali tendo que administrar uma garota chorando sem parar e um pai furioso indo ao meu encontro. Eu precisava pensar rápido, não dava pra descer simplesmente e dizer pro coroa “oi, prazer, toma aí sua filha de volta. Ela está intacta, viu? Tchau”.

Pensa, Pedro, pensa que o homem está chegando. Já sei! Quem é o maior expert em apagar os incêndios que costumam aparecer em meus caminhos? Ele mesmo: Tio Fulano. Corri para o telefone e liguei para sua casa:

- Meu tio, me ajude.

- O que foi, “meu tio”? – respondeu ele com voz típica dos sonos de sofás de domingo.

- Eu trouxe uma paquera aqui pra casa, o pai dela descobriu e está vindo pra cá. Só que ela está insistindo pra eu descer e falar com o sujeito... por favor, desça comigo meu tio. – disse eu com súplica na voz.

Tio Fulano morava em meu prédio. Era meu vizinho de porta. Uma dessas sortes que a gente conta nos dedos as vezes que acontecem ao longo da vida. Com seu espírito de general do exército da salvação e sua objetividade de sempre, Tio Fulano me tranqüilizou:

- Te encontro lá embaixo em 5 minutos.

Peguei mais lenços de papel para Mari. A coitada não parava de chorar. Comecei a achar que o pai dela era um sujeito violento. Só podia ser! Para ela querer que eu descesse junto, devia ser para tentar evitar uma surra. Ou pra dividi-la comigo.

Chegamos no playground e Tio Fulano já estava lá. Com sua típica camiseta branca de ficar em casa, bermuda e chinelos. Sereno, ele parecia já ter o problema resolvido na cabeça. Eu e Mari nos aproximamos dele com cara de velório e eu a apresentei. Ele olhou pra mim reprovativo. Após algum tempo, ainda que de forma tímida, quebrei o silêncio fúnebre da cena:

- Meu tio, você vai dizer o que pro pai dela?

Com os olhos cerrados e a clássica palma da mão voltada para mim, ele me respondeu sem dizer nada. Era mais um “deixe comigo”. Após uma espera angustiante, chegou diante de nós o tão aguardado carro. Imediatamente, o semblante introspectivo de Tio Fulano deu lugar a um largo sorriso e ele partiu a passos rápidos em direção ao pai de Mari que deixava o automóvel com cara de poucos amigos. Com os braços abertos, gesto típico do bom anfitrião, meu tio desandou a falar com seu tom de voz alto:

- Olá! Tudo bem? Meu nome é Fulano, sou tio de Pedro. Prazer!

Mari tinha razão de estar tão preocupada: seu pai simplesmente ignorava as boas-vindas de Tio Fulano e, parado diante da porta, fazia um frio e aterrorizante sinal com o dedo para que ela entrasse no carro. Tio Fulano perseverava:

- Fique tranqüilo, estávamos eu, Pedro e Mariana lá na sala assistindo filme. “Sociedade dos Poetas Mortos”, um belo filme por sinal.

Ao passar pelo pai, deu pra ver minha paquerinha engolindo em seco. Silenciosamente, ela entrou no carro. E meu tio deu o golpe de misericórdia:

- Sua filha é um doce. – e, com a cara mais lavada do mundo, ainda completou – Traga ela aqui mais vezes.

O pai de Mariana estava realmente puto da vida. Mas, àquela altura, o alvo de tanta chateação era somente sua filha. Afinal, fora ela que havia lhe dito que iria a uma festa e foi parar em outro lugar. Graças aos céus, ao final da ladainha de Tio Fulano, nosso visitante parecia estar convencido de toda a história. Cumprimentou respeitosamente o grande ator do dia, me ignorou e levou Maricota embora.

Subimos juntos o elevador. Já aliviado de toda aquela tensão, agradeci ao meu salvador:

- Meu tio, essa foi por pouco. Muito obrigado.

Objetivo, talvez louco para entrar em casa a tempo de assistir as Vídeo-Cassetadas, ele respondeu:

- Você me deve mais uma, “meu tio”.

