domingo, setembro 28, 2008

A incrível abdução da prova de francês.


Por que raios alguém que estuda Publicidade e Propaganda precisa de Francês I, II e III? Até hoje não descobri. Só sei que eu estudei... quer dizer, assisti aula... aliás, peguei essas matérias. Sempre tive vontade de aprender italiano, ainda vou aprender, é a língua mais próxima do latim e eu aprecio a nossa falecida língua-mãe. Mas francês, nunca me interessei, sempre achei meio boiola. Durante as aulas, eu fazia atividades alternativas. Como jogar fliperama no Center Lapa, por exemplo.

Era o primeiro semestre da faculdade e, além de uma boa quantidade de matérias nem um pouco práticas, de cara a gente já pegava Francês I. A professora era uma senhora às vésperas da aposentadoria, Dona Engrácia. Saber que teríamos de aprender francês foi algo que logo assustou a todos. Mas o pessoal do segundo semestre dizia que era fácil passar. Todo mundo colava descaradamente e se dava bem.

De maneira geral, todo mundo na faculdade de publicidade é gente boa. Você não vê competitividade, gente tentando passar por cima do outro, guerra por score, nada disso. Existe um clima de cooperação muito grande, sempre um fazendo pelo outro. E foi justamente essa coisa de um fazer pelo outro que aconteceu comigo naquela última prova de Francês I do semestre.

Eu tinha uma grande amiga na faculdade: Cecília. Cecília era uma figura totalmente descolada, alternativa até dizer chega, típica estudante de publicidade. Vivia no circuito de cinema-arte e, além de Alessandra Negrini, era a única pessoa no mundo que curtia Otto. Entre outras esquisitices, Cecília era fluente em francês. Não lembro se ela havia feito curso ou se tinha morado na França. Só sei que ela era craque na língua – não vá pensar besteira.

Aproximando-se do dia da prova, comentei com ela:

- Ciça, eu não sei nada de francês... vou perder a matéria. Me dê uma força, estude comigo, vá.

Cecília, prática como ela, respondeu:

- Relaxe, não precisa estudar. No dia eu sento perto de você e quando terminar de fazer a minha prova, pego a sua e faço.

Fantástico. Cada vez eu gostava mais de Cecília. Relaxei e não trisquei no livro.

Dia de prova. Dona Engrácia - carinhosamente apelidada de Mon Bijoux – calmamente arrumava as cadeiras em fila enquanto os alunos iam pegando seus lugares. Eu disse que não existia disputa no curso de propaganda né? Mas lembrei de uma hora em que isso costumava acontecer: no momento de pegar as cadeiras que ficavam no fundão da sala nas provas de francês. Mas eu e Ciça nos adiantamos. Tratamos de chegar cedo e garantimos as duas últimas, encostadas na parede do fundo da sala, uma ao lado da outra, separadas apenas pelo corredor.

Provas entregues. Ciça piscou o olho pra mim como quem diz “vai dar tudo certo”. Li a prova e comprovei minha suspeita: não sabia responder uma questão sequer. Fiquei então movimentando a caneta sobre o papel e de vez em quando colocava a ponta da caneta na boca fingindo estar pensando. Apesar da professora nem olhar pra mim, fiz o maior teatro de quem estava levando a prova a sério. E Cecília concentrada, respondendo tudo na maior velocidade.

Escondendo-se atrás do aluno que estava na cadeira da frente, Ciça lançou um psiu e sussurou:

- Me dê sua prova.

Olhei de rabo de olho para a professora. Há muito que ela lia um livro, nem parecia que estava naquela sala. A encarei mais um pouquinho pra garantir. Estava tudo certo. Num movimento rápido, estendi a mão com minha prova em branco para Cecília que, por sua vez, recebeu o papel demonstrando mais agilidade que uma troca de bastões em revezamento 4 por 100. Mas, na hora da transição, Dona Engrácia levantou os olhos numa velocidade que não era a sua.

Eu fiquei sem minha prova e Cecília ficou com duas. Então, pra disfarçar, comecei a rabiscar no braço da carteira como se estivesse respondendo as questões. Mesmo olhando para baixo, minha visão periférica percebeu a professora levantando da sua cadeira e vindo em minha direção. Vinha se aproximando lentamente. E eu rabiscando a carteira com um cínico semblante pensativo. De repente, Dona Engrácia estava com as pernas coladas na tábua riscada. Não tive coragem de olhar pra ela. Continuei respondendo as questões imaginárias de francês.

- Onde está a sua prova? – disse Dona Engrácia num tom áspero que também não era o seu habitual.

Olhei pra ela, olhei pro braço da carteira todo rabiscado, olhei pra ela de novo e, nervoso, respondi como se algo de muito misterioso tivesse acontecido:

- Não sei, professora!

Ela tomou as duas provas das mãos de Cecília.

- Zero pros dois. Podem sair da sala. – falou Dona Engrácia bastante irritada.

Gaguejando, tentei argumentar alguma coisa. Em vão. Ciça levantou tranqüilamente da carteira, pegou seus livros e cadernos e foi andando pra fora da sala. Eu a segui.

- Ciça, não acredito, eu já estava perdido mesmo, mas você precisava de quase nada pra passar. E agora? – falei sentindo o peso da consciência em minhas costas.

- Relaxe... semestre que vem a gente pega Francês I de novo. – Ciça conseguiu responder sorrindo.

Não agüentei, seria injusto, ela estava tentando me ajudar. Entrei na sala de aula e fui falar com a professora.

- Dona Engrácia, Cecília não teve nada a ver com isso. Fui eu que joguei minha prova na mesa dela. Poupe Cecília. – falei enquanto nossos colegas davam risada de minha cara.

A professora olhou pra mim, pensou e respondeu:

- Tudo bem Pedro, zero pra você e metade dos pontos que Cecília tiver feito até agora.

Saí da sala satisfeito. Tinha certeza que Ciça havia feito o suficiente para passar.

Ao longo da faculdade tive tanta dificuldade com francês, repeti tantas vezes a matéria que a grade mudou, francês virou espanhol e eu quase tenho que fazer tudo de novo. No fim, a faculdade abriu uma turma pra quem devia Francês III e eu enfim passei. Hoje, as únicas palavras da língua francesa que eu sei falar são: croissant, abajur, garage, Elle et Lui e, em homenagem à redentora de Cecília, Mon Bijoux.

(Sandra, me perdoe)

* Sandra é minha irmã e acha que eu me exponho demais no blog.

quarta-feira, setembro 24, 2008

Elias e seu insuperável óculos Armani de U$ 700,00.


1998. Passaram-se 10 anos, mas parece que foi ontem a primeira vez que vi Elias com seus óculos Armani de 700 doletas. Pra falar a verdade, o acessório não fazia nem um pouco meu estilo, mas dava pra ver que era algo caro realmente. E Elias fazia questão de exibir sua aquisição Made in Italy.

Era uma típica manhã de verão em Salvador, pleno dia de semana e a cidade transpirava férias. Transpirava era a palavra certa. Calor estúpido, praias lotadas, pouquíssima roupa e, na mesma proporção, pouquíssimo trabalho.

- Vamos para o Wet´n Wild? – sugeriu Pico a mim e a Elias, os três completamente ociosos, aguardando nada acontecer.

Ok, topamos. Cada um pegou sua mochila e nos encontramos na garagem do prédio. Quando meu carro já estava quase fora do portão, Elias deu um grito:

- Meus óculos! Deixei em casa, pára o carro!

