terça-feira, outubro 28, 2008

A Coca-Cola no avião.


- Peu, topa ir com a gente pra Califórnia?

Disse Sandra, minha irmã, às vésperas da Copa de 94. Acabei topando. Afinal, ela precisava de ajuda: ia com duas crianças a tiracolo e ainda estava grávida de uns sete meses. Ok, assumo, topei porque ia pra Disneylândia, Universal Studios e, de quebra, voltaria com a mala cheia de pares de tênis, vídeo-games, chicletes e outras quinquilharias que todo adolescente acha o máximo.

Não posso deixar de registrar que nos divertimos bastante. Alguns casos pitorescos foram bons companheiros de viagem. Como, por exemplo, meu sobrinho preso em um carrinho numa loja de brinquedos com o segurança correndo atrás da gente, o dia que não consegui usar o vaso sanitário do Yosemite Park, um buraco sem fim que possivelmente dava em uma outra dimensão e a minha Coca-Cola no avião.

Eu já sabia que o vôo para Los Angeles seria longo e pra lá de cansativo. 12 horas voando, fora o trecho Salvador / São Paulo. Embarcamos no Aeroporto Internacional Dois de Julho com destino a Sampa. Eu, Sandra e seu barrigão, Daniela e Gabriel. Os dois últimos com apenas 9 e 6 anos, respectivamente. Aí, já viu: corre-corre no aeroporto, berreiro, quero fazer xixi, quero fazer cocô e a gente tentando fazer o check-in. Por alguma providência divina conseguimos embarcar.

O avião estava quase vazio. E eu munido de meu Game Boy, um monte de cartuchos, além de um saco de revistas do Tio Patinhas. Tudo para enfrentar horas e mais horas sentado, uma chatice sem igual. Fui para o meu assento e comecei a ler o folheto com instruções em caso de emergência. Precisava economizar as leituras que havia levado, afinal a jornada estava apenas começando. Fora alguns “tô com fome”, “tô com sede” e “minha mãe, Daniela me bateu”, a viagem foi tranqüila e chegamos rápido.

Em São Paulo, fomos um dos primeiros a embarcar na conexão. Agora sim, era pra valer. A sorte é que o avião parecia que iria decolar vazio. Sorte que durou muito pouco tempo. De repente, começou a entrar na aeronave uma multidão de japoneses. Vários, incontáveis, invasão igual àquela só em Pearl Harbor. Descobri então que aquele vôo faria também o trecho Los Angeles / Tóquio. Deu vontade de rir: aquele povo iria voar conosco as intermináveis 12 horas até a Califórnia e depois mais 12 horas até o Japão. Nosso destino era apenas a metade do caminho deles.

A nossa fileira era a última antes dos assentos de fumantes. Minha irmã grávida, a gente com mais duas crianças e a impressão que tínhamos era de que havia uma chaminé soltando fumaça atrás da gente. Pedimos para mudar de lugar por conta da condição de Sandra. Sem sucesso: o vôo estava lotado. Ou seja, seria pior do que a gente imaginava.

A viagem foi prosseguindo. Pra mim, Game Boy e revistinha. Depois, revistinha e Game Boy. Num intervalo entre um entretenimento e outro, procurava levantar da poltrona e dar uma volta pelo avião para evitar que a bunda ficasse quadrada. Mas, curiosamente, eu tomava choque em quase tudo que tocava. Resolvi perguntar à minha irmã qual era o motivo daquilo.

- Eletricidade estática em seu corpo gerada pelo deslocamento do avião. – respondeu a engenheira.

Beleza. O avião se desloca e eu tomo choque. Anoiteceu e o jantar foi servido. Quando a bandeja foi recolhida após a refeição, eu pedi a aeromoça que deixasse o meu copo de Coca-Cola. Como eu tenho grande dificuldade em dormir no avião, iria continuar jogando e bebendo meu refrigerante como quem aprecia um puro malte escocês.

Acabei ficando tão entretido com o vídeo-game portátil que esqueci da Coca. O gelo derreteu por completo e ela ficou intragável. Apertei o botão para que a aeromoça recolhesse meu copo, mas tive a impressão de que, assim como todos os outros passageiros, ela também estava dormindo. Então, resolvi levantar e levar o resto do refrigerante até o seu posto.

