quarta-feira, setembro 03, 2008

Lanchinha da Carreira

Nada mais frugal do que pegar uma lanchinha da carreira, atravessar a Baía de Todos os Santos e ir pra Mar Grande. Principalmente no verão, quando a fila deste transporte costuma percorrer meia cidade baixa. Mas a ilha é um paraíso e, como dizem, pra conhecer o paraíso, é preciso passar pelo purgatório.

Pra começar, uma curiosidade: ninguém sabe porque se chama “lanchinha”, muito menos “da carreira”. Afinal, trata-se de um barco grande de madeira do qual, sem muito esforço, seria possível ultrapassá-lo a nado.

Quando as pessoas falam que vai gato, cachorro e periquito, não é metáfora. A aventura começa quando o “staff” abre o estreito portão de acesso ao píer de embarque. A sensação que se tem é que estavam todos presos em uma casa pegando fogo há pelo menos 2 horas e uma porta se abre. As pessoas correm desesperadas, gritos de sai da frente, empurrões, carrinho-de-mão derrubando manga pelo chão, gente escorregando, mãe puxando menino pelo braço.Esse é o estágio 1.

Ultrapassado o portãozinho, começa o estágio 2. Apesar do espaço aumentar logo no início do píer, não há tempo para comemorar: uma ponte ainda mais estreita aguarda os passageiros. O corre-corre tem fundamento: a capacidade da lanchinha deve ser algo em torno de 120 pessoas. Embarcam umas 300.

Existe uma forma alternativa de ultrapassar este estágio e galgar preciosas posições – artifício normalmente utilizado pelos nativos da ilha. Como se fosse um lançamento de disco olímpico, eles arremessam sua bagagem para além-ponte. Para esta manobra é necessário destreza, já que o espaço do outro lado é pequeno e você corre dois riscos: atingir algum passageiro ou ver seus pertences afundarem no mar. Este plano B é perigoso porque, depois de “despachar” sua bagagem, é hora de você sair pulando pelos barcos atracados até chegar à sua embarcação. Sem o impulso suficiente seu destino é a água.

Estágio 3. Ok, você chegou diante de sua preciosa lanchinha. É hora de disputar o tão sonhado embarque com o menino do “menduins”, o menino da paçoca, o menino da gelada, o menino do nêgo bom, o menino da mineral, o menino do “halles” e o maldito cara do carrinho-de-mão das mangas.Agora, é conquistar na cotovelada os seus 10 cm de banco. Se você for bom no chega pra lá, tente disputar os bancos na sombra. Caso não se garanta, contente-se em pegar um bronze.

Ótimo, a lancha vai partir. O marinheiro vai soltando as amarrações, mas, sem esboçar surpresa, assiste mais uns 3 passageiros correndo pelo píer e se atirando para dentro do barco. A viagem enfim começa.

Nas primeiras marolas do mar calmo da baía, a lanchinha se comporta como um João-bobo, balança de um lado pro outro, provavelmente desestabilizada pelo excesso de peso. Mais pro meio da baía, as marolas viram pequenas ondas. O suficiente para o show de engulhos começar. Se pra dançar créu tem que ter habilidade, imagine pra desviar de vômitos vindos de todos os lados em um barcoque você mal consegue se mexer. E como sensibilidade não é o forte de vendedores ambulantes, os caras saem gritando entre o povo passando mal: “olha o menduins torrado!”.

Vencidos os inacabáveis 15 km que separam Salvador da ilha, aproximando-se da ponte de desembarque, outra cena inusitada dá início ao 4º e último estágio: quem estava passando mal se recupera automaticamente e um novo estouro de boiada acontece pra sair da lancha. Depois, é simples. Basta driblar os meninos que pedem pra carregar sua sacola por uns trocados, entrar numa “kombis” com mais de 15 pessoas dentro e aproveitar um verdadeiro pedaço de céu na terra.
Ah, eu amo a ilha de Itaparica.


1 comentário:

Anónimo disse...

Moreno...Muito bom moreno!!! O pior é passar por isso com kite e prancha na mao