Era o tal Armani de 700 dólares. Malditos óculos. Cinco minutos depois, entra de volta Elias no carro com um paninho especial - provavelmente Armani - limpando cuidadosamente as suas lentes. Até aí tudo bem, não fosse o jeito pra lá de pirracento de Elias.

No caminho para o parque aquático, paramos em uma sinaleira. Ao nosso lado parou um outro carro com três gatinhas dentro. Provavelmente estavam indo à praia ou, com alguma sorte, ao Wet´n Wild também. Comentei:

- Olha isso aqui...

Os outros dois tarados rapidamente se animaram, nem mais sinal da leseira dos 40º de calor. Alvoroço no carro. Opa, nos dois carros. Risos, sorrisos e olhares trocados.

- Vocês sabem por que elas estão dando esse mole, não é? – disse Elias – Porque viram meus óculos.

Viado. Eu tinha um Gol TSi preto na época, bancos Recaro, rodão, top de linha, e ele dizendo que as meninas tinham ficado empolgadas com os seus óculos. (Reparem que a gente achou que elas tinham gostado de tudo, menos de nós). Elias estava apenas iniciando a sua encheção de saco com seu Armani.

Chegamos ao parque. Lotado, mas muita menininha bonita de biquíni. Fomos andando. Andando e olhando.

- Vamos fazer assim: deixa eu ir um pouco na frente, vocês vêm logo atrás. Desse jeito eu vou chamando a atenção das meninas com meus óculos e vocês pegam o que sobrar... – disse o debochado Elias.

E continuou durante o resto do dia:

- Vem cá, vocês não estão com os olhos irritados? Esses óculos de vocês de 10 reais acabam com a retina, viu? Claro que não são anti-raios UVA e UVB como o meu Armani... mas se bem que eu tenho olhos azuis e vocês não têm.

Se não fôssemos tão amigos, acho que eu e Pico já tínhamos afogado Elias na piscina. Depois de muita chateação do nosso agradável companheiro, voltamos para casa. No caminho, em plena Avenida Paralela, por conta de um pigarro que o acompanhava por toda a vida, Elias pôs-se a cuspir através da janela do carro. Colocava a cabeça inteira para fora da janela e cuspia. Em uma das vezes, ainda com o corpo dependurado, ele começou a bater na lataria do carro e a gritar freneticamente. Só depois de um tempo, por conta do vento, pudemos entender o que ele urrava:

- Pára!!! Pára!!! Pára!!!

Com muito traquejo, consegui parar o carro na avenida mais veloz da cidade. Mal encostamos e Elias saiu correndo pela calçada que nem um louco, em sentido contrário ao que vínhamos. Se aquela fosse uma prova de 100 metros rasos, ele certamente ganharia. Elias se afastou tanto que tivemos que dar a volta para buscá-lo. O encontramos sentado na calçada, olhar desolado. Segurava um pequeno pedaço de ferro na mão, parecia um arame. Demoramos a entender do que se tratava: aquilo era o que havia restado de seu Armani depois de ter caído na pista durante uma das cusparadas. Um ônibus tinha passado por cima. Elias, com o queixo trêmulo e lágrimas nos olhos, suplicou:

- Não riam... por favor, não riam...

Antes daquele fatídico dia, nem eu, nem Pico, havíamos rido tão alto e com tanto gosto quanto rimos durante aquele belíssimo fim de tarde do verão da Bahia.

domingo, setembro 21, 2008

Homenagem ao morto. (Ou as histórias do Boliche Humano e do Rodeio de Empregada)


Outro dia fui a um velório do pai de um amigo. Definitivamente não é meu programa favorito. Primeiro que a gente nunca sabe direito como se portar. Eu pelo menos não sei. Normalmente não se tem nenhuma intimidade com o morto – quando vivo, obviamente -, mas é necessário fazer um semblante carregado, falar com a família quando não se tem o que dizer, chegar à beira do caixão, olhar o morto como se estivesse lamentando a sua ida. Eu odeio olhar o morto. Nessa hora eu costumo mirar uma coroa de flores e desfoco a imagem do defunto.

Já ouvi casos engraçados sobre velórios e enterros que são fruto do desconforto que as pessoas sentem nestas ocasiões. Uma vez me contaram que uma pessoa foi falar com a viúva e ao invés de dizer “sinto muito” falou “parabéns”. Ouvi também sobre outra que mal conhecia o finado, chegou perto do caixão, olhou, olhou e deu dois beijos no morto, um em cada bochecha, como quem diz “oi, tudo bem?”. É muita piração pra minha cabeça.

Mas, vou voltar ao velório que deu origem a este post. Cheguei a uma das saletas do Jardim da Saudade e cumprimentei meu amigo, sua mãe e seus irmãos. Depois, completamente deslocado, me juntei a uma rodinha de pessoas. Nesse tipo de reunião sempre tem alguém mais saudosista que fica contando histórias do sujeito que se foi. E o pior: o pobre do morto nem pode se defender. Para minha surpresa, as lembranças não eram do tipo “Beltrano era uma pessoa espetacular”, “O céu ganhou mais um santo”, “Poucas são as pessoas iguais a Beltrano”. Um senhor, primo do finado, foi o encarregado da oratória de rodinha de velório. Falava ele em tom solene:

- Beltrano vai deixar saudade. Lembro de quando éramos jovens, ele tinha um Karmann Guia e adorava fazer boliche humano.

Eu que nem estava prestando muita atenção na conversa, me perguntei: será que eu ouvi boliche humano? Uma das pessoas da roda perguntou do que se tratava. Ainda bem, senão eu ia acabar perguntando. O tiozão continuou. Contava como se realmente fosse algo épico:

- A gente voltava das festas de madrugada, o dia amanhecendo. E Beltrano sempre pedia pra fazer boliche humano. Ele ficava em cima do capô do carro, agachado, e eu ia dirigindo. Quando desenvolvíamos uma boa velocidade, eu apontava o carro pra algum ponto de ônibus que tivesse gente e freava de vez. Ele era lançado como uma bola em direção às pessoas e derrubava boa parte delas.

O sujeito contou a história sem rir. Já eu não consegui, dei risada e acabou saindo alto. Foi sem dúvida o hobby mais esquisito que eu já ouvi. Principalmente contado em um velório.

Não satisfeito com sua nobre lembrança do morto, o cara engrenou outra:

- Tinha também o rodeio de empregada...

Não era possível, eu pensava. Ou é pegadinha ou esse cara é doido ou o próprio defunto era pirado. Após uma pequena pausa de reverência ao passado o tio sem-noção continuou:

- Beltrano não podia ver uma empregada andando na rua que pulava nas costas dela e a gente cronometrava quanto tempo ele conseguia permanecer com ela se debatendo.

Não só eu, mas todo mundo começou a rir e a rodinha se desfez, cada um pra um canto buscando evitar constrangimentos. Me despedi de todos e segui em direção à porta de saída da salinha. Desviei os passos e fui até o caixão. Olhei o morto sem sentir agonia, apenas admiração. Pena que não o conheci em vida. Tinha virado fã póstumo de Beltrano.

sexta-feira, setembro 19, 2008

Dan Tech e seu colchão da NASA.


Daniel sempre foi meio Professor Pardal. Desde pequeno o cara era aficcionado por tecnologia, fato que lhe rendeu o apelido de Dan Tech. Enquanto todo mundo tinha um iô-iô peba da Coca-Cola, Dan Tech se divertia com um de pilha que acendia luzes. Enquanto todo mundo tinha um Pogobol, Dan Tech tinha uma engenhoca de molas que pulava o triplo da altura que nosso simples brinquedo alcançava. Dan Tech era aquele pentelho que sabia consertar qualquer coisa. Desmontava aparelhos, os remontava, sobravam parafusos e ainda assim tudo funcionava no final. Você consegue imaginar uma criança de 10 anos fascinada por uma Centrífuga Wallita? Esse era o menino Dan Tech. Hoje Daniel é engenheiro de áudio e ganha a vida mexendo em mesas de som mais complexas que qualquer painel de avião.

