domingo, novembro 30, 2008

A Casa Mal-Assombrada. (Como diria Jack "o Estripador": vamos por partes).


Essa vida é mesmo cheia de coincidências. Imagine que em 1998 fomos eu, Daniel e Tio Fulano para a Flórida. Lá, ao pegar o elevador do hotel, vimos uma família correndo pelo lobby e acenando para nós como se pedissem para os aguardarmos. Assim o fizemos. Ao aproximarem-se, surpresa geral: os apressados eram Tia Lídia, Tio Renato e Camila - pai, mãe e filha, moradores do mesmo prédio que nós três.

Pense bem: qual a probabilidade de dois grupos que moram no mesmo lugar se encontrarem na mesma época, no mesmo país, no mesmo estado e no mesmo hotel entre os milhares que existem em Orlando? Enfim, foi aquele espanto geral. Um grato espanto, na verdade. Era o início de uma viagem divertidíssima, cheia de boas risadas, quase sempre causadas por Tio Fulano e suas histórias e piadas impublicáveis.

Sim, são realmente impublicáveis, mas vou pedir licença à censora do Blog, Sandra, e contar algumas. Crianças, não leiam.

A gente estava andando pelo parque e Daniel, o chato do Parque das Árvores, começou a se queixar: - tá calor, tô com fome, tô cansado, vamos só em mais um brinquedo.

- Daniel, você é um pobre tatu. - retrucou Tio Fulano com sua habitual falta de paciência.

Daniel, típico mal-humorado de poucas palavras, ignorou a observação. Mas, Tia Lídia, curiosa, perguntou:

- O que é um pobre tatu, Fulano?

- Um pobre tatu, Lídia, só tem o casco e o c*. O casco anda todo rachado e no c* tem um p** enfiado. – respondeu Tio Fulano com tranqüilidade e certa didática.

Confesso que fiquei apreensivo, afinal, Tia Lídia é uma pessoa um tanto quanto conservadora. Mas ela sorriu contida. Aliás, até Daniel, o pobre tatu, deu risada.

E a viagem prosseguiu. Assim como as tiradas de meu Tio.

Uma outra vez, explicando o que ele considerava ter sido alguma injustiça praticada contra ele, nos veio com essa durante o jantar:

- ... e aí o cara queria me vender pelo dobro do preço. Não aceitei, ele queria que eu assinasse um contrato bililica. – disse Tio Fulano, inconformado.

Advogado experiente e procurador do estado, Tio Renato perguntou intrigado:

- O que é um contrato bililica, Fulano?

- Eu entraria com o c*, ele entraria com a pi**. Não assinei, é claro. – respondeu meu desbocado tio, muito naturalmente.

Então, uma noite, estávamos todos voltando para o hotel na van alugada quando vimos, no meio do nada, uma enorme mansão com um amplo estacionamento na frente. A arquitetura exageradamente sombria, junto com o enorme letreiro iluminado onde líamos “The Haunted House” (A Casa Mal-Assombrada), nos revelou ser um brinquedo, mais uma atração daquela cidade repleta de entretenimento. Eu, Daniel e Camila, os três adolescentes do carro, enchemos a paciência de todos para irmos conferir.

Estacionamos o carro e, ainda do lado de fora, já ouvíamos sons de tiros, serras-elétricas, lamentos, gritaria. Fruto de algumas caixas de som escondidas pelo jardim da casa, tudo para deixar os visitantes no clima. Aproximando-nos da porta, ainda ouvi uma trovoada forte. Se não fosse o céu limpo e estrelado, teria certeza de que iria chover. Tenho que tirar o chapéu: além de invasão a países alheios, os americanos também são craques em promover diversão.

Ao entrar na casa, parecia de fato com um lar qualquer: porta-retratos, relógio antigo de parede, cabide para pendurar casaco, uma mesinha com um jarro de flores e uma escadaria que provavelmente dava nos quartos. Porém, a decoração carregada de madeira escura e o ambiente todo à meia-luz nos remetia diretamente a um filme de terror. Propositalmente, a temperatura era baixíssima, experimentamos um frio cortante.

De repente, apareceu um mordomo. Um tipo clássico de mordomo. Extremamente polido e monossilábico, com seu inglês britânico ao invés de americano, nos pediu que o seguisse e virou de costas. Neste instante, iniciou-se uma discussão entre nós:

- Eu não vou na frente! – antecipou-se Daniel.

- Eu também não! – completou Camila.

- Eu vou no meio! – me defendi.

Os adultos também ficaram no maior jogo de empurra até que o mordomo virou-se para nós e falou numa rápida fusão tônica entre polidez britânica e barraco latino-americano:

- I said... FOLLOW ME!

- Eu disse… SIGAM-ME!

Achamos melhor obedecer. Na ordem em que estávamos, seguimos em fila atrás daquele sujeito alto, pálido e vestido num elegante fraque negro. Graças a uma rápida manobra, consegui me posicionar no meio de todos, evitando as extremidades. Caminhando pelo corredor, o não muito simpático senhor nos advertiu sem olhar para trás:

- Não toquem nos atores que eles não tocarão em vocês.

