quinta-feira, outubro 23, 2008

A poesia baiana, o ensaio e Zé preso no lavabo.


Aqui em casa tem um lavabo que, vez ou outra, resolve prender as pessoas em seu interior. Isso mesmo, logo o lavabo, onde as visitas já entram meio sem jeito e nem todas costumam freqüentar só para lavar as mãos. O problema é que a tranca da porta é daquelas de girar e o sujeito que a instalou - um cara de Q.I. bastante elevado, presumo – fez o favor de instalar a dita cuja ao contrário. Portanto, para trancar é preciso girar como se estivesse abrindo. E vice-versa.

E o lavabo é pequeno. Aliás, bem pequeno. Não tem janela, nem exaustor e o ar fica, digamos assim, viciado, em pouco tempo de uso do minúsculo lugar. Ah, e ainda tem mais: a porta é de madeira maciça, quem já tentou arrombar, ficou frustrado. Enfim, para quem tem claustrofobia é quase um parque de diversões.

Certo dia, em meados do ano 2000, estávamos eu, Lelo e Zé em minha casa. Nós três tocávamos numa banda de pagode, o Queima Samba. (Ok. Eu espero você parar de rir). Tudo bem, o nome da banda não era dos melhores. O slogan, menos ainda: “botando fogo no pagode”. Mas acredite, além de grandes amigos, conseguimos reunir bons músicos. Prova disso é que Lelo hoje é baixista do Chiclete com Banana e Chokito, nosso tecladista, está em Londres tocando bossa nova. Além do mais, só a gente sabe o quanto essa época foi fecunda de material feminino.

Bom, como eu ia contando, era fim de tarde e logo mais à noite tínhamos um show para tocar. Mal entramos em casa e Zé, já íntimo e sem pudores, anunciou suas necessidades fisiológicas e seu destino: o lavabo. Entrou rapidamente no banheiro enquanto eu e Lelo seguimos para meu quarto. Não havia ninguém na casa. Peguei a guitarra que estava em cima da cama, Lelo pegou seu baixo e começamos a ensaiar algumas músicas que tocaríamos mais tarde e que ainda não estavam cem por cento ajustadas. Começamos a executar canções complexas e sofisticadas:

“Eu crio pássaros / Mas tem um que eu gosto mais / É uma tal de uma rolinha / Que não pára de cantar / Eu chego em casa, ela balança a cabecinha / Sacote toda a sua asinha para me prestigiar / Minha mulher não gosta de passarinho / Quer assar o meu bichinho / Que eu amo tanto e dou carinho / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Porque meu bichinho é uma coisa louca.”

Eu adoro esse final. Pura poesia. Novíssima poesia baiana. Lelo interrompeu a execução da música:

- Acho que é: “sacote toda a sua asinha para me presentear”. E não “prestigiar”.

Caramba, como mudou. Um deslize numa obra de arte dessas pode culminar com o desalinhamento da órbita dos planetas. Retruquei:

- Lelo, meu filho, qual a diferença? Fica todo mundo com a cabeça cheia de cachaça, se pegando lá embaixo, você acha realmente que alguém repara nessas letras?

E continuamos. Os dois em grande momento de concentração artística:

“Vem neguinha, vem sambar / Hoje eu quero lhe mostrar / Como dança o tchá-tchá-tchá / Hoje eu quero requebrar.”

Repentinamente, Lelo interrompeu de novo o som do seu baixo. Perguntei:

- Qual é, Lelo? Vai dizer que não é “requebrar”, é “rebolar”?

Com a testa franzida e olhos voltados para o teto, buscando ouvir algo, Lelo respondeu:

- Shhhhh... não tá ouvindo?

- Não. O quê?

- Presta atenção... um barulho como se fosse alguém batendo numa porta. – disse Lelo, ainda com semblante preocupado.

- ...

- ...

- Ah, tô ouvindo. Parece vir lá de cima. – respondi querendo voltar logo ao ensaio.

- É, vem lá de cima. – Lelo se convenceu.

E voltamos a tocar:

“A dança do sapo é uma dança gostosa, é um clima legal / Tem a moça que requebra e tem um remelexo sobre-anormal.”

- Peraí, sobre-anormal é sacanagem! – disse Lelo, perplexo e interrompendo mais uma vez.

- Acredite, Lelo: a letra é assim mesmo. Vamos continuar?

- Peraí, rapaz. Tem mais de uma hora que Zé está no banheiro! Será que passou mal?

Levantamos e saímos do quarto. Logo no corredor recomeçamos a ouvir o som de alguém batendo em uma porta. A pancada era forte, porém espaçada, como se a pessoa já não tivesse tanta força. Realmente havíamos esquecido de Zé. Era ele, preso no cubículo por um período de tempo além do aceitável. Corremos em direção ao banheiro. Ao perceber minha presença e a de Lelo, nosso amigo intensificou as batidas e começou a suplicar exausto:

- Por favor, me tirem daqui! Pedro, a porta quebrou.

Vendo aquele desespero e lembrando que o problema era extremamente simples de resolver, não agüentei. Comecei a gargalhar de modo que não conseguia falar.