Ao chegar naquela espécie de copa que existe no avião, encontrei a aeromoça de costas arrumando as prateleiras. Estiquei o dedo da mesma mão que segurava a Coca-Cola e cutuquei a mulher para que ela se virasse e eu pudesse finalmente entregar aquela garapa. Porém, quando toquei em seu corpo, levei um tremendo choque que me fez jogar o copo contra meu rosto. Tomei um banho de refrigerante. A aeromoça, diante daquela cena, deu um pulo para trás com as duas mãos estendidas como quem pede distância. Imaginou que eu era um louco que só tinha ido até ela para mostrar: “olha isso, eu sou pirado, jogo Coca-Cola em minha cara”. Com o cabelo encharcado e o rosto pingando aquele líquido negro, tentei explicar:

- Estou tomando choque direto...

A cara de susto da mulher deu lugar a um semblante de alívio e compreensão. Abriu um sorriso e me disse:

- É a estática!

- Pois é, gerada pelo deslocamento do avião. – respondi querendo mostrar que um louco não saberia do que aquilo se tratava.

Gentil, ela trouxe duas toalhas brancas e eu tentei me secar. Agradeci e voltei para meu assento ainda com o cabelo molhado e o corpo todo grudento.

- Mãe! Meu tio tomou banho. – disse Daniela.

Aguardei pacientemente as últimas horas de vôo e enfim pousamos em Los Angeles. Na esteira de bagagem, encontrei de novo a aeromoça. Sorri para ela e já ia agradecer mais uma vez quando ela virou para a colega e disse:

- Aí ó, foi esse menino que foi lá me chamar para mostrar o banho dele de Coca-Cola!

As duas riram de minha cara. E, depois desse dia, o impossível aconteceu: eu consegui gostar ainda menos de física.

quinta-feira, outubro 23, 2008

A poesia baiana, o ensaio e Zé preso no lavabo.


Aqui em casa tem um lavabo que, vez ou outra, resolve prender as pessoas em seu interior. Isso mesmo, logo o lavabo, onde as visitas já entram meio sem jeito e nem todas costumam freqüentar só para lavar as mãos. O problema é que a tranca da porta é daquelas de girar e o sujeito que a instalou - um cara de Q.I. bastante elevado, presumo – fez o favor de instalar a dita cuja ao contrário. Portanto, para trancar é preciso girar como se estivesse abrindo. E vice-versa.

E o lavabo é pequeno. Aliás, bem pequeno. Não tem janela, nem exaustor e o ar fica, digamos assim, viciado, em pouco tempo de uso do minúsculo lugar. Ah, e ainda tem mais: a porta é de madeira maciça, quem já tentou arrombar, ficou frustrado. Enfim, para quem tem claustrofobia é quase um parque de diversões.

Certo dia, em meados do ano 2000, estávamos eu, Lelo e Zé em minha casa. Nós três tocávamos numa banda de pagode, o Queima Samba. (Ok. Eu espero você parar de rir). Tudo bem, o nome da banda não era dos melhores. O slogan, menos ainda: “botando fogo no pagode”. Mas acredite, além de grandes amigos, conseguimos reunir bons músicos. Prova disso é que Lelo hoje é baixista do Chiclete com Banana e Chokito, nosso tecladista, está em Londres tocando bossa nova. Além do mais, só a gente sabe o quanto essa época foi fecunda de material feminino.

Bom, como eu ia contando, era fim de tarde e logo mais à noite tínhamos um show para tocar. Mal entramos em casa e Zé, já íntimo e sem pudores, anunciou suas necessidades fisiológicas e seu destino: o lavabo. Entrou rapidamente no banheiro enquanto eu e Lelo seguimos para meu quarto. Não havia ninguém na casa. Peguei a guitarra que estava em cima da cama, Lelo pegou seu baixo e começamos a ensaiar algumas músicas que tocaríamos mais tarde e que ainda não estavam cem por cento ajustadas. Começamos a executar canções complexas e sofisticadas:

“Eu crio pássaros / Mas tem um que eu gosto mais / É uma tal de uma rolinha / Que não pára de cantar / Eu chego em casa, ela balança a cabecinha / Sacote toda a sua asinha para me prestigiar / Minha mulher não gosta de passarinho / Quer assar o meu bichinho / Que eu amo tanto e dou carinho / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Ela não vai pôr minha rola na sopa / Porque meu bichinho é uma coisa louca.”