Não sei se eu entendi certo, mas, se por acaso a gente resolvesse bater no monstro, ele bateria na gente de volta. Mas, tudo bem, aquele dia eu estava calmo, tinha tomado meus remédios controlados e não iria espancar ninguém.

Tão repentino quanto o aparecimento do mordomo, foi o seu sumiço. Nos vimos sozinhos naquele corredor escuro e cheio de quadros nas paredes. Os passos de Tio Renato, o primeiro da fila, eram curtos, milimétricos, quase não existiam. Tia Lídia reclamou:

- Vai, Renato! Qualquer coisa a gente corre de volta...

Blam! Um forte barulho denunciou o fechamento da porta atrás de nós. Era o fim do plano B de Tia Lídia. Após algumas dezenas de passos de formiga de Tio Renato, ainda no corredor, começamos a ouvir uma voz masculina como se estivesse resmungando. Ouvíamos também um som de líquido sendo remexido. Pensei logo no pior: tem alguém sendo estripado. Ao chegarmos na sala, não é que eu estava certo? No meio do que parecia ser uma sala de televisão, havia uma maca com um corpo aberto e um louco vestido de cirurgião cheio de tripas nas mãos. Ao ver-nos, ficou irado, começou a gritar conosco e então meteu a mão no tórax do pobre-coitado, arrancou o coração e jogou com força em nossa direção. O órgão bateu na grade que nos separava daquela cena e um líquido espirrou na gente. Só fomos perceber que era água ao invés de sangue quando já estávamos de volta ao corredor, desta vez, a passos muito mais rápidos do que os de Tio Renato.

Surgiu em nossa frente um jovem vestido de branco. Não era assustador. Na verdade, ele é quem parecia assustado. Pediu para que a gente o seguisse, como se fosse nos mostrar a saída daquele lugar. O jovem disparou a correr e, com um salto, atravessou o espelho que havia na parede. Ao chegarmos perto do objeto, só víamos nosso próprio reflexo. Então, mais um susto: o espelho acendeu e vimos o rapaz lá dentro apontando para a direção que devíamos seguir pelo corredor.

Durante nossas caminhadas, sons estranhos sempre nos acompanhavam. Mas, à medida que fomos nos aproximando do próximo ambiente, um som ritmado de pancadas ia aumentando. O que será que nos aguarda? Este era o pensamento corrente de todos naquela casa.

Ao entrarmos no cômodo, que surpresa desagradável! Estávamos no quarto da menina do Exorcista. Ela estava deitada, seus braços amarrados por dois lençóis à cabeceira da cama. Mas a garota não cansava de tentar se libertar: levantava meio corpo, se debatia inteira, convulsionava, trincava os dentes e então jogava as costas com força contra o colchão. Era este o som macabro que ouvíamos ainda do lado de fora.

Mais uma vez, a porta atrás da gente se fechou. O único caminho que tínhamos era contornarmos a cama da possuída e sairmos por um portal do outro lado da cabeceira. Ficamos um bom tempo parados ao lado da cama, olhando fixamente para aquela menina e seu rosto transfigurado. Seus movimentos obedeciam uma seqüência lógica, o que levantou uma discussão:

- É um robô. – disse Camila.
- Não, é uma pessoa, olha o detalhe da pele. – disse Tio Fulano.
- Não, é um robô sim, repare no movimento sempre igual. – disse Daniel.
- É pessoa!
- É robô.
- É pessoa!
- É robô.
- Parem de discutir. Se é robô ou se é pessoa, o fato é que teremos que passar por ela de qualquer jeito. Vamos. - Tia Lídia pôs fim à celeuma.

Como o quarto era pequeno, a distância entre as paredes e a cama devia ter em torno de meio metro. Os seis foram se esgueirando pela parede, evitando a lateral da cama. Doze olhos fixos na garota. Viramos a quina e estávamos todos de frente para a endiabrada quando, num solavanco mais forte, soltou das amarras um de seus braços. Tio Fulano infelizmente estava certo: era pessoa. Enfurecida, aos berros, ela não sabia se esticava o outro braço para nos alcançar ou se soltava o último lençol. Em meio à sua dúvida e nosso pleno terror, corremos pela outra lateral da cama e saímos dali. Após termos nos certificado de que ela não nos seguia, diminuímos o passo.

Mal deu tempo de respirar e começamos a ouvir ao longe um som de moto-serra acelerando. O ao longe tornou-se perto rapidinho: era Jason, de Sexta-Feira 13. Do pouco que consegui olhar, era um sujeito robusto, com sua típica roupa de lenhador e máscara de jogador de hockey. Disparamos mais uma vez. Corríamos com o mesmo vigor das vítimas dos filmes de terror que ele estrelava. A ordem da fila era a seguinte: Tio Renato na frente, depois Tia Lídia, Camila, eu, Daniel, Tio Fulano e Jason. Mesmo tendo ainda duas pessoas entre mim e o assassino, o som da moto-serra dava a entender que minha orelha seria decepada em instantes. O sujeito era bom de corrida.