Mas, ainda na nossa infância, Daniel um dia interfonou para meu apartamento eufórico:

- Pedro, suba aqui, velho! Minha mãe comprou um colchão desenvolvido pela Nasa.

O máximo de tecnologia que eu curtia era meu Master System. Qual seria a graça de um colchão?

- Tá bom, Daniel, tô indo aí... – falei com o entusiasmo de uma criança num aniversário de 80 anos.

Peguei o elevador e cheguei na casa de Dan. Sorte dele que morávamos no mesmo prédio. Não daria mais 5 passos do que já tinha dado para ver um colchão tecnológico. Ele me aguardava ansiosamente na porta. Fomos até o quarto de sua mãe. Diante da cama, ele puxou de vez o lençol como quem descortina uma placa de inauguração. Seus olhos transbordavam orgulho. Pra mim parecia um colchão normal. Antes de eu verbalizar isso, Daniel começou sua explicação com ar de professor do Massachusetts Institute of Technology:

- Dentro dessas fibras mais pontiagudas, existem esferas magnetizadas que reenergizam o corpo humano.

Aquilo teria vindo da Nasa ou de um terreiro de candomblé? Não quis perguntar pra não estragar o grande momento do cara.

- Está comprovado cientificamente que cada hora dormida nesse colchão equivale a 8 horas de sono em um colchão normal. – disse Dan realmente convencido da bobagem que estava falando.

- Deite aí e me diga se você não se sente mais descansado. – insistiu Daniel.

Por alguns instantes achei que Daniel tinha virado viado. Conversa estranha de deitar na cama pra ver se eu me sentia mais descansado. Mas não. O cara realmente queria me convencer de que aquele absurdo era verdade. Deitei.

- Porra Daniel, tem prego nessa cama é? – imediatamente eu já estava de pé de novo.

A sensação era de estar deitado em uma cama de faquir. Mais dez segundos deitado no colchão e as tais esferas magnetizadas teriam perfurado as minhas costas. Daniel me olhou com desdém, fez um sinal pedindo licença e deitou na cama. Fechou os olhos por cerca de um minuto. Uma verdadeira eternidade.

- Daniel, que diabo você tá fazendo? – perguntei já de saco cheio, provavelmente lembrando que estava perdendo um capítulo de Carrossel.

- Shhhhhhh! – retrucou Dan Tech sem abrir os olhos.

Mais alguns segundos e, de repente, Daniel deu um pulo da cama, aliás, quase um salto ornamental e caiu em minha frente dizendo:

- Bicho... parece que dormi por 2 horas! Incrível, tô novo.

Fui pra casa imaginando como devia ser chato pros pais de Dan Tech passarem a madrugada inteira acordados. Provavelmente assistiam Corujão, Sessão de Gala e Telecurso 2º Grau durante as horas de sono que o colchão roubava de suas noites.

quinta-feira, setembro 18, 2008

A bomba dentro do elevador.

Antes que você me ache um louco, vou tentar dar uma explicação freudiana – a única que encontrei, inclusive - para o meu fascínio por este assunto. Talvez, por ser um cara meio introspectivo com certa dificuldade para explodir, me realizo explodindo outras coisas.

Soltar fogos de artifício sempre foi um grande hobby meu. Bombas, rojões, vulcões, adrianinos, girândolas, espadas, enfim, tudo o que contém pólvora e pode causar queimaduras graves. Por conta dessa paixão, já consegui fazer algo que hoje seria inimaginável: quando fui à Disney com 12 anos de idade, embarquei no avião com 10 bombas de mil dentro da mala. Nos dias atuais, no mínimo, eu seria preso como um membro-mirim da Al-Qaeda. Outra prova deste amor pela pirotecnia foi quando eu ganhei meu primeiro salário de estagiário. Recebi o contra-cheque às vésperas do São João, peguei os pioneiros 300 contos que ganhei com meu suor e investi tudo em fogos. Quase perco a namorada da época. Mas olhe como é a vida: logo depois o namoro morreu de causas naturais e, se eu tivesse ouvido seus lamentos, perderia a inédita oportunidade de chegar numa fazenda com 2 malas recheadas de bombas e afins. Sensação inexplicável.

Bom, lá pelos meus 12 anos, em plenas férias, cansado de jogar vídeo-game, assistir Sessão da Tarde e comer Bono de chocolate, tive uma das idéias mais brilhantes de minha vida. Havia uma sobra de bombas de mil que restaram do último São João. Pra quem não conhece, este explosivo carinhosamente apelidado de “arranca-mão” é uma mini-dinamite que tem a venda proibida nas feiras de fogos.

Fiz o seguinte: retirei cuidadosamente toda a pólvora de dentro da bomba e então recoloquei o pavio. Sem pólvora, sem explosão. Depois, peguei uma caixa de fósforos e fui até o apartamento de Juninho, um amigo do mesmo prédio. Chegando lá, nem o cumprimentei, apenas mostrei o artefato. Seus olhos brilharam. Ele havia mordido a isca.

- E então, vamos soltar? – perguntei em tom desafiador.

- Vou pegar minha sandália – disse Juninho e logo disparou em direção à porta.

Esperando o elevador, a ansiedade adolescente de meu grande amigo aflorava. Falava do estrago que uma bomba daquelas causava, que um dia conheceu um cara que havia perdido a mão acendendo uma, de outro que tinha ficado surdo por conta da explosão, de uma lata de leite Ninho que havia entrado em órbita ao ser colocada em cima da bomba e outras fantasias que a fertilidade de nossas mentes permitia. O elevador chegou, entramos.

Assim que a porta se fechou, comecei a passar levemente o pavio da bomba na esteira da caixa de fósforos. Juninho olhou pra mim incrédulo. Fazendo um gesto como se fosse me segurar, falou:

- Você tá louco? Quer explodir o elevador?

- Calma, não vai acender não... – respondi com muita serenidade.

Continuei arrastando o pavio contra a esteira da caixa e Juninho deu um grito:

- Pare! Você vai matar a gente!

Então, o pavio acendeu. Usei meus dons que a Globo ainda não descobriu, fiz uma cara de pânico e joguei a bomba no chão do elevador que devia ter menos de 1 x 1 metro. Juninho, num rompante de desespero, tentou escalar a parede. Ao perceber que seria impossível, espremeu-se numa quina, fechou os olhos com força, comprimiu os ouvidos com as mãos, parecia querer atravessar a parede. Curiosamente, talvez por instinto, ele colocou um dos pés sobre a bomba, como se quisesse proteger o resto do corpo. Obviamente, hoje, Juninho estaria perneta.

O elevador descia e Juninho se contorcia mais e mais. Tremia, apoiado em um pé só. Aguardava apenas a devastadora explosão. Após um tempo, o pavio foi completamente consumido, o elevador já tinha chegado no playground, mas Juninho não saía de seu posto. Perdera totalmente a noção de tempo. À essa altura, eu convulsionava de tanto rir. De repente, ele abriu um dos olhos e ficou olhando fixamente para a bomba no chão. Aguardou ainda mais uns 10 segundos sem parar de fitá-la. Quando notou que não havia mais perigo, olhou pra mim com olhos esbugalhados e falou:

- Puta que pariu! Hoje é nosso dia de sorte... deu chabu!

segunda-feira, setembro 15, 2008

Tio fulano e meu teste de HIV.