Tio Fulano tinha razão. Minhas dívidas com ele estavam acumulando. Se eu começasse a pagar tudo agora, só terminaria na próxima encarnação. E, caso não fosse ele me ajudando mais uma vez, por conta da ira deste pai, eu poderia ter conhecido precocemente essa próxima encarnação. Quem não se safou foi Mari. Sua sentença: um mês de castigo sem sair de casa.

Hoje, mais de 10 anos depois, apesar de não morarmos mais na mesma cidade, eu e Maricota somos grandes amigos. Vez ou outra lembramos desse episódio e nos divertimos bastante.

Ah, falando em lembrar, lembram que em um desses posts eu disse que jamais deixarei minha filha ir num ensaio do Harém? Pois bem, fica registrado que o mesmo vale para um ensaio da Timbalada.

sábado, março 07, 2009

Meu carnaval. (Em poucos, curtos e suficientes capítulos).

Sinceramente, não sei nem como começar. Até porque, estou aqui em casa de cama, com febre, o corpo todo dolorido, a cabeça explodindo. Sim, é a tal gripe ou virose que costuma aplacar os súditos de Momo após a quarta-feira de cinzas. Se eu soubesse que este seria o alto preço a ser pago em troca da folia, acho que teria passado o carnaval bem longe da avenida. Aliás, retiro o que disse.

Octávio Mangabeira, ex-governador de minha terra, um dia proferiu esta célebre frase: “pense num absurdo. Na Bahia tem precedente”. Se este raciocínio é pertinente, imagine a dimensão que ele ganha durante o carnaval. Tudo o que eu queria era poder ter levado uma câmera para filmar as cenas inusitadas que presenciei durante os 6 dias de festa. (Sim, aqui na Bahia o carnaval dura 6 dias. Para uns, até 7).

Apesar de ser baiano, essa é a primeira vez que passo um carnaval inteiro aqui em Salvador. Eu explico. Primeiro, porque eu não bebia; segundo, porque não sou muito fã de aglomerações; terceiro, porque eu gosto manter as unhas dos meus pés em seus respectivos lugares; quarto, porque eu sempre acreditei que namoro e carnaval é uma combinação explosiva e meus namoros costumavam coincidir com o verão.

Mas, o motivo dessa rejeição foi detectada: faltava álcool na minha festa. Durante estes últimos dias, esta era a minha gradação alcoólica: até 1 dose = “quero ir pra casa assistir Zorra Total”. 2 doses = “até que este bloco é legal”. A partir de 3 doses = “vamos dar outra volta no trio!”. Portanto, o negócio era beber. Beber, observar e, agora, descrever.

O TAXISTA E SUA LICENÇA POÉTICA.

Costumam dizer que no carnaval tudo é permitido. Em nosso iniciozinho de folia, ratificamos esta teoria: eu e Roger estávamos dentro de um táxi para irmos até a Barra, de onde nosso bloco iria sair. Ao dobrarmos uma rua que era mão única, vimos um carro subindo na contra-mão. Havia um outro táxi em nossa frente que começou a buzinar e dar luz alta freneticamente para o carro que vinha em sentido contrário.

- Que sacana... – indignou-se o taxista.

Eu e Roger concordamos na mesma hora:

- Um absurdo! Como é que o cara dá uma contra-mão dessa?

- Eu tô falando é do colega aqui da frente... como é que ele não dá ré pro cara passar? – disse o taxista, tranqüilamente. E, com um gingado na voz, num tom que eu julgaria deboche caso não fosse eu também baiano, completou - é carnaval...!

Eu e meu amigo rimos. Como a gente ainda não tinha percebido? A porteira estava aberta para todo tipo de loucura: era carnaval.

COMO “DERRUBAR” UMA GAROTA. (TAMBÉM SEM ASPAS).

Já no bloco, lá pras tantas, encontrei Beltrano, um grande amigo meu de infância. Ele olhava rapidamente de um lado a outro, como se procurasse incessantemente por alguma coisa.

- Beltrano! – o saudei.

- Pedrão! Tô em aaaaaaaaalta...! (tradução: estou bêbado).

- Percebi, moreno...

- Já derrubou quantas aqui? (tradução: já ficou com quantas aqui?).