Todos concentrados em fugir e eis que, misturado ao barulho infernal daquele motor em alta rotação, ouvimos os gritos de Tio Fulano com sua voz de trovão:

- Socorro! Socorro, me ajudem! Esse cara aqui atrás quer comer meu c*!

O misto de corrida com gargalhada não deu certo. Não tinha como dar. Camila logo perdeu o fôlego, tropeçou e caiu na minha frente. Tropeçando nela, eu também caí. Na seqüência, Daniel. Em seguida, Tio Fulano. E, por fim, Jason e sua moto-serra. Quase o maníaco fazia vítimas, realmente. Mas por sufocamento.

Jason pegou seu trambolho e desapareceu. Deve ter se assustado com o nosso grupo. Brasileiro sempre chega pra bagunçar, é incrível. Principalmente se tiver um Tio Fulano no meio. E como bom brasileiro que gosta de tirar vantagens, eu ainda pensei em processar o estabelecimento e ficar rico: como é que dizem que os monstros não iriam tocar na gente e o sujeito simplesmente se joga em cima de nós?

No caminho de volta para o hotel, a resenha não parava. Relembrávamos dos sustos e ríamos muito. Entre re-memórias de perseguições de um monstro e outro, Tia Lídia surpreendeu a todos dirigindo-se a Tio Fulano:

- É, Fulano... dessa vez, por pouco você não vira um pobre tatu.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Por que não gosto de dormir em outra casa que não a minha.


Quando eu tinha lá pelos meus 8 anos, sempre pedia à minha mãe que me deixasse convidar um amigo para passar o final de semana lá em casa. É aquela coisa: filho temporão, bem mais novo que meus 4 irmãos, àquela altura, todos casados ou morando fora. Sem contar que na minha rua não morava uma criança sequer. Portanto, eu não tinha companhia para brincar. (É de partir o coração, eu sei, mas era a realidade).

Mas, não sei por que, eu nunca aceitava um convite para passar o final de semana na casa de um amigo. Quando isso acontecia, eu tentava persuadi-lo a fazer o contrário e normalmente conseguia. Confesso que eu era uma criança cheia de manias e vontades, desses meninos que merecem uns cascudos de vez em quando e que jamais os têm.

Foi então que Cláudio, um amigo do Colégio São Paulo, me chamou para passar o fim de semana com ele (nota: o texto está ficando estranho, dúbio, mas lembre da inocência que acompanhava a nossa pouca idade). No primeiro momento, tentei convencê-lo a ir para a minha casa. Sem sucesso: ele havia ganhado um Phantom System, o mais moderno vídeo-game daquele momento e jamais sairia de perto do brinquedo.

- Traga o Phantom pra cá! – insisti.

- Não dá. Felipe também está viciado no jogo e meus pais não vão deixar ele ir. – respondeu Cláudio, jogando um balde de água fria na minha tentativa.

Felipe era o irmão mais novo de Cláudio. Infelizmente, vi que desta vez não tinha jeito. E o pior: eu também estava louco pra jogar Phantom System. Inclusive tinham me prometido um destes para o Natal, esperei com a ansiedade de uma criança-cheia-de-manias-e-vontades-e-que-merecem-cascudos e, assim como os cascudos, jamais ganhei o vídeo-game. Não foi por falta de merecimento.

Arrumei uma sacola com umas duas mudas de roupa, escova de dentes, meias, três cuecas pra garantir e constatei que um par de tênis bastava. Ato este que até então era inédito. Para você ter uma noção de como tudo isso era novidade pra mim, durante toda a infância jamais cheguei a dormir uma só noite na casa de minha avó.

- Mãe, estou pronto. Me leve. – disse eu, confiante, metaforizando, dando duplo sentido ao “estou pronto”.

Cheguei na casa de Cláudio e, no primeiro momento, minha atenção estava 100% focada nos jogos do fantástico Phantom System. Ah, que gráficos! Eu podia passar a vida jogando aquilo. Não tinha fome, não tinha sede, não tinha vontade de fazer nem xixi, nem cocô. Por mim, envelhecia diante daquela televisão e seus pixels coloridos e sons futuristas. Depois de muitas batalhas, corridas de Fórmula 1, tiros trocados, conquistas espaciais e lutas com ninjas, chegou o fatídico momento: a hora de dormir.

A mãe de Cláudio me deu uma toalha de banho, gentilmente cedeu a cama de meu amigo pra mim, puxou a bicama e acomodou o desalojado nela. Depois, cobriu com cuidados de mãe Felipe, seu filho mais novo. Era a hora. Um boa noite, a escuridão e um silêncio profundo. O que eu estava fazendo ali?! Demoraria muito para amanhecer, precisava dar um jeito de conseguir dormir. Maldita idéia, maldito vício de vídeo-game. Relaxe, vai dar tudo certo, eu procurava me acalmar.