Assumo, sou um cara extremamente hipocondríaco. Cheguei a cultivar o sonho de ser médico, mas me convenci que jamais daria certo: a cada doença que eu estudasse, fatalmente sentiria os seus sintomas. Hoje, quando eu começo a ler alguma coisa e vejo que tem a ver com doença, pulo para outra matéria. Se eu estiver assistindo TV e o assunto também for doença, eu dou mute ou então começo a cantarolar alto. O negócio é não saber do que se trata, senão já era. Sou tão hipocondríaco que já tenho até o epitáfio para minha lápide: “Viu que eu estava doente?!”.

Bom, eu tenho um grande amigo de infância que é médico. Uma figura espetacular. Só tem um defeito: adora falar de doenças. Há uns 12 anos, quando havíamos acabado de entrar na faculdade, ele era até pior. Empolgado, vivia comentando de tudo que aprendia. Cada doença mais escabrosa que a outra. Ele contando e eu sentindo os sintomas.

Um belo dia, ele resolveu falar tudo o que havia aprendido sobre HIV. Eu entrei em pânico. E o pior, sem motivo algum. Mas o fato é que naquela época ainda não existia o coquetel que hoje faz os doentes conviverem relativamente bem com a doença. Era uma cruel sentença de morte. Enquanto ele falava sobre a AIDS como quem fala sobre a Disneylândia, eu me olhava no espelho do quarto e já estava me achando mais magro. Lembrei também que eu havia tido uma dor de barriga há mais ou menos duas semanas. Sem contar que eu estava sentindo um pouco de enjôo ouvindo tudo aquilo. Pronto. Eu estava com AIDS.

Não tive outro jeito a não ser apelar para Tio Fulano (vide post “- Dona Terezinha, Pedro não pode ser contrariado”). Fui até sua casa, precisava urgentemente de uma requisição de exame para HIV. Mas tinha um problema: por conhecer demais a mim e a minha hipocondria crônica, ele nunca me levava a sério. Cheguei lá e procurei disfarçar o nervosismo:

- Tio Fulano, tem muito tempo que eu não faço um exame de sangue, você pode me passar uma requisição?

Ele pegou seu receituário, rabiscou algumas coisas e me entregou. Consegui ler um monte de coisa, menos algo que falasse em HIV, AIDS ou ELISA e Western Blot (sim, eu já tinha pesquisado na internet tudo sobre a doença e seus exames diagnósticos). Aí perguntei a ele meio sem jeito:

- Tio Fulano, não tá faltando nenhum exame aqui não?

- Não, Pedro. Você não tem nada. – respondeu Tio Fulano com sua habitual falta de paciência diante de minha hipocondria.

Tive então que ser claro. Expliquei a ele que eu estava sentindo isso e aquilo, estava mais magro, dor de barriga, enjôo e todos os demais sintomas da AIDS. Ele perguntou se eu usava camisinha. Respondi que, como bom hipocondríaco, usava duas para garantir. O que falta a ele de paciência, muitas vezes também falta de tato:

- Isso é que não pode. Usar duas camisinhas aumenta o risco. Com o atrito entre elas, o látex pode fissurar...

Eu sabia. Tinha alguma coisa errada comigo. Eu estava com AIDS. Supliquei:

- Meu tio, me ajude, me dê logo essa requisição de exame.

Tio Fulano mandou eu ir ao hospital onde ele trabalha. Lá, iria agilizar as coisas no laboratório. Não dormi. Amanheci no posto de coleta de sangue. Após o exame, perguntei a ele:

- Fica pronto hoje?

Tio Fulano sorriu um sorriso irônico e respondeu:

- Uma semana, no mínimo.

Uma semana sem dormir. Nesse meio tempo, fiquei intrigado com uma coisa. Quando um exame desse tipo dá positivo, simplesmente entregam o resultado ao paciente? Não podia ser assim, ia ter um monte de gente cometendo loucuras diante de um envelope aberto. Sem agüentar as intermináveis perguntas e aproveitando a última gota de paciência que lhe restava, Tio Fulano respondeu:

- Funciona assim: caso dê positivo, o laboratório entra em contato com o paciente e diz que o sangue coagulou e que é necessário coletar outra amostra. Com esta segunda amostra, faz-se o teste confirmatório e, dando positivo de novo, o resultado é dado com acompanhamento psicológico.

Morrendo de medo do laboratório me ligar, todos os dias eu enchia a paciência de Tio Fulano perguntando a cada 10 minutos se o exame já estava pronto. Enfim, um dia liguei para seu celular e ele disse apressado:

- Tô no meio de uma cirurgia, seu exame está pronto e eu já mandei buscar no laboratório. Tchau.

Fui para a casa dele e descobri que 30 minutos podem demorar mais para passar do que 3 meses. Ele chegou e eu devo ter feito uma cara apavorada de “e aí?!?”. Ele fez um gesto de mão como quem diz: quem já esperou uma semana, espera eu chegar direito em casa. Fomos pro seu gabinete, eu suava frio. Pedi que não ligasse o ar-condicionado. Tio Fulano, de maneira inédita, andava a passos lentos, gesticulava de forma lenta. Parecia que tinha passado a tarde fazendo ioga.

- Sim, meu tio... – balbuciei, buscando acabar com o suplício.

- Só um minuto, vou ao banheiro. – disse ele, quase um monge.

Deve ter sido o xixi mais longo de toda a história. Ele retornou. Sentou diante de mim em sua enorme cadeira presidente. Nem forças para perguntar mais uma vez eu tinha. Silêncio. Olhando para mim, ele disse:

- “Meu tio”, você vai ter que voltar lá comigo amanhã... seu sangue coagulou.

Não lembro de muita coisa depois disso. Apenas de começar a ver tudo ficar preto. Tio Fulano conta que, com feições de fantasma, eu chorava, me apegava a Deus e Nossa Senhora e falava sem parar:

- Eu sabia que eu estava com AIDS! Meu tio, eu sabia! Por que eu??

Com um semblante de surpresa e preocupação, ele segurou em meu braço gelado e dizia entre gargalhadas estrondosas:

- “Meu tio”, é brincadeira! Deu negativo!

- Não, eu sei que eu tô doente! Eu vou morrer. Você só tá falando isso pra me confortar... – dizia, querendo me conformar com meu calvário.

Devo ter tomado uns dois tapas na cara pra voltar à realidade. E, depois desse dia, jamais tornei a pedir a Tio Fulano uma requisição de exame.

quinta-feira, setembro 11, 2008

Cicrano e seu nunchako.


Sabe aquela pessoa que todo mundo gosta e ninguém tem nada para falar mal? É Cicrano. Sou muito amigo de Cicrano, tive a honra de ser seu padrinho de casamento. Mas, se bem que, pensando melhor agora, Cicrano tinha um defeito: ele era um pouco machista, portanto, de vez em quando, demonstrava certo ciúme e se a gente vacilasse, ele partia pra cima de algum cara que fosse mais gaiato.

Na época, o restaurante da moda era o japonês Soho na ladeira da Barra. Cicrano foi jantar lá com a namorada e um casal amigo. Reservaram o tatame, o ambiente mais cobiçado do lugar. Estavam os 4 lá dentro, bem acomodados, dando boas risadas, aproveitando os melhores sushis e sashimis, quando de repente algum desavisado abriu a porta do tatame, talvez imaginando que ali fosse o banheiro. O rapaz sorriu e voltou a fechar a porta. Foi o suficiente.