- É só girar... – disse eu, sem conseguir completar a frase e voltando a rir incontrolavelmente em seguida.

- Eu já girei! Não abre!! Arrombe, eu não tenho forças. – implorou Zé, no ápice do desespero.

Piorou a crise de riso. Eu só precisava dizer que bastava girar ao contrário, mas não saía. Tentei de novo:

- É só girar... – frase interrompida mais uma vez e novas risadas.

- Não abre! Não abre! Arromba!

- Pedro, pare de rir, o negócio é sério. – Lelo ponderou.

Quanto mais os caras ficavam nervosos, mais eu ria, pensando como era fácil acabar com tudo aquilo. Busquei me concentrar e, estimulado pelo nervosismo cada vez maior dos dois, procurei me refazer:

- É só girar... – respirei fundo e continuei – ao contrário!

Click. A porta abriu-se instantaneamente e nos revelou uma cena dantesca: Zé só de cueca, lavado em suor, olhos esbugalhados e cabelo de quem tomou um choque de 220 volts. Em uma de suas mãos, o sofisticado porta-papel higiênico todo desmantelado. A torneira ligada jorrando água, as gavetas da pia no chão, o tapete embolado em cima do vaso sanitário. Tudo revirado. O fato é que, desesperado e quase sufocado pelos seus próprios odores, Zé deu uma de Mc Gayver e tentou liberar passagens de ar ou, quem sabe, provocar uma fuga. O resultado foi um lavabo seriamente avariado.

Diante daquele cenário de guerra de um homem só, Lelo se desarmou e também desatou a rir. Saindo de seu cativeiro com cara de poucos amigos, Zé buscou dentro de si suas últimas forças e bradou:

- Vocês são loucos? Tem mais de uma hora que eu estou aqui batendo nessa porta e ninguém vem ajudar!

Já atrasados para o show, precisávamos nos arrumar. Entrei no banheiro, tomei banho e saí. Lelo entrou no banheiro, tomou banho e saiu. Zé entrou no banheiro, deu meia volta e perguntou desconcertado:

- Para destrancar, giro para o lado esquerdo ou direito?

16 comentários:

Anónimo disse...

Morrendo de rir até agora!!!
Eu adorava o Queima Samba principalmente o vocalista que nem lembro mais do nome...
Vcs deviam fazer um "sambão" qualquer dia desses vou e prometo levar minhas amigas solteiras...
Beijocas

Anónimo disse...

HUAhuAhuAhuAuhAhuAAUh!

CARALHO MALUCO! uhAhuAhuAhuAHu

MTO BOM!

ahuahuahuahuAhuAHU

porra o queima samba merece umas histórias no BLOG!

Dani disse...

Acho que vcs podiam fazer um Queima das antigas, huahuahua. Pena que Chokito não vai poder participar...

Eu tb adorava!
"No baculejo, para matar seu desejo"

Anónimo disse...

Ô gente... Coitado de Zé.... tão bonzinho!
Vale lembrar que quem criou a dança do Baculejo fui eu, heinnn?! Só dava a gente em cima do muro de Mar Grande!! hahahahaha ô época... Todo domingo no Okabier (é assim que escreve?)...
Bjos

Robert disse...

Pedrão, impagável esta história, meu velho. A narrativa me inseriu no contexto, de modo que terminei de ler acabado igual ao Zé.
Quem sabe algum dia contar a todos a nossa aventura náutica, né?
Abraço e parabéns.
Robert Andrade.

Unknown disse...

Adoreei mto!Gostei mais ainda do "botando fogo no pagode" hahahaha.Parabens!!

Senhorita B. disse...

Lembro TANTO dos ensaios do Queima Samba!(rs!!!!!!!!!!!!!)
Bjs

Anónimo disse...

Peu, ja curti muito a poesia baiana, rs......
mto bom pra variar, me fez lembrar os ensaios de pagode que marcaram época....
tadinho do zé!!!!
bjo!
Sil

Luciana disse...

rsrsrsrsrsrsrs
Coitadinho de Zé, ele ainda conseguiu tocar depois desse trauma psicológico?

Beijao!

Anónimo disse...

Coitado do Zé.. em dobro! Até pq acho que o "Queima Samba" fez mais sucesso que ele preso no lavabo!!!! risos
Bisous!!

Dedinhos Nervosos disse...

Botando fogo no pagode??? ahahahhahaha

Mas gente, coitado do Zé! Imagina o desespero! hahahahahah

Pedro, vc é o MELHOR!

Bjos.

Pedro disse...

Mari: lembro que você era uma freqüentadora assídua realmente. E lembro também dessa sua admiração pelo cantor. Botinha, pra refrescar sua memória! Quanto ao sambão, é uma grande idéia. Se rolar, você vai ser convidada para dançar no palco.
Bjo.

--------

Rueda: tudo que é para me queimar você gosta. Tire o cavalinho da chuva, sem mais histórias do Queima Samba.
Abraço.