Pra piorar substancialmente a situação, Cláudio havia me dito que Felipe era sonâmbulo. Antes mesmo de conhecer seu irmãozinho, meu amigo já tinha contado diversas histórias de seu distúrbio em conversas no colégio. E como sou muito curioso, me aprofundava nas perguntas: é verdade que não se pode acordar um sonâmbulo? Ele fica com os olhos fechados ou abertos? Ele tropeça nas coisas? Quanto tempo dura isso? Depois ele lembra de tudo? Dá medo?

- Acho que aquele Alimbinha me deu dor de barriga. Vou no banheiro. – Cláudio interrompeu o silêncio e meus pensamentos de desespero.

Quando o ouvi trancar a porta do sanitário, me dei conta que tinha acabado de ficar sozinho com o sonâmbulo. Um arrepio percorreu toda minha espinha. Os poucos pêlos que tinha nos braços ficaram em pé. Coberto pelo lençol até o pescoço, tomei coragem para virar o rosto e olhar Felipe. Ele dormia tranqüilamente. Apesar desta constatação ter me acalmado por um instante, a diarréia de Cláudio sem dúvidas estava sendo mais sofrível pra mim do que pra ele. Nunca quis tanto ouvir o barulho de uma descarga.

Continuei olhando atentamente para o irmão de meu amigo. Foi então que a paz do semblante de Felipe deu lugar a feições carregadas de ódio. Para o meu mais genuíno pânico, o rapazinho sentou-se na cama, abriu os olhos e me encarou em silêncio. À esta altura, eu apertava com tanta força o lençol que, se ele ainda existir, tenho certeza de que minhas unhas ainda estão lá. Barulho de descarga, por favor, barulho de descarga, eu pensava.

O ódio nos olhos de Felipe começaram a dar lugar a uma ira aterrorizante. E o alvo daquele olhar era eu, somente eu. Não era possível que aquilo estava acontecendo comigo. O garoto então rangeu os dentes e falou devagar, com uma voz que lembrava à da menina do Exorcista:

- Saia daqui....

Eu me tremia, a cama tremia, meus olhos queriam saltar das órbitas, ainda bem que eu tinha levado três cuecas. Após uma pausa, ainda com o olhar fixo em mim, Felipe repetiu, porém, aos gritos:

- SAIA DAQUI!!!

Do salto que dei da cama, não me lembro mais. Mas imagino que eu já deva ter caído fora do quarto, no corredor. Para onde o nariz apontou, corri como um louco. Quando percebi, estava dentro do quarto dos pais de Cláudio. Na velocidade que vim, pulei com tudo na cama do casal, bem no meio dos dois. Eles acordaram com o que eu calculo ter sido um bom susto.

- O que está havendo, menino?? – perguntou a mãe de Cláudio.

- É Felipe, tia. É Felipe... – repetia enquanto, desta vez, apertava o lençol de sua cama.

Ela foi até o quarto onde aquele filme de terror estava se passando. Eu, definitivamente, não queria mais voltar lá, mas o pai dos meninos me expulsou da cama de casal de maneira cordial. Ao entrar no quarto me esgueirando pela parede, ainda troquei olhares com Felipe. A mãe alisava o cabelo daquele projeto de demônio.

- Dorme, meu filho, dorme... – disse a mãe com uma voz doce, contrastando com os sons guturais que o fedelho produzia.

Curiosamente, diante dos afagos, Felipe pendeu o corpo para o lado, fechou de novo os olhos e sua face relaxou dando lugar a uma expressão angelical. Neste momento, Cláudio resolveu sair do banheiro. Eu que tivesse esperado ele terminar de colocar as tripas pra fora.

- O que foi? – perguntou meu amigo ao ver a mãe ajeitando Felipe na cama e eu acuado no canto do quarto.

- Seu irmão ficou sonâmbulo e Pedro se assustou. – disse a mãe, utilizando-se de grande eufemismo.

As coisas se normalizaram: o menino dormiu, Cláudio parecia ter se visto livre do que lhe fazia mal e, quando a mãe nos deu novamente um boa noite com a mão no interruptor de luz, fiquei em dúvida entre duas frases para responder:

- Tia, liga pra minha mãe, quero ir pra casa.

Ou:

- Tia, posso dormir com você?

Não tive coragem de falar nem uma, nem outra. Passei a noite vigiando Felipe e só fui dormir quando ele acordou de manhã me dando bom dia antes de ligar novamente o vídeo-game para jogar.

quinta-feira, novembro 13, 2008

Não pára, não pára.


Em publicidade existe uma técnica de criação chamada “brainstorm”. Sem querer subestimar os conhecimentos em inglês de ninguém, é algo que podemos traduzir como tempestade cerebral. Mesmo odiando estrangeirismos, confesso que seria estranho chamar os colegas para fazer uma tempestade cerebral. Enfim, “brainstorm” nada mais é do que uma reunião entre dois ou mais criativos com o objetivo de despejarem um turbilhão de idéias sem qualquer tipo de censura e onde um pode ir complementando o conceito que o outro criou.