Eu adoro esse final. Pura poesia. Novíssima poesia baiana. Lelo interrompeu a execução da música:

- Acho que é: “sacote toda a sua asinha para me presentear”. E não “prestigiar”.

Caramba, como mudou. Um deslize numa obra de arte dessas pode culminar com o desalinhamento da órbita dos planetas. Retruquei:

- Lelo, meu filho, qual a diferença? Fica todo mundo com a cabeça cheia de cachaça, se pegando lá embaixo, você acha realmente que alguém repara nessas letras?

E continuamos. Os dois em grande momento de concentração artística:

“Vem neguinha, vem sambar / Hoje eu quero lhe mostrar / Como dança o tchá-tchá-tchá / Hoje eu quero requebrar.”

Repentinamente, Lelo interrompeu de novo o som do seu baixo. Perguntei:

- Qual é, Lelo? Vai dizer que não é “requebrar”, é “rebolar”?

Com a testa franzida e olhos voltados para o teto, buscando ouvir algo, Lelo respondeu:

- Shhhhh... não tá ouvindo?

- Não. O quê?

- Presta atenção... um barulho como se fosse alguém batendo numa porta. – disse Lelo, ainda com semblante preocupado.

- ...

- ...

- Ah, tô ouvindo. Parece vir lá de cima. – respondi querendo voltar logo ao ensaio.

- É, vem lá de cima. – Lelo se convenceu.

E voltamos a tocar:

“A dança do sapo é uma dança gostosa, é um clima legal / Tem a moça que requebra e tem um remelexo sobre-anormal.”

- Peraí, sobre-anormal é sacanagem! – disse Lelo, perplexo e interrompendo mais uma vez.

- Acredite, Lelo: a letra é assim mesmo. Vamos continuar?

- Peraí, rapaz. Tem mais de uma hora que Zé está no banheiro! Será que passou mal?

Levantamos e saímos do quarto. Logo no corredor recomeçamos a ouvir o som de alguém batendo em uma porta. A pancada era forte, porém espaçada, como se a pessoa já não tivesse tanta força. Realmente havíamos esquecido de Zé. Era ele, preso no cubículo por um período de tempo além do aceitável. Corremos em direção ao banheiro. Ao perceber minha presença e a de Lelo, nosso amigo intensificou as batidas e começou a suplicar exausto:

- Por favor, me tirem daqui! Pedro, a porta quebrou.

Vendo aquele desespero e lembrando que o problema era extremamente simples de resolver, não agüentei. Comecei a gargalhar de modo que não conseguia falar.

- É só girar... – disse eu, sem conseguir completar a frase e voltando a rir incontrolavelmente em seguida.

- Eu já girei! Não abre!! Arrombe, eu não tenho forças. – implorou Zé, no ápice do desespero.

Piorou a crise de riso. Eu só precisava dizer que bastava girar ao contrário, mas não saía. Tentei de novo:

- É só girar... – frase interrompida mais uma vez e novas risadas.

- Não abre! Não abre! Arromba!

- Pedro, pare de rir, o negócio é sério. – Lelo ponderou.

Quanto mais os caras ficavam nervosos, mais eu ria, pensando como era fácil acabar com tudo aquilo. Busquei me concentrar e, estimulado pelo nervosismo cada vez maior dos dois, procurei me refazer:

- É só girar... – respirei fundo e continuei – ao contrário!

Click. A porta abriu-se instantaneamente e nos revelou uma cena dantesca: Zé só de cueca, lavado em suor, olhos esbugalhados e cabelo de quem tomou um choque de 220 volts. Em uma de suas mãos, o sofisticado porta-papel higiênico todo desmantelado. A torneira ligada jorrando água, as gavetas da pia no chão, o tapete embolado em cima do vaso sanitário. Tudo revirado. O fato é que, desesperado e quase sufocado pelos seus próprios odores, Zé deu uma de Mc Gayver e tentou liberar passagens de ar ou, quem sabe, provocar uma fuga. O resultado foi um lavabo seriamente avariado.