Após este acontecimento, Cicrano já não mais conseguia prestar atenção na conversa da mesa. Ficou quieto e contemplativo. Após um tempo, levantou-se sem dizer nada e saiu do tatame. Passou pela mesa do suposto paquerador de mulher alheia, olhou fixamente para o cara com sangue nos olhos. O azarado retribuiu o olhar com um gesto de cabeça como quem pergunta: “qual o problema?”.

Cicrano manteve a calma e saiu andando em direção à porta. Só Deus sabe como ele se controlou. Lutador de artes marciais desde pequeno, talvez tenha retirado de dentro de si a maior lição que o oriente o ensinou: a paciência.

Ele foi até o carro e, embaixo do banco, encontrou o que queria: seu nunchako (seja lá como se chama). Pra quem não sabe, o nunchako é uma arma letal composta por duas barras de ferro interligadas por uma corrente. Nada muito delicado. Esta modalidade quando bem lutada parece um verdadeiro malabarismo cheio de movimentos e passagens rápidas de uma mão para a outra. O lutador se movimenta mais ou menos como o Tazmania.

Cicrano não pensou duas vezes. Deu um chute na porta do restaurante e entrou girando o seu nunchako, passando por entre as mesas em uma coreografia alucinante. Os garçons, assustados, tiravam suas bandejas da frente e alguns correram para a cozinha. Naquela fatídica noite, Cicrano mostrou tudo o que havia aprendido nas aulas de Kung Fu com ênfase em nunchako.

No primeiro momento, os presentes no restaurante também levaram um susto. Logo em seguida, começaram a aplaudir com empolgação, imaginando ser aquilo uma performance contratada pelo estabelecimento. Afinal, a especialidade da cozinha do lugar era oriental.

Percebendo a movimentação diferente no restaurante e também a demora de Cicrano, sua namorada e o casal amigo saíram do tatame para ver o que estava acontecendo. Surpresos com tudo aquilo, foram em direção a Cicrano, um verdadeiro liquidificador humano girando por entre as mesas. Seguraram o rapaz e o levaram de volta para dentro do tatame com nunchako e tudo. Lá dentro ele aparentemente se acalmou. Mas só aparentemente. Ficou aguardando com paciência a silhueta de seu desafeto levantar da mesa e ir embora. Quando isso aconteceu, ele pediu licença para ir ao banheiro, abriu a porta do tatame e apressou o passo para alcançar os rapazes que já estavam indo embora. Não houve tempo. Todos entraram no carro e já estavam subindo a ladeira quando Cicrano, esbaforido, apareceu na porta. Num ato de nobreza, o rapaz que estava na mesa e que agora ocupava um lugar no carona chamou Cicrano, estendeu a mão direita aguardando um aperto de mãos, um acordo de paz. Cicrano, mais uma vez, não titubeou: apertou a mão do cara e o puxou com toda força para fora do carro. O rapaz ficou pendurado. Os amigos segurando sua perna e o puxando de volta para dentro e Cicrano tentando vigorosamente puxá-lo para fora. Como este era um cabo de guerra de 3 contra 1, os amigos do sortudo venceram. Aos cânticos barulhentos dos pneus, rapidamente o carro sumiu do lugar.

Quando perguntei a Cicrano porque ele havia feito aquilo, ouvi uma resposta cheia de segurança:

- Sou otário? Ele queria era me segurar e arrastar o carro. Já fiz isso uma vez...

quarta-feira, setembro 10, 2008

- Você é porco, é, Márcio?!


Tenho um grande amigo chamado Gera que já prometeu parar de falar comigo caso eu pedisse mais uma vez que ele contasse a história do porco. Eu assumo, às vezes insisto tanto que me torno um sujeito chato.

E então, Gera, você vai contar? Conta só mais uma vez a história do Porco. Conta, Gera?

Ok, já que ele não vai contar, eu conto.


Era uma vez duas amigas de Gera em uma casa de praia. Sol, mar, verão. Tudo iria muito bem se não fosse um problema: Betinho, um rapaz com síndrome de down e que passava o dia inteiro provocando as meninas.

- Vocês duas, hein? São namoradas que eu sei, hein? Estão namorando, vocês duas... ficam até nuas uma na frente da outra... – dizia Betinho, sem dar trégua às pobres coitadas.

Elas, já sem a menor paciência, em determinado momento explodiram pra cima do inconveniente rapaz:

- Pára de encher o saco, Betinho! Fica aí dizendo bobagem, aposto que nunca viu uma mulher pelada.

Betinho defendeu-se prontamente:

- Eu já vi sim! Já vi uma mulher peladinha...

- Ah, é?! E quem foi? – perguntou uma delas.

- A namorada de meu primo Márcio – disse Betinho cheio de orgulho.

O tal Márcio era conhecido das meninas. Logo, a curiosidade era inevitável. Perguntaram o que havia acontecido e Betinho, triunfante, contou:

- A gente estava na casa de praia, um monte de gente, a casa cheia. Minha avó mandou eu dormir no mesmo quarto de Márcio e a namorada. Aí eu fui bem cedo pra cama, fiquei lá deitado, todo coberto, fingindo que estava dormindo, um olho aberto e o outro fechado... já estava cansando de tanto esperar, o corpo todo doendo, mas aí os dois entraram no quarto. E eu lá, fingindo que estava dormindo, um olho aberto e o outro fechado... aí eles começaram a se beijar e ficaram se beijando um tempão... Márcio beijou o pescoço dela, ficou beijando, beijando... depois tirou a blusa dela e começou a beijar até o peito da menina!

As meninas fizeram um esforço hercúleo para não rir. Betinho continuou:

- Depois, Márcio colocou ela de costas, tirou a calça dela, tirou até a calcinha! Ela ficou pelada! Aí ele beijou as costas, foi descendo e beijando, descendo, beijando... aí começou a beijar o c* dela... nesse momento eu não aguentei. Dei um pulo da cama e gritei: você é porco, é, Márcio?!?

As duas se desfizeram em gargalhadas. Betinho, não perdeu o embalo:

- Aí os dois tomaram um susto, saíram da cama, foram correndo pro banheiro e se trancaram. Eu fui atrás e fiquei olhando pelo buraco da fechadura, vendo tudo e gritando: eu tô vendo viu, seu porco! Pare com isso, Márcio! Seu porco!!

Não preciso dizer o quanto essas meninas deram risada. Elas e todos que já tiveram a oportunidade de ouvir Gera contar a história. Mas uma coisa não sai de minha cabeça: o que teria tomado Márcio para não sair do clima e ainda continuar a brincadeira no banheiro?

segunda-feira, setembro 08, 2008

Duda Mendonça, eu e, infelizmente, Jane.


Eu tenho um ídolo na propaganda: Duda Mendonça. Penso que ninguém consegue criar comerciais que consigam emocionar tanto quanto ele. A campanha de Lula 2002 foi uma prova disso. Afinal, quem não “se sentiu um pouco PT”?

O fato é que, um pouco antes da campanha de 2002, eu aguardava ansiosamente o lançamento do livro de Duda, Casos & Coisas. Foi quando soube que a Rádio Metrópole iria entrevistá-lo e quem telefonasse para lá e respondesse corretamente uma pergunta relacionada a propaganda ganharia, em primeira mão, seu livro autografado.

A entrevista estava marcada para meio dia, meio dia e poucos minutos. Meio dia em ponto eu saí correndo da Propeg, a agência que eu trabalhava na época. Liguei o som do carro, sintonizei na Metrópole e fui tentando telefonar do celular repetidas vezes para a rádio. Ocupado. Fui da ladeira da Barra até minha casa tentando. Ocupado.