--------

Dani e Ró: Chokito era a alma da banda, o homem das havaianas autografadas. Sem ele, sem banda. E lembro que vocês eram as principais "Queimetes". Ró, tudo bem, os créditos da coreografia do Baculejo vão pra você... é capaz de você ser indicada ao Prêmio Nobel. E é Okkabier, só faltou um K.
Bjo!

--------

Robert: sem dúvida nossa aventura náutica e os seus conceitos modernos de segurança no mar vão fazer parte do blog. Aguarde.
Valeu pela visita.
Abraço!

--------

Jaqueline: gostou mesmo do slogan? Rs. Sabe o que é mais curioso? Todo mundo perguntava se a gente fumava maconha. Esse negócio de "botando fogo" dava espaço para interpretações errôneas.
Bjo!

--------

Renata: e pensar que uma garota com livros publicados, vencedora de prêmios e mais prêmios literários, futura integrante da Academia Brasileira de Letras, um dia foi "Queimete"...
Bons tempos, hein, Nat?
Bjo!

--------

Sil: você era ou ainda é admiradora da poesia baiana? Então responda rápido: é de babaixá ou é de balacobaca?
Bjo em você e em Gaudí.

--------

Lu: tocou, mas ficou uns 4 dias de prisão de ventre depois.
Bjo!

--------

Ju: ele preso no lavabo não fez sucesso nenhum, acredite. Principalmente quando minha mãe viu o estrago que ele deixou.
Bjo!

Mari: lembro que você era uma freqüentadora assídua realmente. E lembro também dessa sua admiração pelo cantor. Botinha, pra refrescar sua memória! Quanto ao sambão, é uma grande idéia. Se rolar, você vai ser convidada para dançar no palco.
Bjo.

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Rueda: tudo que é para me queimar você gosta. Tire o cavalinho da chuva, sem mais histórias do Queima Samba.
Abraço.

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Dani e Ró: Chokito era a alma da banda, o homem das havaianas autografadas. Sem ele, sem banda. E lembro que vocês eram as principais "Queimetes". Ró, tudo bem, os créditos da coreografia do Baculejo vão pra você... é capaz de você ser indicada ao Prêmio Nobel. E é Okkabier, só faltou um K.
Bjo!

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Robert: sem dúvida nossa aventura náutica e os seus conceitos modernos de segurança no mar vão fazer parte do blog. Aguarde.
Valeu pela visita.
Abraço!

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Jaqueline: gostou mesmo do slogan? Rs. Sabe o que é mais curioso? Todo mundo perguntava se a gente fumava maconha. Esse negócio de "botando fogo" dava espaço para interpretações errôneas.
Bjo!

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Renata: e pensar que uma garota com livros publicados, vencedora de prêmios e mais prêmios literários, futura integrante da Academia Brasileira de Letras, um dia foi "Queimete"...
Bons tempos, hein, Nat?
Bjo!

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Sil: você era ou ainda é admiradora da poesia baiana? Então responda rápido: é de babaixá ou é de balacobaca?
Bjo em você e em Gaudí.

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Lu: tocou, mas ficou uns 4 dias de prisão de ventre depois.
Bjo!

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Ju: ele preso no lavabo não fez sucesso nenhum, acredite. Principalmente quando minha mãe viu o estrago que ele deixou.
Bjo!

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Dedinhos: tudo bem, pode rir. Foi meu primeiro slogan, tá? Dê um desconto.
Tava com saudade de suas visitas!
Bjo.

Anónimo disse...

"A dança do sapo é uma dança gostosa, é um clima legal / Tem a moça que requebra e tem um remelexo sobre-anormal.” kkkkkkkkkkk
essa musica me lembra fernando e juninho....
bem lembrado o queima samba...quantos domingos!!!
e mar grande??? saudades
Pare de rebeldia e escreva mais sobre o queima....
e botinha???? jamais lembraria...
e daniel vieira???
hehehhee
saudades peu
bj flávia noya

Anónimo disse...

Rapaz..... Isso sim é uma bela passagem de momentos únicos na História da música e da Poesia Baiana !!! Impagável a cena de Zé, como também a lembrança, satisfação e alegria de relembrar uma época muito bacana, divertida. Sem sombras de dúvidas se fizerem o Sambão do Queima estarei lá. Pedrão, poste mais histórias pois Botando Fogo no Pagode, merece mais.....hehehehe

Abraços,
Sucesso
Lelo

Pedro disse...

Noya: você já dançou muito a dança do sapo, eu lembro! E cá pra nós: você tinha um remelexo sobre-anormal. O CD era Mania de Pagode Volume II. Botinha sumiu, mas Daniel Vieira continua cantando por aí. Participou até do Ídolos.
Saudades tb Noya.
Bjo!

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Lelo: rapaz, que boa surpresa. Você aqui no blog pra poder confirmar a veracidade dessa história. Muitas saudades daquela época. Fico muito feliz de acompanhar o seu sucesso que só faz crescer dia após dia. E não se preocupe: vou escrever mais sobre o Queima aqui, vocês venceram.
Abração!

Breno Volpini disse...

http://www.youtube.com/watch?v=RGRCvZO44j0

Pode conferir!
é prestigiar mesmo!
auehauehauihe