Diante daquele cenário de guerra de um homem só, Lelo se desarmou e também desatou a rir. Saindo de seu cativeiro com cara de poucos amigos, Zé buscou dentro de si suas últimas forças e bradou:

- Vocês são loucos? Tem mais de uma hora que eu estou aqui batendo nessa porta e ninguém vem ajudar!

Já atrasados para o show, precisávamos nos arrumar. Entrei no banheiro, tomei banho e saí. Lelo entrou no banheiro, tomou banho e saiu. Zé entrou no banheiro, deu meia volta e perguntou desconcertado:

- Para destrancar, giro para o lado esquerdo ou direito?

sábado, outubro 18, 2008

A natação. (desta vez, numa piscina convencional).


Um dia desses, Daniela, minha sobrinha, e Raphael, namorado dela, conseguiram me convencer a fazer natação com eles. De aniversário, ganhei de meu sócio uma toca e óculos, os dois regalos cheios de não-me-toque, com alça de silicone, lente que não embaça, marca olímpica, enfim, um monte de firula. Talvez Danilo esperasse que eu virasse atleta, quebrasse recordes e deixasse a agência só pra ele.

Chegando na academia, uma surpresa: a piscina era quase do tamanho do tanque de lavar roupa lá de casa. Umas quatro raias dividiam o minúsculo espaço aquático. Fui apresentado ao professor que prontamente indicou as raias de cada aluno. Claro, tinha mais gente do que raia. Portanto, era necessário partilhar. Raia 1: Dani e Rapha. Raia 2: um senhor com barriga e bigode indisfarçáveis, parecido com Mário Bros e uma garota rechonchuda. Raia 3: um garoto magro, a cara da fome e um outro sujeito normal. Raia 4: eu e Seu Porfílio.

Seu Porfílio, um senhor negro, magro, curvado pelo tempo, fez-me sentir um campeão das piscinas. Eu, em meu primeiro dia, passava por ele fazendo marola. Ia, voltava e ia de novo e Seu Porfílio ainda ia. Ao tirar o rosto da água para respirar, ouvia o professor gritando:

- Seu Porfíliooooo! Bate as pernas, Seu Porfílio!

Seu Porfílio nunca batia as pernas. Só quando era estimulado: dava duas batidinhas e de novo paralisava os membros inferiores. Seu corpo então ia afundando lentamente. Através dos meus óculos que não embaçavam jamais, eu tinha a sensação que Seu Porfílio encostava os pés no chão. Era um misto de natação com caminhada na piscina.Ao longo da aula, fui me cansando mais e mais.

- Faltam mais 8 tiros! Boraaaaa! – gritava o professor com o estímulo típico das academias.

Foi então que dei o merecido valor a Seu Porfílio. A gente só podia dar a largada quando o último chegasse à borda. Portanto, o ritmo tranqüilo do meu colega de raia me permitia respirar um pouco e tentar uma recuperação para o próximo tiro. Enquanto eu inspirava e expirava no ritmo de um morimbundo na UTI, ouvia o maldito professor:

- Vamos, Seu Porfílioooooo! Só falta o senhor, Seu Porfílio!

E vinha Seu Porfílio. Uma braçada, uma pausa. Outra braçada, uma pausa maior. Em alguns instantes parecia que ele se afastava da borda ao invés de se aproximar. Muito bom Seu Porfílio, continue assim, ainda tenho muito o que oxigenar.

- Seu Porfíliooooo! Isso não é fisioterapia, Seu Porfílio! Bate essas pernas! – tentava o professor fazer o valoroso senhor nadar mais rápido. Em vão.