Cheguei em casa, estacionei o carro do jeito que deu, não esperei o elevador e subi correndo pelas escadas. Passei como uma flecha pela cozinha, só deu tempo de ouvir Jane, a empregada, dizendo que já ia colocar o almoço na mesa. Nem respondi, peguei o telefone sem fio e me tranquei no quarto. Ligando do celular e do fixo ao mesmo tempo dobravam-se as minhas chances de conseguir falar com Duda e ganhar o livro.

Redial, redial, redial. Depois de muitas tentativas, consegui através do fixo.

- Senhor, por favor aguarde na linha que o senhor é o próximo a entrar no ar. – disse a moça da rádio.

Jane trabalhava lá em casa há uns 2 anos. Mas quem via a forma com que ela me tratava, sempre achava que ela tinha me visto nascer. Era do tipo mãezona: - menino, você não está comendo direito... menino, essa roupa está amarrotada, me dê que eu vou passar...

Mas, às vezes, Jane se passava. Enquanto eu, concentrado, esperava a minha hora de ir ao ar, pensando em coisas inteligentes para falar com Duda, Jane começou a bater na porta do meu quarto de 2 em 2 minutos:

- Pedro, o almoço tá na mesa!

- Já vou Jane!! – eu respondia cada vez mais impaciente.

Continuei com o telefone no ouvido. A mulher da rádio fez de novo contato comigo:

- Senhor, vamos colocar no ar os comerciais e o senhor entra assim que eles terminarem.

Aproveitei, destranquei a porta, fui até a cozinha e bradei com Jane:

- Jane, pare de bater em minha porta, eu sei que o almoço está na mesa, já estou indo.

- Vai esfriar... – Jane deu de ombros.

Voltei para o quarto, tranquei a porta e retomei o meu raciocínio. O que eu ia dizer quando falasse com Duda? Todo mundo fica meio babaca quando vai falar com alguém que admira. Principalmente se é alguém muito inteligente. Pelo menos já tinha dado um jeito na inconveniente da Jane. Opa, de novo a mulher:

- Senhor? Mário Kértsz (o apresentador do programa) vai chamar o seu nome agora.

Eis que acontece o seguinte diálogo no programa de maior audiência da Bahia:

- Pedro Valente na linha 6. Boa tarde, Pedro! Duda está ouvindo, pode falar. – disse Mário.

Com toda reverência, comecei:

- Boa tarde Duda. Queria dizer que te admiro muito como criativo. Ninguém consegue tocar tanto o coração das pessoas através da propaganda quanto você. Quero desejar também muita sorte na campanha deste ano e blá, blá, blá...

Ainda não tinha terminado a puxa-saquice quando ouvi um barulho de alguém pegando na extensão:

- Ó, já disse que o almoço tá na mesa! Sua mãe tá esperando... venha logo almoçar, menino! – disse Jane, gritando ao vivo na rádio para Duda e todo o estado.

Incrédulo, eu dizia rangendo os dentes:

- Desliga! Desliga!

Mário Kértzs:

- Entrou linha cruzada na 6!

- ... venha logo que já são quase 1 hora da tarde! – desligou Jane.

Eu não sabia mais o que falar. Tive vontade de desligar o telefone. A mais genuína vontade de sumir. Então Duda falou:

- Pedro, obrigado! Me diga o nome de 3 grandes agências de Salvador que o livro é seu.

- Idéia 3, Propeg e Publivendas. – falei atropelando, vomitando palavras, louco para acabar com aquilo.

- Ok, ganhou o livro! – disse Duda fazendo uma pequena pausa e continuando logo em seguida – Mas olha Pedro... é melhor você ir almoçar, a comida já deve estar fria.

Desliguei o telefone e fui andando em direção a cozinha com um claro objetivo: cometer um assassinato. Mas meu celular tocou, voltei para atender. Aquela foi a primeira de uma centena de ligações que recebi ao longo do dia de amigos publicitários perguntando se eu já tinha ido almoçar e se o almoço estava frio.

sexta-feira, setembro 05, 2008

- Dona Terezinha, Pedro não pode ser contrariado.


Em muitas situações complicadas da minha vida, sempre pude contar com Tio Fulano. Tio Fulano é um cara que tem uma personalidade forte, às vezes tem um jeito meio ACM de ser. Eu explico: se ele vai com sua cara, você é a melhor pessoa do mundo, ele mata e morre por você. Mas, se o santo não bater, quando encontrar com ele, passe para o outro lado da calçada. Enfim... ainda bem que pertenço ao primeiro grupo e, desde que eu era pivete, ele sempre esteve pronto para me ajudar no que fosse preciso. Tio Fulano é um grande médico, diretor de hospital, um cara realmente bom no que faz e reconhecido nacionalmente.

Eu estudava no Anchieta e estava prestes a perder o 2º ano do ensino médio. Naquela época, existia uma saída para alunos aplicados como eu: o Colégio São José, apelidado carinhosamente pelos alunos – normalmente filhos de famílias abastadas de Salvador – de San Joseph High School.

No São José só faltava a chaminé. Aquilo era uma fábrica. Pagou, passou. Mas tinha um porém: só quem tinha muita influência ou dinheiro conseguia a proeza de não assistir aula e nem nunca aparecer no colégio. Como eu queria fazer cursinho pré-vestibular, eu precisava conseguir ser liberado das aulas. O jeito foi apelar a Tio Fulano.
Fomos no seu carro em direção ao San Joseph conversando amenidades. Não esqueço da cena, ele de terno, gravata e maleta, parado na frente do colégio e me perguntando:

- Vem cá, o que é que eu tenho que dizer?

Eu respondi:

- Meu tio, não sei... eu só sei que eu não posso ficar vindo nesta espelunca assistir aula. Preciso me preparar pro vestibular.

Tio Fulano, homem de decisões rápidas e gestos bruscos, retrucou antes de eu terminar:

- Ok, deixe comigo.

Andando pelo corredor deserto do colégio, ele completou:

- Não fale nada, fique calado.

Apareceu então uma senhora baixa, notoriamente acima do peso e com fartos anéis dourados nos dedos. Era Dona Terezinha, diretora do colégio ou, como queiram, superintendente da fábrica. Nos convidou a entrar em sua sala. Obedeci Tio Fulano: mal dei bom dia, sentei na cadeira e calado fiquei. Primeiro, ele se apresentou, deu todas as suas credenciais, as suas altas patentes. Astuto, ele queria mostrar prestígio para conseguir o que queria. Dona Terezinha prontamente entendeu o recado e começou a tratá-lo com muita distinção. Puxação de saco mesmo.

Ali naquela cadeira eu era um mero detalhe, quase um vaso de planta. Tio Fulano rapidamente conseguiu dominar a situação e, se valendo do tratamento quase servil de Dona Terezinha, ele que já tem um tom de voz grave, começou a falar ainda mais firme e mais alto enquanto gesticulava com o dedo:

- Dona Terezinha, me escute com atenção: Pedro não pode assistir aula.

Achei que Tio Fulano tinha pesado a mão, foi muito rápido ao ponto. Um respeitado professor de medicina exigia, sem pudor algum, que seu sobrinho não freqüentasse a escola.

Dona Terezinha, talvez um pouco amedrontada, respondeu:

- Não se preocupe, doutor! Não se preocupe...

Ele aproximou o rosto e o dedo em riste da face assustada da diretora e continuou falando:

- Dona Terezinha, Pedro não pode ser contrariado. Pedro é doente. A senhora está entendendo?

Nesse momento a minha vontade era explodir em gargalhada. Mas continuei calado, ombros baixos e fitei o chão. Dona Terezinha talvez nunca tivesse visto tanta objetividade. Rapidamente ela resolveu o problema:

- Doutor, não se preocupe... Pedro já está passado. Estou garantindo ao senhor.