Eu estava com um briefing em mãos para criar defensas de rua para o Motel Scala. Defensas são aquelas placas que ficam nas calçadas, muitas vezes próximas de sinaleiras e, geralmente, instaladas nos arredores dos estabelecimentos que elas anunciam. Trata-se de uma boa ferramenta de localização.

Resolvi então fazer um brainstorm com Renato, diretor de arte da agência na época e Danilo, meu sócio. Só que, dessa vez, fizemos diferente: trocamos nossas idéias pelo MSN. Um erro.

Depois de muitos conceitos que não foram aproveitados, encontramos um caminho criativo que consideramos interessante. Imaginamos ser possível fazer um paralelo entre coisas que são ditas em, digamos assim, momentos íntimos e frases indicativas da localização do motel.

Você vai entender. Transcrevo abaixo o diálogo virtual:

Pedro diz:
Vamos lá moreno... o que é que as pessoas dizem quando estão transando?
Renato diz:
Ai, ai, ai, ai... que delícia...
Pedro diz:
hahahahahaha por favor, dê prefência a diálogos que tenham a ver com indicação de localização.
Renato diz:
hahaha ok, ok...
Renato diz:
Deixa eu pensar.
Pedro diz:
Algo assim... colocamos a placa um pouco antes da virada da rua com uma seta e o título: “Dá uma viradinha.”
Renato diz:
Certo... antes do ladeirão que desce para a cidade-baixa: seta pra baixo e título “Desce um pouquinho”
Pedro diz:
Ok, massa. Marca esse aí. O que mais?

E assim íamos criando, escrevendo um monte de frases de duplo sentido. No meio delas, algumas linhas meramente pornográficas, sem função alguma. E é isso que é brainstorm: um monte de bobagem sendo dita e algumas poucas coisas sendo aproveitadas.

Continuamos:

Renato diz:
Só mais um pouco. Você está quase lá.
Pedro diz:
Continue. Não pare, não pare.
Renato diz:
Mais rápido, mais rápido.

Nem Ney Matogrosso e Freddie Mercury conseguiriam manter uma conversa desse naipe. Copiei o trecho acima na íntegra e resolvi colar na janela do MSN de Danilo para que ele desse a sua opinião e também acrescentasse alguma frase pornô-publicitária. Mas, o inesperado aconteceu. Colei o diálogo na janela de Domingos, um amigo que até então nunca havia duvidado de minha masculinidade. Ficou assim:

Renato diz:
Só mais um pouco. Você está quase lá.
Pedro diz:
Continue. Não pare, não pare.
Renato diz:
Mais rápido, mais rápido.

(pausa para pensar no que dizer)

Pedro diz:
Mingote, não é nada disso que você tá pensando. Eu tô criando com Renato aqui umas peças para o Motel Scala...
Domingos diz:
Eu não tô pensando nada não... não precisa se justificar
Pedro diz:
Show de bola, então
Domingos diz:
Mas na boa... vá fazer sexo virtual com seu amigo em outra janela, ok?

Essas defensas do motel estão coladas na rua até hoje. Devem ter pra lá de dois anos e já recebemos o pedido de criação do cliente para serem substituídas.

Não sei se consegui convencer Mingo da minha heterossexualidade, mas aproveito o espaço para reforçar: Mingote, eu não sou viado. Renato não sei, mas eu não sou viado.

sexta-feira, novembro 07, 2008

"Doe uma laranja, lá lá lá lá lá, mas se for bonzinho doe duas"


Aos 11 anos de idade, fiz minha primeira campanha de sucesso. Uma campanha agressiva, de resultado, bem sucedida em recall, share of mind, market share e outros estrangeirismos publicitários que convergem em uma única tradução: deu certo. É com satisfação que lhes apresento a vencedora e polêmica campanha da laranja.

Infância é assim: brincamos de esconde-esconde, pega-pega, polícia e ladrão, baleado, garrafão, jogamos vídeo-game, futebol, papel higiênico molhado nos carros que passam na rua e, quando não resta mais nada pra fazer - após fazermos tudo -, chamamos de tédio. Foi justamente num momento como este, de ócio criativo, que a idéia da campanha tomou corpo.

Estávamos eu e Daniel na casa de Juninho, os três completamente de pernas pro ar. Um deitado no chão olhando pro teto, outro fitando a TV sem prestar a menor atenção no programa que estava passando e o outro (certamente não era eu, por conta da minha educação britânica) tirando catotas do nariz e lançando-as contra a parede através de petelecos.

- Deu fome... – disse Daniel, interrompendo o longo silêncio.

- É, também estou com fome. – concordei.

- Vamos ver o que tem na cozinha. – disse o dono da casa enquanto saía lentamente de sua inércia.

Juninho explorou primeiro a geladeira. Com a porta do eletrodoméstico aberta, passeava lentamente os olhos nas prateleiras, uma a uma. Pegou um queijo e disse para si mesmo:

- Não tem pão.

