segunda-feira, outubro 13, 2008

A boa ação de quatro amigos e a recompensa de um.


Acho que não há problema algum em dar nome aos bois neste post. Espero que ninguém venha protestar depois. Até porque, logo o leitor vai perceber o quanto meus amigos são nobres de coração e fazem de tudo para ajudar o próximo. Além disso, estou um pouco cansado de pseudônimos. Ok, pessoal? Sem processos, por favor.

Bem, era um lindo fim de tarde de sábado em Jaguaribe, a melhor praia para se fazer kitesurf em Salvador. Já havíamos velejado e estávamos sentados na areia tomando água de coco, aproveitando a brisa e jogando conversa fora. Não havia pressa alguma em ir embora. Éramos eu, Bob, Ortela e Luquinhas. Não lembro qual era o assunto em pauta, mas me recordo das boas risadas que compartilhávamos. Foi quando, de repente, Bob alertou a todos:

- Ei, aquilo ali não é um assalto?

Os últimos raios de sol despediam-se do céu, a praia já estava quase vazia e, bem ao longe, vimos a cena de um sujeito tentando insistentemente puxar as bolsas e pertences do que pareciam ser duas mulheres.

- São duas mulheres! – exclamou Ortela.

Sem pestanejar, Bob levantou num pulo e começou a correr na direção do ladrão que caminhava calmamente com o fruto do seu roubo. Ortela foi na seqüência. Os dois corriam em alta velocidade pela areia fofa. Olhei um instante pra Luquinhas que foi categórico:

- Rapaz, eu não vou não. – disse ele, ao tempo que sugeria através de gestos a provável existência de uma arma de fogo em posse do ladrão.

Mesmo não sendo estimulado por meu amigo que ficou na areia, acabei sendo contaminado pelo espírito heróico dos outros dois. Este rompante, sem dúvidas, contaria pontos pra mim no andar de cima. Levantei e fui no vácuo dos caras. Não lembro de ter corrido tanto como naquele dia. Só não tinha calculado que o sujeito estava tão longe. E Ortela, que parece ser raceado com português, resolveu gritar “pega ladrão” quando estávamos chegando perto do meliante. Pensei na hora: se éramos nós que supostamente iríamos pegá-lo, ele estaria gritando pra quem? Surto de esquizofrenia, no mínimo.

O fato é que o ladrão também começou a correr quando ouviu os gritos inteligentes de Ortela. A areia foi acabando e na frente de todos nós foi surgindo o que um dia já foi um rio e agora era o maior esgoto de Salvador. Suas margens abrigavam o mais caudaloso chorume da capital baiana.

(Chorume, segundo o dicionário: líquido tóxico gerado pela degradação de resíduos. Chorume segundo os populares: caldo de lixão).

Provavelmente impressionado com o físico dos três, o gatuno não pensou duas vezes. Largou as bolsas, pulou no “rio” e saiu nadando. Bob, do jeito que veio, também se jogou no esgoto. E o mais incrível: pulou de cabeça. Ortela hesitou, depois caiu na água e, talvez sentindo a pele derreter, saiu rapidamente. Já eu, quando parei de correr, apoiei as mãos sobre os joelhos e busquei desesperadamente um pouco de ar. Fruto de meses e meses sem uma única atividade física aeróbica. Adverti Ortela sobre meu pré-enfarte, que rapidamente tratou de vir ao meu auxílio, esquecendo por um instante a perseguição. Ao aproximar-se de mim, me arrependi profundamente de tê-lo acionado. Imagine só: você sem fôlego nenhum e o mínimo ar que consegue respirar vem com cheiro de esgoto podre. Ortela estava quase em estado de decomposição. Fui obrigado a me recuperar para sair de perto dele.

Atravessando aquelas densas águas, ia Bob no mais refinado estilo crawl. Era um verdadeiro torpedo, um Michael Phelps numa piscina de dejetos. Sem perder a performance, virava o rosto rapidamente para o lado buscando respirar e tornava a mergulhar a face na água negra. Apesar de todo o esforço de meu grande amigo, o ladrão chegou primeiro na outra margem e fugiu por entre o matagal. Fiquei imaginando como seria o retorno de Bob para onde estávamos. Sem cerimônias, pulou de volta ao rio e veio nadando. Desta vez, estilo borboleta.

