terça-feira, outubro 28, 2008

A Coca-Cola no avião.


- Peu, topa ir com a gente pra Califórnia?

Disse Sandra, minha irmã, às vésperas da Copa de 94. Acabei topando. Afinal, ela precisava de ajuda: ia com duas crianças a tiracolo e ainda estava grávida de uns sete meses. Ok, assumo, topei porque ia pra Disneylândia, Universal Studios e, de quebra, voltaria com a mala cheia de pares de tênis, vídeo-games, chicletes e outras quinquilharias que todo adolescente acha o máximo.

Não posso deixar de registrar que nos divertimos bastante. Alguns casos pitorescos foram bons companheiros de viagem. Como, por exemplo, meu sobrinho preso em um carrinho numa loja de brinquedos com o segurança correndo atrás da gente, o dia que não consegui usar o vaso sanitário do Yosemite Park, um buraco sem fim que possivelmente dava em uma outra dimensão e a minha Coca-Cola no avião.

Eu já sabia que o vôo para Los Angeles seria longo e pra lá de cansativo. 12 horas voando, fora o trecho Salvador / São Paulo. Embarcamos no Aeroporto Internacional Dois de Julho com destino a Sampa. Eu, Sandra e seu barrigão, Daniela e Gabriel. Os dois últimos com apenas 9 e 6 anos, respectivamente. Aí, já viu: corre-corre no aeroporto, berreiro, quero fazer xixi, quero fazer cocô e a gente tentando fazer o check-in. Por alguma providência divina conseguimos embarcar.

O avião estava quase vazio. E eu munido de meu Game Boy, um monte de cartuchos, além de um saco de revistas do Tio Patinhas. Tudo para enfrentar horas e mais horas sentado, uma chatice sem igual. Fui para o meu assento e comecei a ler o folheto com instruções em caso de emergência. Precisava economizar as leituras que havia levado, afinal a jornada estava apenas começando. Fora alguns “tô com fome”, “tô com sede” e “minha mãe, Daniela me bateu”, a viagem foi tranqüila e chegamos rápido.

Em São Paulo, fomos um dos primeiros a embarcar na conexão. Agora sim, era pra valer. A sorte é que o avião parecia que iria decolar vazio. Sorte que durou muito pouco tempo. De repente, começou a entrar na aeronave uma multidão de japoneses. Vários, incontáveis, invasão igual àquela só em Pearl Harbor. Descobri então que aquele vôo faria também o trecho Los Angeles / Tóquio. Deu vontade de rir: aquele povo iria voar conosco as intermináveis 12 horas até a Califórnia e depois mais 12 horas até o Japão. Nosso destino era apenas a metade do caminho deles.

A nossa fileira era a última antes dos assentos de fumantes. Minha irmã grávida, a gente com mais duas crianças e a impressão que tínhamos era de que havia uma chaminé soltando fumaça atrás da gente. Pedimos para mudar de lugar por conta da condição de Sandra. Sem sucesso: o vôo estava lotado. Ou seja, seria pior do que a gente imaginava.

A viagem foi prosseguindo. Pra mim, Game Boy e revistinha. Depois, revistinha e Game Boy. Num intervalo entre um entretenimento e outro, procurava levantar da poltrona e dar uma volta pelo avião para evitar que a bunda ficasse quadrada. Mas, curiosamente, eu tomava choque em quase tudo que tocava. Resolvi perguntar à minha irmã qual era o motivo daquilo.

- Eletricidade estática em seu corpo gerada pelo deslocamento do avião. – respondeu a engenheira.

Beleza. O avião se desloca e eu tomo choque. Anoiteceu e o jantar foi servido. Quando a bandeja foi recolhida após a refeição, eu pedi a aeromoça que deixasse o meu copo de Coca-Cola. Como eu tenho grande dificuldade em dormir no avião, iria continuar jogando e bebendo meu refrigerante como quem aprecia um puro malte escocês.

Acabei ficando tão entretido com o vídeo-game portátil que esqueci da Coca. O gelo derreteu por completo e ela ficou intragável. Apertei o botão para que a aeromoça recolhesse meu copo, mas tive a impressão de que, assim como todos os outros passageiros, ela também estava dormindo. Então, resolvi levantar e levar o resto do refrigerante até o seu posto.

Ao chegar naquela espécie de copa que existe no avião, encontrei a aeromoça de costas arrumando as prateleiras. Estiquei o dedo da mesma mão que segurava a Coca-Cola e cutuquei a mulher para que ela se virasse e eu pudesse finalmente entregar aquela garapa. Porém, quando toquei em seu corpo, levei um tremendo choque que me fez jogar o copo contra meu rosto. Tomei um banho de refrigerante. A aeromoça, diante daquela cena, deu um pulo para trás com as duas mãos estendidas como quem pede distância. Imaginou que eu era um louco que só tinha ido até ela para mostrar: “olha isso, eu sou pirado, jogo Coca-Cola em minha cara”. Com o cabelo encharcado e o rosto pingando aquele líquido negro, tentei explicar:

- Estou tomando choque direto...

A cara de susto da mulher deu lugar a um semblante de alívio e compreensão. Abriu um sorriso e me disse:

- É a estática!

- Pois é, gerada pelo deslocamento do avião. – respondi querendo mostrar que um louco não saberia do que aquilo se tratava.

Gentil, ela trouxe duas toalhas brancas e eu tentei me secar. Agradeci e voltei para meu assento ainda com o cabelo molhado e o corpo todo grudento.

- Mãe! Meu tio tomou banho. – disse Daniela.

Aguardei pacientemente as últimas horas de vôo e enfim pousamos em Los Angeles. Na esteira de bagagem, encontrei de novo a aeromoça. Sorri para ela e já ia agradecer mais uma vez quando ela virou para a colega e disse:

- Aí ó, foi esse menino que foi lá me chamar para mostrar o banho dele de Coca-Cola!