Devolveu o queijo, deu outra olhada e, com as mãos vazias, fechou a porta. Abriu o congelador logo acima. Nada de sorvete ou qualquer sobremesa, apenas cubas de gelo. Para nosso azar, aproximava-se o dia do mercado do mês em sua casa. Ou seja: parcas, quase nulas, as opções de lanches. Ainda tentou a despensa. Arroz, feijão, milho em conserva, palmito, caldo Knorr, sabão em barra, detergente. Nada!

- Tem laranja... – disse Juninho apontando desanimado para a fruteira em cima da mesa de almoço.

Laranja? Só lembro de ter chupado laranja quando era pequeno, nas festas juninas da escolinha. Laranja só em suco e olhe lá, eu era movido a Coca-Cola. Daniel fez uma última tentativa:

- Não tem um biscoito aí não?

- Não. Tem laranja... – reforçou Juninho.

Era o jeito. Cada um pegou uma fruta. Após as lavarmos, o dono da casa gentilmente nos cedeu uma faca. Sem prática alguma com o instrumento cortante, levamos uma década para conseguir tirar toda a casca. Demora que só fez aumentar a fome. Juninho como sempre, o mais precoce, conseguiu deixar a laranja só na casca interna, aquela parte branca. Dividiu-a em duas bandas com um corte preciso, prenúncio de sua carreira bem sucedida de cirurgião. Ao levar aquela polpa amarela e brilhante à boca, Juninho fez uma cara de satisfação como se estivesse comendo uma barra inteirinha de Toblerone. Àquela altura, eu e Daniel tínhamos nas mãos mais cascas do que fruta. Na tentativa de chegar na parte interessante, dávamos inábeis talhos que consumiam nossa preciosa merenda.

Conseguimos. Juninho tinha razão. O silêncio dos três na cozinha revelava a delícia que é chupar uma laranja. Aliás, não era bem silêncio, era um barulho irritante, como se fosse um beijo de carnaval. Sluuurp, glup, shliii, esses sons, mais ou menos. Se não fosse pela nossa pouca idade e alguém visse a avidez com que sorvíamos aquele sumo, diriam que a gente tinha fumado maconha e aquilo era larica.

Terminada a meleira geral em cima da mesa, instantaneamente, cada um pegou mais uma fruta. Dessa vez, eu e Daniel ignoramos a casca e só dividimos as bandas com a faca. A partir da terceira rodada, descobrimos a espetacular maneira de cortar a laranja em cruz. Desse jeito, assava muito menos a boca.

Quarta rodada, quinta, e acabaram as laranjas da casa. A fome não havia passado. E o pior: aquele vazio no estômago tinha se transformado em desejo por laranja. Não queríamos sanduíche de queijo, nem biscoito recheado São Luiz, nem Nescau, nem sorvete, nem mini-pizza, nem geléia de mocotó. Nem mesmo Toblerone servia. Só laranja.

Fomos até minha casa e nos deparamos com sete laranjas no cesto. As dividimos irmanamente. Duas pra cada, a sétima cortada em cruz, um gomo pra cada e o último deles no zerinho ou um. Comemos, sujamos tudo mais uma vez e partimos para a casa de Daniel em busca de mais laranjas. Incrível, aquilo era muito bom, mas não enchia a barriga.

No elevador, encontramos Fernando e Léo. Contamos a eles qual era a nova sensação do prédio e pedimos a colaboração dos dois já que o estoque de laranjas de nossas casas tinha ido para o espaço. A recepção da idéia não foi das melhores.

- Chupar laranja? Se ainda fosse para jogar na casa de Dr. Encrenca... – disse Fernando, referindo-se a um vizinho chato.

- Por mim vocês ficam com todas que acharem lá em casa. – disse Léo, desdenhando de nossa mania repentina.

A indiferença dos dois durou pouco. Logo eles já estavam nos ajudando a finalizar as cítricas frutas de suas próprias casas com mais gula que nós, os pioneiros. Então, um grande problema ameaçou tirar nossa tranqüilidade: já não havia mais fontes de laranjas. Após um pequeno início de tumulto, verdadeira síndrome de abstinência, as coisas foram começando a clarear.

- Por que não vamos de apartamento em apartamento pedindo laranjas? – Daniel deu seu lampejo de solução.

- Claro que não. Sou lá mendigo pra ficar indo de porta em porta pedindo comida? – exasperou-se Fernando, o orgulhoso da turma.

- Podemos fazer melhor: vamos criar a campanha da laranja. – disse eu, triunfante, pai-coruja da própria idéia.

Meus amigos lançaram em mim um olhar de peixe morto. A experiência mostrava que quando eu tinha estalos assim, costumava sobrar para alguém ou para todos. Acalmei o grupo apresentando o planejamento da campanha:

- Pegamos o toca-fitas de Daniel e gravamos uma mensagem pedindo doações de laranjas. Depois, colocamos o aparelho na frente da porta do apartamento junto com uma cesta vazia, apertamos play, tocamos a campainha e nos escondemos na escada.