Depois de tanta pirotecnia olímpica e um vexame cardio-respiratório, lembramos do motivo de tudo aquilo: as duas mulheres assaltadas. Eram mãe e filha. Infelizmente, foram agredidas pelo sujeito covarde. A primeira tinha um corte no pulso e a outra fora atingida na cabeça. Demos a elas a devida atenção.

- Por favor, leve-nos ao melhor hospital da cidade. – disse a mãe com um sotaque e uma frieza que logo denunciaram sua origem alemã. Haviam acabado de chegar a Salvador.

Lembro que eu ia dando apoio à senhora e Ortela ia amparando a garota. Curiosamente, apesar da origem da mãe, dos cabelos loiros e olhos azuis, a bela jovem havia nascido no Brasil. Chorava copiosamente a pobre coitada. Ortela a consolava enquanto passava o braço por seu ombro e segurava a sua mão. Mas, sinceramente, me neguei a acreditar que um cara que havia acabado de sair de um esgoto estaria se aproveitando de uma garota naquela deplorável situação.

Fomos em direção ao meu carro que, aliás, jamais voltou a ser o mesmo após este dia. Incorporou para sempre o cheiro do tal chorume. Ortela foi no banco do carona e, de trinta em trinta segundos, virava para trás, segurava a mão da chorosa garota e falava palavras de acalanto. Chegamos então ao hospital. Entramos com as duas na emergência. Nós dois descalços, trajando apenas bermudas de banho, areia por todo o corpo e Ortela fedendo a rato morto. Se a vigilância sanitária chegasse naquele momento, fatalmente interditaria aquela casa de saúde.

Enquanto elas eram atendidas numa sala de pronto-atendimento, eu, Ortela e toda a areia que nos acompanhava, esperávamos na recepção. Apareceu um cara do setor administrativo com uma prancheta e um papel. Tratava-se de um termo de responsabilidade onde nós arcaríamos com todas as despesas do hospital caso elas não honrassem com o pagamento da conta. Gentilmente, Ortela se negou a assinar:

- Sinto muito amigo, nossa boa ação termina por aqui.

Deixamos um bilhete para elas nos colocando à disposição para o que precisassem e fomos embora. Voltamos no carro comentando todo o ocorrido e lamentamos o fato de acontecer um absurdo desses nas primeiras horas em que um turista chega a nossa cidade. Enfim, fizemos nossa parte. Mas, não deixei de perguntar a Ortela:

- Vem cá, por acaso você estava dando em cima da menina ou foi impressão minha?

- Claro que não, Pedrão. Tá louco? A menina toda ensangüentada... – respondeu Ortela meio indignado.

Passou um tempo e, na noite de Natal, recebi um telefonema de São Paulo. Era a tal garota. Agradeceu bastante o que havíamos feito por elas e desejou boas festas. Procurei saber de Ortela se ele também tinha recebido a ligação. Sua resposta foi positiva.

Um belo dia, encontro a menina no Orkut de Ortela. Perguntei a ele como ela havia parado lá. Ele respondeu sem jeito:

- Quando ela me ligou aquele dia, peguei seu Orkut e MSN. Combinei de visitá-la em São Paulo.

Maldito. Dei força para que ele fosse. Mas sugeri que antes de encontrá-la em algum barzinho ou restaurante da capital paulista, tomasse um banho no Tietê. Talvez facilitasse as coisas.

16 comentários:

Anónimo disse...

Até que enfim uma história aqui nesse blog com uma breve participação minha..hehehe.e confirmo todo o ocorrido.
Mas tenho que explicar que não fui atrás do ladrão também porque alguem tinha que cuidar do 2 kitsurf, uma prancha de surf e carteiras, celulares, óculos escuros e etc, senão seriam dois roubous, pensem ai!!
Quer dizer então que Ortela faturou né sacana, dessa eu não sabia. Esse cara!!! Um forte e saudoso abraço a voces. Lucas

Pedro Valente disse...

finalmente uma historia de bob... n pensaria duas vezes em dizer q um dos personagens + peculiares da sua vida n acha moreno?? esse ai merece um livro... lembrei aqui agora da historia da ilha... acho q vc deveria escreve-la... abraço...