As duas riram de minha cara. E, depois desse dia, o impossível aconteceu: eu consegui gostar ainda menos de física.

15 comentários:

Pedro Valente disse...

ueheuheuheuhe dessa historia eu n me recordo... + lembro bem eu preso no carrinho em plena "toys r us" com um americano de 3 metros e meio de altura, chingando toda a familia valente e toda a familia sande desde os primordios... + q foi comedia vc dizendo q tava comedo de usar aquele banheiro ahh isso foi... foi quase um vingança pra mim euehuehuehuehue

Anónimo disse...

Olha eu aqui de novo!
Adorei sua história,fiquei viciada no seu blog,todo dia tenho que dar uma espiadinha.
Continue sendo essa adrenalina pra mim,tá?
Bj,
Carla.

Dedinhos Nervosos disse...

Nossa... que delícia de resto de vôo, heim! rsrs E ainda ficou falado no avião! hahahah

Eu só tomei choque encostando em outra pessoa uma vez. No Gustavo, que trabalhava comigo. A gente fala pras outras pessoas "esse aí dá choque." rsrs

Bjos!

Anónimo disse...

HAHuhuahuahuahuahu!

Caralho essa história é sensacional!

AUHhuAhuAhuAHuA

eu lembro qndo tu conto na agencia!

grande abraçoooo

Anónimo disse...

"Mas ele é doente..." disse Tio Fulano.
Eu quero saber se a história do banheiro do Hotel não vai ser contada... hahahahahaha

Pedro disse...

Gabriel: não precisa entrar em detalhes do banheiro do Yosemite Park. Mas faça um esforço e tente se lembrar: aquele dia eu tentei te arrancar do carrinho, mas quando o segurança veio se aproximando e gritando feito louco, meu instinto de auto-preservação falou mais alto. E hoje, você adulto, entende que é melhor um só se dar mal do que dois, não entende? Mas que me partiu o coração ver você abandonado e chorando preso naquele brinquedo, isso partiu.
Abraço.

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Carla: não some não. Prometo que vou me esforçar cada vez mais para trazer fortes emoções. Dar uma de louco em plena madrugada no avião é emocionante, não é? Mas hoje dá cadeia.
Bjo!

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Dedinhos: viu aí? Não é só o Gustavo que faz as mulheres se arrepiarem com tamanha eletricidade. Eu também. E ainda fico com o cabelo molhado, selvagem, uma loucura.
Bjo!

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Rueda: tudo que não presta você lembra. Rs.
Abraço e vamos marcar de tomar uma.

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Ró: a do banheiro do Hotel definitivamente não será contada. Envolve terceiros e a censura nesse blog é pesada. Você sabe quem comanda a censura, né? Rs.
Ah, e que fique claro: não fui eu o responsável pelo o ocorrido.
Bjo!

Anónimo disse...

Não to sumida ,acontece que tenho um consultório ,e entre um paciente e outro ,fico vidrada em suas histórias,vc é muito bom com as palavras.
Vc deve ter cada coisa pra contar...
Fico te aguardando.
Bjão, Carla.

Dani disse...

Tenho que dizer que também não me lembro dessa história. É pq história foi uma coisa que não faltou nessa viagem... teve também o homem de trancinha, lembra??? huahua
E ainda no avião, só que dessa vez na volta, a aeromoça pediu para que a gente acordasse Pedro, ela falou assim: acordem ela... ela precisa colocar o cinto (em inglês), isso pq ele tinha um cabelo maior que o meu!

Anónimo disse...

Peu, você tem demorado muito para escrever histórias novas!!!! Precisa ser mais frequente!!!
Bjooo

Dedinhos Nervosos disse...

Tb acho que vc está demorando a escrever mesmo! rsrs

Quando tiver 1 tempinho, dá uma olhada na minha última "viagem" rsrs

Bjos!

Pedro disse...

Carla: obrigado! Me conta, qual a sua especialidade? Você sabe, hipocondríaco adora um consultório.
Bjo!

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Dani: você não lembra, mas infelizmente aconteceu. Aliás, felizmente, afinal rendeu história. O que você não precisava lembrar é que eu tinha um cabelo maior que o seu. Seu tio está solteiro, não me queime.

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Ró: desculpe, desculpe... mas alguém na família tem que trabalhar. Pronto, postei. Satisfeita?

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Dedinhos: calma, já escrevi! A viagem a que se refere é a da Fantástica Fábrica de Chocolate? Se for, me conta: que tipo de substância você anda tomando? Rs. Muito boa história, Dedinhos. E muito bem escrita pra variar um pouco.
Bjo!

Anónimo disse...

Olá ,Pedro!!Saudades...
Sou Cirurgiã-Dentista ,e atuo em diversas áreas,dentistica,prótese,periodontia e endodontia.Trabalho numa clínica com minha irmã gêmea,que é ortodontista.O paciente qdo entra,sai reformado,hahaha...
Moro no interior de São Paulo,e adoro um bom livro,teatro ,cinema e ,é claro ,suas histórias.
Um bjão ,Carla.
Não sei como te mandar uma foto,me explica...

Pedro disse...

Carla: não me dê uma notícia dessas. Morro de medo de dentista. Manda um e-mail pra mim. pedro@boanovapropaganda.com.br
Saudades tb.
bjo!

Lui disse...

Muito bommmmm!!!!

Definitivamente nos favoritos...

Incrível a facilidade que tens ao descrever a cena... uma delicia...

Beijinhos...

Comissário de voo disse...

Gostei da história! Além de engraçada, explicativa...

tomou banho de coca...

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