Terminada a aula, saímos da piscina e Dani e Rapha foram tomar banho nos vestiários. Fui em direção à sacola de minha sobrinha onde eu havia colocado meu celular. Virei-a de cabeça para baixo e sacudi até cair todo o conteúdo na mesa. Pensei: engraçado, pra quê Dani trouxe uma camisa enorme dessas e um bermudão? O único celular que caiu não era o meu. Mas parecia com o de Rapha. Já sei: eles pegaram meu telefone para me pregar uma peça. Ou pior: alguém roubou o aparelho. Comecei a ficar preocupado. Peguei o celular que caiu da sacola e comecei a ligar para o meu número. Enquanto eu telefonava, andava de um lado para o outro em volta da piscina. O senhor do bigode e do barrigão olhava para mim fazendo um discreto sinal de cabeça. Entendi como um cumprimento e dei tchau pra ele. Pensei: cara estranho, nem conheço direito. O telefone chamou, chamou e caiu na caixa. Liguei de novo e fui até o vestiário com o aparelho. Gritei pela janela:

- Daniela, meu celular tá aí dentro?

- Tá... – Dani respondeu com o som do chuveiro ao fundo.

Ufa. Retornei para a piscina, juntei toda a roupa que havia largado em cima da mesa, soquei tudo de volta na sacola junto com óculos de natação, toalha, enfim, um monte de coisa. Dei mais uns três empurrões para dentro e, mal fechei a sacola, Mário Bros, o senhor que acenou de rosto para mim, tomou a sacola de minhas mãos e foi indo rapidamente para a porta. Pois é: eu havia pegado a sacola dele, remexido, tirado tudo de dentro, ligado do seu celular, depois socado tudo de volta e ele o tempo todo observando.

Hoje fico imaginando o quanto esse sujeito me achou cara-de-pau. Mas, aprendi duas importantes lições: sempre olhe com muita atenção antes de pôr a mão numa sacola. E nunca, mas nunca mesmo, freqüente uma aula de natação sem a preciosa presença de Seu Porfílio.

segunda-feira, outubro 13, 2008

A boa ação de quatro amigos e a recompensa de um.


Acho que não há problema algum em dar nome aos bois neste post. Espero que ninguém venha protestar depois. Até porque, logo o leitor vai perceber o quanto meus amigos são nobres de coração e fazem de tudo para ajudar o próximo. Além disso, estou um pouco cansado de pseudônimos. Ok, pessoal? Sem processos, por favor.

Bem, era um lindo fim de tarde de sábado em Jaguaribe, a melhor praia para se fazer kitesurf em Salvador. Já havíamos velejado e estávamos sentados na areia tomando água de coco, aproveitando a brisa e jogando conversa fora. Não havia pressa alguma em ir embora. Éramos eu, Bob, Ortela e Luquinhas. Não lembro qual era o assunto em pauta, mas me recordo das boas risadas que compartilhávamos. Foi quando, de repente, Bob alertou a todos:

- Ei, aquilo ali não é um assalto?

Os últimos raios de sol despediam-se do céu, a praia já estava quase vazia e, bem ao longe, vimos a cena de um sujeito tentando insistentemente puxar as bolsas e pertences do que pareciam ser duas mulheres.

- São duas mulheres! – exclamou Ortela.

Sem pestanejar, Bob levantou num pulo e começou a correr na direção do ladrão que caminhava calmamente com o fruto do seu roubo. Ortela foi na seqüência. Os dois corriam em alta velocidade pela areia fofa. Olhei um instante pra Luquinhas que foi categórico:

- Rapaz, eu não vou não. – disse ele, ao tempo que sugeria através de gestos a provável existência de uma arma de fogo em posse do ladrão.

Mesmo não sendo estimulado por meu amigo que ficou na areia, acabei sendo contaminado pelo espírito heróico dos outros dois. Este rompante, sem dúvidas, contaria pontos pra mim no andar de cima. Levantei e fui no vácuo dos caras. Não lembro de ter corrido tanto como naquele dia. Só não tinha calculado que o sujeito estava tão longe. E Ortela, que parece ser raceado com português, resolveu gritar “pega ladrão” quando estávamos chegando perto do meliante. Pensei na hora: se éramos nós que supostamente iríamos pegá-lo, ele estaria gritando pra quem? Surto de esquizofrenia, no mínimo.