Anónimo disse...

finalmente uma história com boas intensões, isso sim!!!! rsrs
Era maldade que não acabava mais aqui..
E quanto ao que recebeu a recompensa... antes um do que nenhum, tenho certeza que ele agradece por vocês!!!
Beijooo

Anónimo disse...

Muito boa a história! Agora "Phelpes do chorume" só o amigo de vcs mesmo...
Beijinho

Anónimo disse...

UHAhuahuahu! Nado borboleta no esgoto eh foda ahhauhua


ABRAÇOOO!

brunoagra disse...

"Pedro aumenta, mas não inventa." (Bob Phelps)

Lilian Devlin disse...

É meu amigo, o amor além de cego, deve ter perdido o olfato também... cruz credo!
E só uma perguntinha : nenhum desses seus amigos contraiu alguma doença depois da "natação"? Se não, que sorte, caramba!
bjs procê Pedro, que como sempre, com ótimos posts!

Paula disse...

Pedro, esse seu amigo nadador de chorume ganha muito do Phelps! Poxa, nadar com algum estilo no esgoto! É demais!!! E por aqui, como sempre, excelentes motivos para visitar. ontem eu ri muito lendo seus posts!

beijos

Luciana disse...

Ortela realmente nao deixa escapar nada e Bob Phelps eh sensacional!

Parabens mais uma vez!

Beijao!

Anónimo disse...

Este rapaz de nome bob é realmente muito corajoso. Parabéns pelo seu Blog Pedro Valente, e Parabéns ao rapaz de pseudo Bob por ser desbravador.

Pedro disse...

Luquinhas e Bob: ufa, até que enfim alguém confirmou uma história. Tá vendo pessoal? Acreditam em mim agora? Acho que a partir de agora vou abolir definitivamente os pseudônimos. Luquinhas, não se preocupe: eu sei que você ficou na areia por uma boa causa. Dê graças, pois evitou de pegar todos os vermes do mundo. Até hoje os caras tomam remédio. Repare na barriga de Bob. Aquilo é verme.
Abraço nos dois.

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Gabi: pois é, Bob sem dúvida daria um livro. O problema é que ele me censura, acha ele que ainda vivemos um regime militar. Deixe ele comigo...

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Ju: maldades? Onde você viu maldades? Somos todos muito bonzinhos. E outra coisa: ele não faturou só a gatinha. Carrega hoje consigo também umas 2.000 espécies ainda não catalogadas de parasitas intestinais. Bjo Juju!

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Mari: valeu Maricota. Vale ressaltar que você conhece o tal medalhista de esgoto...
bjo!

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Rueda: muito pior seria o estilo peito. Quando ele tirasse a cabeça da água para respirar, corria o risco de engolir um rato morto.

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Lílian e Paula: pois é, não é qualquer um que nada com estilo em um esgoto. É preciso ter classe, realmente. Os dois até hoje se tratam. Mas estão a ponto de desistir e passar a conviver irmanamente com os vermes. Que bom que vocês gostaram do post. E eu sempre adoro a visita das duas. Beijo!

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Lu: você bem conhece Ortela e sabe que ele não perde viagem. Só não sabia que era capaz de paquerar uma garota ensangüentada, ele recém-saído de um esgoto. Ponto pra Ortela. Tô esperando post seu! Bjo.

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Anônimo: obrigado! Você tem razão, Bob é um desbravador. Você nem imagina como ele é um desbravador...
Abraço!

brunoagra disse...

Pedro:
Sua barriga está com essa moral toda para falar de meu abdômen ?

Pedro disse...

Bob: o meu tanquinho diminuiu. Mas abdômen... isso sim é eufemismo.

Anónimo disse...

tá fazendo greve?!?!
estoiu a espera do proximo.... rs

Dedinhos Nervosos disse...

Esse Ortela, heim! É isso aí. Não pode perder viagem! hehehe

Fábio disse...

Ahahahaha!

Moreno, você é um pândego! Um pândegoa acompanhado de dois pandegozinhos!!! Heheheh