Devo ter sido persuasivo. Por algum milagre eles toparam no ato. Fomos até a casa de Daniel e fizemos a gravação. O texto foi meu, a locução de Juninho e a trilha, um coro quase beneditino, do resto do grupo. Não repare, mas o resultado foi mais ou menos assim:

- (coro ao fundo. Locução com voz impostada em tom sério) Atualmente, a fome é uma das principais causas de morte no mundo inteiro. E as crianças do Parque das Árvores estão com fome. Por favor, doe laranjas para combater esse mal. Basta depositá-las no cesto que se encontra ao lado do aparelho de som. Muito obrigado.

Como se já não bastasse a locução, entrava um jingle de gosto duvidoso:

- Doe uma laranja, lá lá lá lá lá, mas se for bonzinho doe duas.

Nem rima tinha.

Existe uma máxima na publicidade que diz que propaganda pra dar resultado tem que ser ou muito boa, ou muito ruim. Adivinha qual era o caso da nossa? Só sei que a campanha deu certo: no terceiro ou quarto apartamento já estávamos com o cesto cheio de laranjas.

Ainda celebrávamos a grande quantidade de frutas recolhidas quando sofremos um infortúnio. Deixamos o som na frente de um dos apartamentos e, como de costume, nos escondemos na escada. De repente, no meio da locução, o som foi interrompido e então ouvimos a porta bater. Voltamos para olhar e só encontramos a cesta. Haviam roubado o aparelho de Daniel.

Tocamos várias vezes a campainha. Enquanto batia na porta sem parar, Daniel gritava “devolve meu som, devolve meu som!”. Depois de alguns minutos, já saturado da confusão na entrada de sua casa, Alexandre, o revoltado adolescente de 16 anos responsável pelo furto, abriu a porta e colocou o som diante de nossos pés através de movimentos bruscos.

- Doação de laranjas?! Vocês são idiotas, é? – Perguntou irritado e em seguida bateu a porta com força na cara da gente.

Após tantas histórias nossas que, no mínimo, desafiaram o bom senso e jamais obedeceram qualquer lógica, percebo que a áspera pergunta de Alexandre ainda ressoa em minha cabeça. Mas, confesso: ainda não encontrei resposta para ela.

terça-feira, novembro 04, 2008

O melhor amigo de um hipocondríaco.


junior diz:
colé moreno!
junior diz:
rapaz...
junior diz:
fiz uma cirurgia baaaala
Pedro diz:
rsrsrsrsrs
junior diz:
tumorzaço de rim
junior diz:
por laparoscopia
Pedro diz:
matou?
junior diz:
filho...to ficando bom
Pedro diz:
muito complicado?
junior diz:
rapaz...dificil..
junior diz:
muita técnica
junior diz:
vários passos delicados
junior diz:
mas deu certo
junior diz:
quase 3 horas
junior diz:
de cirurgia
Pedro diz:
vai sobreviver?
junior diz:
vai pra casa amanhã
Pedro diz:
vc é o cara... assim vai acabar perdendo seu apelido de Dr Morte
junior diz:
kkk
junior diz:
é serio seu gay
junior diz:
tumor grande, bonito, mas localizado
junior diz:
man
junior diz:
vou tomar banho. Abraço

Viu que até hoje ele só fala de doença? Já tô até sentindo uma pontada do lado direito, uns quatro dedos acima da cintura.

* Conversa de MSN com Juninho, meu amigo de infância, verdadeiro irmão, presente em um monte de histórias. Duas delas:
Tio Fulano e meu teste de HIV.
A bomba dentro do elevador.

sábado, novembro 01, 2008

Historinhas de propaganda.


Trabalhar com propaganda tem lá seus pontos negativos. Um deles e o que mais me irrita é o fato de todo cliente – aliás, todo mundo que conheço – se achar publicitário. E isso não acontece em nenhuma outra profissão. Pense bem, duvido que você já tenha ouvido alguém dizer numa consulta médica:

- Doutor, eu sei que você prescreveu dose única diária de 20 mg de Pantoprazol pela manhã, mas eu quero tomar 80 mg de meia em meia hora.

Pois em propaganda o cliente insiste em determinar a dose. Aliás, ele sabe escolher até o remédio que vai tomar. Isso quando não já chega com o tratamento todo pronto na cabeça. Quando aparece um desses na agência, me dá vontade de falar para ele em tom profético:

- Levanta-te e anda. Ide, estais curado. Sumíeis da minha frente.

Mas a propaganda também tem o seu lado lúdico que supera em muito as agruras do dia-a-dia. Principalmente para quem trabalha com criação, o que é, graças a Deus, o meu caso.

Quando você inicia sua vida profissional na área, é vítima de uma dezena de trotes. Muitos deles. E, nessa seara, vale ressaltar que falta criatividade aos criativos: entra ano, sai ano, e as pegadinhas continuam as mesmas. Devo admitir que, como estagiário, caí em todas elas.