Antes que eu pudesse responder “nenhuma”, apareceu uma menina na minha frente cambaleando. Eu já tinha visto ela outras vezes, seu estado era lastimável e ela escolhia um cara e ficava parada o encarando até que ele a beijasse. Dessa vez, fui eu o escolhido: a garota ficou me olhando com uma cara de quem ia vomitar em cima de mim a qualquer instante. Beltrano perguntou:

- Você conhece ela?

- Nunca vi...

Imediatamente, o rapaz deu uma chave de braço no pescoço da garota seguido de um daqueles beijos de carnaval que a língua vai do queixo à testa. A alcoolizada, que mal se sustentava em pé, começou a andar rapidamente pra trás, como se fosse cair. Para não ir ao chão junto, Beltrano, sem parar de beijar, segurou firme no meu abadá. Desequilibrei-me e fomos os três catando ficha, num balé ridículo, correndo de costas, os dois se beijando e eu, sem ter nada a ver com a história, grudado neles. Quando estávamos quase sendo vencidos pela gravidade, Beltrano soltou a garota que automaticamente foi ao chão.

- Essa aí tá pior que eu, vamos nessa... – disse meu amigo, enquanto me puxava pelo braço e ignorava a menina repousando no asfalto.

O TAXISTA TINHA RAZÃO. MAIS UMA VEZ.

No dia seguinte encontrei um outro grande amigo no posto de gasolina.

- Diegão! E esse carnaval?

- Qualé Pedrão! Rapaz, nem me fale... que ressaca... – respondeu Diego com uma voz que dava sentido à sua frase.

- Ah, encontrei sua ex-namorada no bloco ontem!

- Massa! E aí, “garrou”? – disse ele, com muita naturalidade.

Tomei um susto. Mas, logo lembrei do sábio taxista e suas palavras de luz: “é carnaval...!”.

GARÇONS: GUARDIÕES DE MIM.

Eu que não bebia pra valer, descobri uma coisa sensacional. Quando bebo, me torno um cara muito gente boa. Faço amizade com todo mundo, acabo conhecendo a festa toda. Inclusive os garçons, serventes, enfim, o pessoal dos bastidores. Foi o que aconteceu no camarote do Harém: eu só saía de perto de um garçom ou garçonete para ir conversar com outro deles. Logo, eu estava recebendo tratamento de rei – e, consequentemente, ficando mais bêbado e mais sociável. Acabei saindo de lá pela manhã, quando fizeram um cordão humano para expulsar os últimos convidados, cerca de umas 8 pessoas, incluindo eu. Ao descer a rampa que dava acesso à rua, encontrei com os garçons e garçonetes, já vestidos para irem pra casa. Dei um abraço coletivo em todo mundo.

- Você tá indo pra onde? – perguntou-me um deles.

- Pra Graça. – respondi.

- Estamos indo pra Barra, mas vamos deixar você primeiro na Graça então. – disse meu novo amigo.

- Vocês vão me deixar? Como?

- Andando!

- Não precisa, pessoal... vou de táxi. Obrigado! – disse eu, impressionado com a prova de amizade. Amizade de carnaval, mas amizade verdadeira.

Eles pararam em frente a um isopor de bebidas e compraram cerveja. Um deles me deu uma lata. Antes que eu pudesse processar e compreender a situação, uma das garçonetes puxou a bebida de minha mão enquanto repreendia o colega:

- Não, ele já bebeu demais. Por hoje chega.

- Por hoje chega... – completei.

Com mais um abraço coletivo, me despedi de todos e fui atrás do meu táxi.

BAIANO PELO INSTANTE DE UM GRITO.

Outra coisa curiosa é como a baianidade rapidamente contamina os turistas que passam o carnaval por aqui. Estávamos eu e Roger no bloco Me Abraça quando, de repente, algum problema no trio produziu um estrondo nas caixas de som que deve ter deixado metade dos foliões surdos. Um carioca gordinho que estava ao meu lado curvou todo o corpo na hora e deu um grito:

- “Cren” Deus-Pai...! – e, logo depois, denunciou sua origem – Que barulho sinixxxtro!

Nada mais da terra do que “´cren´ Deus-Pai”. O que significa simplesmente “creio em Deus-Pai todo poderoso”. Mais uma das tantas corruptelas de nós baianos.