Tio Fulano me chama de “meu tio”. Ele olhou pra mim e falou alto:

- Você ouviu meu tio? O problema está resolvido.

Dona Terezinha repetiu baixo:

- ... está resolvido.

Tio Fulano apertou a mão de Dona Terezinha, deu um cartão de visitas e falou com firmeza:

- Qualquer coisa que a senhora precise, me procure.

A partir daquele dia, todo dia 5 eu passava lá para pagar a mensalidade. Nunca comprei o uniforme. Ao fim do ano, recebi meu boletim: História – 7,4. Português – 6,75 e por aí vai.

Sabendo desta história, um amigo meu que estudava no São José foi até a sala da diretora perguntar por que eu tinha sido liberado de assistir aula e ele não.

Impaciente, Dona Terezinha respondeu:

- Porque Pedro é doente!

quarta-feira, setembro 03, 2008

Atropela que é feia

Tem um amigo meu que é uma figura. Aliás, abrindo um parênteses, Deus gosta de mim, pois só me deu amigos figuras. Pelos nomes já dá pra ter uma noção: Donono (não é italiano, é que o sujeito mora no 9º andar), Bob, Cara-de-Mau, Chokito, Lívia Graúda, Paulinha mão-de-Playmobil e por aí vai… mas vou voltar a meu amigo protagonista deste post. O nome dele é Campelo. Alguém um pouco mais chegado a trocadilhos e que talvez já tenha vislumbrado suas vergonhas, o apelidou de “com pêlo”.

Publiciotário como eu, um excelente diretor de arte, talvez um dos 1.500 melhores de Salvador. O fato é que um dia, numa roda de amigos, conversando sobre os maiores foras de que a gente já tinha ouvido falar, eis que ele nos conta o que, na minha opinião, é o melhor. E mais: assim como neste post, ele era o personagem principal. Eu vou contar pra vocês, mas não contem a ele que fui eu que contei.
Ele tinha acabado de mudar de agência. Os novos colegas de trabalho, dando as boas-vindas, o chamaram para almoçar. Entraram 4 criativos no carro. Nosso amigo foi no carona, ao lado do motorista. Movido pela alegria da situação e perturbado por natureza, Campelo ia gritando coisas pela janela do carro. Como, por exemplo, ao passar por um ponto de ônibus cheio de trabalhadores, expressava-se:
- Olha o ooooooooooovo!
E que ninguém o julgue. Quem nunca fez ou teve vontade de fazer isso? (de gritar, não de jogar o ovo).
E assim foram. A cada oportunidade, uma nova manifestação de Campelo e novas gargalhadas dos passageiros. De repente, há uns 50 metros, uma mulher não muito favorecida fisicamente atravessa a faixa de pedestres. Sem pensar duas vezes, o efusivo rapaz colocou meio corpo pra fora do carro e soltou um grito alucinante:
- Atropela que é feeeeeeeeeeeeeeeeiaaaaaaaaaaaaaaaa!

O grito parecia não acabar mais, foi sem dúvida o mais empolgado do dia. E, para sua surpresa, o carro foi reduzindo a velocidade, reduzindo, reduzindo, reduzindo… até que o carro parou ao lado da mulher, ele ainda com metade do corpo para fora da janela. Sério, sem olhar para Campelo, disse o motorista:

- Você pode passar para o banco de trás para minha namorada entrar?

E seguiram os cinco. O som da alegria substituído por um silêncio fúnebre. No máximo, alguns risos quase mudos vindos dos dois amigos ao lado de Campelo.

Ribeira do Pombal X ginastas brasileiras

Pior de tudo… lembrei que eu também já fui protagonista de um fora Top Ten. Aliás, tenho dado foras com tanta freqüência que eu devia andar com uma pá pra facilitar cavar um buraco e me enterrar. Outro dia, andando na praia de Mar Grande, encontrei um vizinho, um cara mais velho, que só vejo de verão em verão. Vínhamos andando, um em direção ao outro. Quando nos aproximamos, falei com entusiasmo:

- Armando! Tudo bem?

Ele respondeu:

- Tudo ótimo. Mas meu nome é Tom Zé.

É, Armando e Tom Zé não são lá nomes muito parecidos.

Mas na verdade não era esse fora que eu ia contar, pois esse é um fora comum, padrão. Como dizem que problema e mulher só prestam grandes, o que eu vou contar é uma série de foras.
O fato é que eu estava na casa de um grande amigo meu, Limão. Ele e Mimi, sua noiva, haviam chamado eu e Letícia (minha namorada na época) pra tomar um vinho. Chegamos lá e fomos apresentados à irmã de Mimi, o namorado dela e uma prima das duas. No início, eu estava meio monossilábico, afinal não tinha intimidade com o pessoal. Depois da terceira taça eu fiquei tagarela e cheio de razão. Então aconteceu o primeiro fora da série. Na verdade, uma trilogia.
Comecei contando um caso. Todo mundo riu e alguém perguntou:

- Onde foi que isso aconteceu?

Eu disse:

- Ah, num interior bem brabo aí, no meio do nada, Ribeira do Pombal…

O cunhado de Mimi:

- Eu sou de lá.

A Bahia tem 417 cidades e eu acertei justamente a do cara. Dei duas gaguejadas e, pra rebater o embaraço, habilmente mudei de assunto. Olimpíadas chegando e eu soltei:

- Vocês já repararam como as ginastas brasileiras não têm o mínimo controle emocional? E digo mais, também não sabem aterrissar. Podem reparar: quando não caem de bunda, dão dez passos pra frente ou cinco pra trás, catam ficha e ainda têm a cara-de-pau de levantar os dois braços pra cima como se nada de errado tivesse acontecido.

Percebi que todos concordavam com uma cara meio sem graça. Até que a prima de Mimi, demonstrando bastante controle emocional, respondeu:

- Eu sou ginasta. Sou da equipe pernambucana de ginástica olímpica.

Foi meu último comentário da noite.
No dia seguinte, liguei pra Mimi agradecendo a hospitalidade de sempre e, querendo ser simpático com o cunhado de Ribeira do Pombal, falei:

- Manda um abraço pra Marcos.

Ela respondeu meio sem jeito:

- Ah, claro, mando sim, pode deixar…

Passado algum tempo, descobri que o nome do cara não era Marcos. Era Gustavo. Por uma trágica coincidência, Marcos era o nome do ex-namorado da irmã, um rival e provável desafeto do sertanejo Gustavo.

Lanchinha da Carreira

Nada mais frugal do que pegar uma lanchinha da carreira, atravessar a Baía de Todos os Santos e ir pra Mar Grande. Principalmente no verão, quando a fila deste transporte costuma percorrer meia cidade baixa. Mas a ilha é um paraíso e, como dizem, pra conhecer o paraíso, é preciso passar pelo purgatório.

Pra começar, uma curiosidade: ninguém sabe porque se chama “lanchinha”, muito menos “da carreira”. Afinal, trata-se de um barco grande de madeira do qual, sem muito esforço, seria possível ultrapassá-lo a nado.

Quando as pessoas falam que vai gato, cachorro e periquito, não é metáfora. A aventura começa quando o “staff” abre o estreito portão de acesso ao píer de embarque. A sensação que se tem é que estavam todos presos em uma casa pegando fogo há pelo menos 2 horas e uma porta se abre. As pessoas correm desesperadas, gritos de sai da frente, empurrões, carrinho-de-mão derrubando manga pelo chão, gente escorregando, mãe puxando menino pelo braço.Esse é o estágio 1.