Eu estagiava como redator da Idéia 3, uma grande agência de Salvador, a mais criativa da época. Para mim era um sonho estar lá trabalhando entre os mais premiados do mercado. A galera era jovem, receptiva e logo me acolheram como o mascote da turma. Mas a minha pouca idade e experiência fizeram de mim alvo fácil para todo tipo de brincadeira. Hiram, um grande diretor de arte e até hoje um grande amigo, era meu principal algoz. Na minha primeira semana, recebi sua primeira incumbência:

- Pedro, você pode ir no estúdio pegar pra mim um carretel de linha de corte? – disse Hiranildo.

Linha de corte nada mais é do que uma marcação que vem impressa no papel para indicar onde a lâmina tem que passar. Ou seja: não existe nenhum carretel de linha de corte.

- Certo, volto já. – respondi com o entusiasmo e a presteza de quem está começando.

Levantei, fui até o estúdio onde umas dez pessoas trabalhavam em clima tenso. Quebrei o silêncio:

- Boa tarde. Por favor, alguém aí pode me dar um carretel de linha de corte? Hiram pediu para eu vir buscar.

Uns quatro arte-finalistas riram baixo e o chefe de estúdio respondeu sério:

- Vá na produção e pergunte onde é a gaveta de retícula em pó. O carretel está lá dentro.

Obviamente, também não existe nenhuma retícula em pó. Fui até a produção e pedi às duas meninas que estavam lá para me ajudarem a encontrar a tal gaveta da encomenda. Uma delas, com um simpático sorriso de canto de boca, me disse:

- Infelizmente tanto a retícula quanto o carretel acabaram de acabar. Um novo lote já deve estar a caminho. Volte aqui amanhã!

E assim, até o dia em que descobri que jamais existiu um carretel de linha de corte, muito menos um saco de retícula em pó, fui fazendo papel de besta e uma verdadeira peregrinação diária aos departamentos da agência.

Um ano depois, fui trabalhar na Propeg. Outra grande agência criativa cheia de criativos premiados. Eram dois diretores de criação: Maurício e Giovanni. O primeiro, o maior nome do mercado à época e também uma criança de quase dois metros de altura, um grande gozador. O segundo, uma fera do marketing político e um sujeito sério para os padrões da nossa área.

Apesar de toda essa aura descontraída que envolve a propaganda, engana-se quem acredita que ficamos horas no ócio até chegarmos a uma idéia brilhante. Muita concentração e centenas de tentativas para se chegar a bons conceitos são a nossa rotina. Portanto, nos lugares em que trabalhei, o silêncio imperava.

E foi na Propeg que dei mais um vexame de recém-contratado. Cheguei lá com uma gripe terrível: tosse de cachorro, espirro, todo tipo de barulho faringolaringopneumológico. Fiquei apreensivo, afinal, apenas meus sons irritantes interrompiam o silêncio sepulcral do lugar. Tentava tossir baixo, não conseguia. Buscava prender o espirro, saía mais alto. De sua mesa, Giovanni me perguntou:

- Ei, Pedro, você está com o quê?

Prontamente levantei da minha cadeira, fui até lá e disse constrangido:

- Gripe forte, Giovanni. Dor de garganta, tosse e tô com um pouco de febre desde ontem.

Ele fez uma pequena pausa e, para delírio dos meus novos colegas, completou:

- Na verdade eu queria saber com que trabalho você está agora em mãos.

Já Maurício era bem diferente. Além de propaganda, tinha outra coisa que ele fazia como ninguém: tirar nosso foco do trabalho. Certas brincadeiras eram marcas registradas suas. Era freqüente ele sair de sua sala e passar por nossas mesas anunciando:

- Pessoal, tô indo ao banheiro, alguém quer alguma coisa?

Quando estávamos quase voltando a nos concentrar, já dentro do sanitário, ele colocava a cabeça para fora e dizia:

- Bom fim de semana a todos.

Após a descarga e sua saída do toalete, já esperávamos alguma manifestação dele:

- Ei, ainda é hoje?

Ou então:

- Quem deixou um chokito no vaso sanitário?

E o pior é que um dia ele realmente se deu ao trabalho de levar um chokito escondido para o sanitário e se divertiu quando uma das meninas constatou o chocolate dentro do vaso, saindo de lá bradando palavras de nojo.

Uma outra vez, logo que eu havia chegado por lá e mal conhecia as pessoas, ele olhou sério para mim e disse na frente de todos:

- Pedro, eu já comi 38 redatores que passaram por essa agência.

Em seguida, pegou um daqueles imãs acolchoados de teto de carro e colocou em cima de minha cabeça. No artefato, a inscrição: 39.

Ok. A gente reclama, reclama, reclama, mas propaganda é algo pra lá de divertido, realizador, uma verdadeira cachaça. Enfim, não é à toa que agüentamos trabalhar até tarde, virar noites, abrir mão de alguns (ou muitos) finais de semana e feriados. Viu que, fora a grana no fim do mês e a diversão, a analogia com a medicina é pertinente?