UM BÊBADO – ALIÁS, TRÊS -, UMA POSSIBILIDADE DE NOCAUTE, UMA AMIZADE GENUÍNA DE 5 MINUTOS E DRAMÁTICAS LÁGRIMAS NÃO DERRAMADAS.

Chegou a terça-feira, último dia de carnaval. Saímos no Me Abraça de novo e depois entramos no camarote do Harém. O iminente fim da folia era uma desculpa a mais que tínhamos para beber com certo vigor. Foi então que o tempo passou, muitos copos foram esvaziados e o sol começou a iluminar a avenida. O Voa-Voa, último bloco, passava pelo camarote deixando todo mundo alucinado com os minutos finais da grande festa. Foi então que apareceu um cara na nossa frente tentando dizer alguma coisa, mas o nível de álcool dele não permitia que estabelecêssemos uma comunicação decente. Ele tentava falar, não saía nada; tentava fazer mímica, era ainda pior. Já o efeito da cachaça deixou Roger impaciente. Diante do sujeito bêbado, sem conseguir entender o que ele queria dizer, meu amigo virou pra mim e disse:

- Se esse infeliz não sair da minha frente vou dar um murro na cara dele...

Pra sorte do sujeito, ele conseguiu fazer um sinal com os dois dedos juntos demonstrando que tudo o que queria era um cigarro. Roger, ríspido, disse que não tinha. Foi então que, vendo o rapaz baixar a cabeça desapontado, concluí: mais do que nicotina, ele precisava de um amigo. Lembro de ter iniciado com ele uma conversa sem pé nem cabeça:

- E aí, tá curtindo? – puxei assunto.

- Tô curtindo... tô curtindo... – respondia ele enquanto balançava a cabeça repetidamente em sinal positivo.

- Pena que tá acabando, né? – dei continuidade.

- Não tá acabando não... o Asa tá vindo aí... – disse ele enquanto tentava, em vão, apontar para a avenida.

Ri bastante. O Asa já havia passado por ali há umas 7 horas mais ou menos. Àquela altura, Durval devia estar no décimo sono. Respondi:

- O Asa já passou há muito tempo. Não tem mais bloco vindo, não. Terminou!

Para meu espanto, o cara arregalou os olhos, começou a se movimentar com agilidade, parecia que o efeito da bebida tinha sido cortado subitamente. Olhando pra mim, ele perguntou desesperado:

- Acabou? O carnaval acabou?!

- Acabou... quando esse bloco terminar de passar, acabou de vez. – respondi com sinceridade.

- Não acredito. Acabou... – disse meu mais novo amigo com lágrimas nos olhos, inconsolável.

Confesso que meus olhos também ficaram marejados quando desci do camarote e, em plena luz do dia, percebi que só haviam sobrado alguns bêbados dormindo embaixo de uma árvore, catadores apanhando latinhas de cerveja pelo chão, uma tropa de policiais cansados, os últimos segundos do beijo de um casal desconhecido e apaixonado. É, o carnaval havia realmente terminado. Só me restava ir pra casa e torcer para que o efeito do Red Bull passasse logo e eu conseguisse dormir a tempo de perder a apuração das escolas de samba do Rio de Janeiro.

* Apesar de ter gostado de sair no carnaval este ano, continuo celebrando a outra Bahia. Na minha opinião, muito mais majestosa que esta com duração de uma semana. A devoção que tenho por este outro lado da minha terra rendeu um textinho despretensioso que quero dividir com vocês e dedicá-lo a Evandro que entendeu com muita sensibilidade a verdadeira magia deste lugar abençoado por todos os santos.

"O sopro suave e fresco da brisa no meio da tarde balançava as palhas de coqueiro produzindo um som muito íntimo aos ouvidos baianos. Balançava também minha rede, no ritmo calmo da preguiça. As ondas do mar completavam a mais bela sinfonia desta terra, a genuína, aquela que não vem do trio elétrico. Entre abraços de raios de sol e o gentil calor da areia, estava eu ali, ouvindo, cheio de admiração e orgulho, o verdadeiro som da Bahia."