Ultrapassado o portãozinho, começa o estágio 2. Apesar do espaço aumentar logo no início do píer, não há tempo para comemorar: uma ponte ainda mais estreita aguarda os passageiros. O corre-corre tem fundamento: a capacidade da lanchinha deve ser algo em torno de 120 pessoas. Embarcam umas 300.

Existe uma forma alternativa de ultrapassar este estágio e galgar preciosas posições – artifício normalmente utilizado pelos nativos da ilha. Como se fosse um lançamento de disco olímpico, eles arremessam sua bagagem para além-ponte. Para esta manobra é necessário destreza, já que o espaço do outro lado é pequeno e você corre dois riscos: atingir algum passageiro ou ver seus pertences afundarem no mar. Este plano B é perigoso porque, depois de “despachar” sua bagagem, é hora de você sair pulando pelos barcos atracados até chegar à sua embarcação. Sem o impulso suficiente seu destino é a água.

Estágio 3. Ok, você chegou diante de sua preciosa lanchinha. É hora de disputar o tão sonhado embarque com o menino do “menduins”, o menino da paçoca, o menino da gelada, o menino do nêgo bom, o menino da mineral, o menino do “halles” e o maldito cara do carrinho-de-mão das mangas.Agora, é conquistar na cotovelada os seus 10 cm de banco. Se você for bom no chega pra lá, tente disputar os bancos na sombra. Caso não se garanta, contente-se em pegar um bronze.

Ótimo, a lancha vai partir. O marinheiro vai soltando as amarrações, mas, sem esboçar surpresa, assiste mais uns 3 passageiros correndo pelo píer e se atirando para dentro do barco. A viagem enfim começa.

Nas primeiras marolas do mar calmo da baía, a lanchinha se comporta como um João-bobo, balança de um lado pro outro, provavelmente desestabilizada pelo excesso de peso. Mais pro meio da baía, as marolas viram pequenas ondas. O suficiente para o show de engulhos começar. Se pra dançar créu tem que ter habilidade, imagine pra desviar de vômitos vindos de todos os lados em um barcoque você mal consegue se mexer. E como sensibilidade não é o forte de vendedores ambulantes, os caras saem gritando entre o povo passando mal: “olha o menduins torrado!”.

Vencidos os inacabáveis 15 km que separam Salvador da ilha, aproximando-se da ponte de desembarque, outra cena inusitada dá início ao 4º e último estágio: quem estava passando mal se recupera automaticamente e um novo estouro de boiada acontece pra sair da lancha. Depois, é simples. Basta driblar os meninos que pedem pra carregar sua sacola por uns trocados, entrar numa “kombis” com mais de 15 pessoas dentro e aproveitar um verdadeiro pedaço de céu na terra.
Ah, eu amo a ilha de Itaparica.


A Fantástica história da mala de cocô


Eu tenho um cliente que tem um Táxi Aéreo. Outro dia, fui com ele em um verdadeiro paraíso: Boipeba. Se você ainda não conhece, trate de conhecer. Principalmente se você tem namorada (o), esposa (o), amante, amiga(o)-colorida(o). É simplesmente fantástico. Mais eficiente que amendoim, catuaba, caldo de sururu, ostra ou viagra (suponho eu).

O fato é que sobrevoar com um teco-teco a Baía de Todos os Santos deu o maior cagaço. E o espaço interno de um teco-teco é igual ao de um Celta: você vai no banco de trás vendo tudo o que o piloto tá fazendo, tá olhando ou falando. Tem até que encolher a perna pra não incomodar as costas do comandante.
Logo após a aterrissagem, já caminhando descalço pela praia, puxei assunto com o piloto e fiz mil perguntas-padrão, como por exemplo, o que acontece quando o (único) motor pára de funcionar. Plana? E, justamente por conta do meu cagaço e da óbvia ausência de um banheiro a bordo, arrisquei:


- Diz uma coisa, você nunca teve uma dor de barriga em pleno vôo?

Ele respondeu:

- Já sim.

Era o prenúncio da fantástica história da mala de cocô. Eu estava ávido pra saber o que houve, já que prontamente imaginei não ser possível pousar um avião instantaneamente por conta de uma diarréia – muito menos possível seria segurar a dita cuja. Ele continuou:

- Era época de eleição e fomos contratados para buscar uns políticos em Jequié (cidade do interior baiano). Estávamos eu e um co-piloto, colega de tempos, voando em direção à cidade. Senti uma pontada na barriga e percebi que uma catástrofe estava prestes a acontecer a 8.000 pés de altitude. Tive que pensar rápido e com praticidade. Afinal, não poderia encontrar com os clientes de calça suja. Expliquei ao meu colega a situação, pedi a ele que assumisse o manche e pulei para o banco de trás em busca de algum recipiente que me salvasse. Só havia a minha mochila e a maleta – aquelas de rodinha – do co-piloto. Minha mochila não dava um bom penico, seu formato mudava conforme os movimentos bruscos que faz um monomotor. Supliquei ao meu amigo por sua maleta, prometi que comprava outra pra ele e, comovido com a situação, ele concordou. Rapidamente, retirei todas as suas roupas e pertences de dentro da maleta e soquei tudo em minha mochila. Me agachei em cima da maleta e fiz o que tinha que fazer. Aliviado, fechei o zíper da mala, vesti a calça e voltei pro comando.

Ouvindo a história, eu pensava: e se não tivesse co-piloto? Em vôos de monomotor normalmente não tem. Deve ser por isso que esses aviõezinhos caem tanto. Ou então, deve ser por isso que existem co-piloto e maleta de co-piloto.

Bom, ele continuou:

- Eu tinha um problema do qual precisava me livrar. Fomos nos aproximando do aeródromo da cidade e era possível ver outros aviões na lateral da pista e um grande movimento de políticos e assessores. Utilizei a pista toda e, quando já estava afastado de toda aquela gente, abri a porta do avião e joguei a mala de cocô no mato, bem na cabeceira da pista. Problema resolvido. Desembarcamos e fomos ao encontro de todos. Enquanto um dos assessores identificava-se como sendo do gabinete do nosso contratante, um garoto apareceu correndo pela pista com a maleta na mão gritando “moço, moço! A mala caiu do avião!”. Agradeci o garoto querendo matá-lo e eis que a mala de cocô voltou às minhas mãos. O assessor então explicou que iríamos para o hotel almoçar com a comitiva e, imediatamente, pegou minha maleta e colocou na mala do carro. Entraram 2 deputados, eu e o co-piloto que também não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Quando chegamos no hotel, o assessor e os deputados saíram do carro olhando para as solas dos sapatos, buscando entender de onde vinha aquele cheiro. Junto com a comitiva, entramos eu e a mala de cocô no lobby do hotel. Enquanto estavam todos distraídos, eu examinava desesperadamente o local, buscando um lugar para dar fim definitivo à maleta. Em um canto, no início do corredor, vi um lixo de boca larga. Fui puxando a bagagem, usando as rodinhas e torcendo para que o seu conteúdo não vazasse. Peguei a maleta na mão e soquei com vontade pra dentro do lixo. Quando ela já estava quase desaparecendo diante de meus empurrões, aparece um faxineiro do hotel. “O senhor não quer mais essa mala não? Eu quero…”. Dei as costas e apressei o passo.

Depois de muitas risadas de quem ouviu a história do piloto, fomos almoçar. Apesar da fome, quase não comi aquela bela moqueca de camarão. Lembrei que ainda iríamos voar de volta para Salvador logo em seguida. E o pior: não havia maleta alguma dentro do avião. Quem arriscaria uma dor de barriga?