O fato é que o ladrão também começou a correr quando ouviu os gritos inteligentes de Ortela. A areia foi acabando e na frente de todos nós foi surgindo o que um dia já foi um rio e agora era o maior esgoto de Salvador. Suas margens abrigavam o mais caudaloso chorume da capital baiana.

(Chorume, segundo o dicionário: líquido tóxico gerado pela degradação de resíduos. Chorume segundo os populares: caldo de lixão).

Provavelmente impressionado com o físico dos três, o gatuno não pensou duas vezes. Largou as bolsas, pulou no “rio” e saiu nadando. Bob, do jeito que veio, também se jogou no esgoto. E o mais incrível: pulou de cabeça. Ortela hesitou, depois caiu na água e, talvez sentindo a pele derreter, saiu rapidamente. Já eu, quando parei de correr, apoiei as mãos sobre os joelhos e busquei desesperadamente um pouco de ar. Fruto de meses e meses sem uma única atividade física aeróbica. Adverti Ortela sobre meu pré-enfarte, que rapidamente tratou de vir ao meu auxílio, esquecendo por um instante a perseguição. Ao aproximar-se de mim, me arrependi profundamente de tê-lo acionado. Imagine só: você sem fôlego nenhum e o mínimo ar que consegue respirar vem com cheiro de esgoto podre. Ortela estava quase em estado de decomposição. Fui obrigado a me recuperar para sair de perto dele.

Atravessando aquelas densas águas, ia Bob no mais refinado estilo crawl. Era um verdadeiro torpedo, um Michael Phelps numa piscina de dejetos. Sem perder a performance, virava o rosto rapidamente para o lado buscando respirar e tornava a mergulhar a face na água negra. Apesar de todo o esforço de meu grande amigo, o ladrão chegou primeiro na outra margem e fugiu por entre o matagal. Fiquei imaginando como seria o retorno de Bob para onde estávamos. Sem cerimônias, pulou de volta ao rio e veio nadando. Desta vez, estilo borboleta.

Depois de tanta pirotecnia olímpica e um vexame cardio-respiratório, lembramos do motivo de tudo aquilo: as duas mulheres assaltadas. Eram mãe e filha. Infelizmente, foram agredidas pelo sujeito covarde. A primeira tinha um corte no pulso e a outra fora atingida na cabeça. Demos a elas a devida atenção.

- Por favor, leve-nos ao melhor hospital da cidade. – disse a mãe com um sotaque e uma frieza que logo denunciaram sua origem alemã. Haviam acabado de chegar a Salvador.

Lembro que eu ia dando apoio à senhora e Ortela ia amparando a garota. Curiosamente, apesar da origem da mãe, dos cabelos loiros e olhos azuis, a bela jovem havia nascido no Brasil. Chorava copiosamente a pobre coitada. Ortela a consolava enquanto passava o braço por seu ombro e segurava a sua mão. Mas, sinceramente, me neguei a acreditar que um cara que havia acabado de sair de um esgoto estaria se aproveitando de uma garota naquela deplorável situação.

Fomos em direção ao meu carro que, aliás, jamais voltou a ser o mesmo após este dia. Incorporou para sempre o cheiro do tal chorume. Ortela foi no banco do carona e, de trinta em trinta segundos, virava para trás, segurava a mão da chorosa garota e falava palavras de acalanto. Chegamos então ao hospital. Entramos com as duas na emergência. Nós dois descalços, trajando apenas bermudas de banho, areia por todo o corpo e Ortela fedendo a rato morto. Se a vigilância sanitária chegasse naquele momento, fatalmente interditaria aquela casa de saúde.

Enquanto elas eram atendidas numa sala de pronto-atendimento, eu, Ortela e toda a areia que nos acompanhava, esperávamos na recepção. Apareceu um cara do setor administrativo com uma prancheta e um papel. Tratava-se de um termo de responsabilidade onde nós arcaríamos com todas as despesas do hospital caso elas não honrassem com o pagamento da conta. Gentilmente, Ortela se negou a assinar:

- Sinto muito amigo, nossa boa ação termina por aqui.

Deixamos um bilhete para elas nos colocando à disposição para o que precisassem e fomos embora. Voltamos no carro comentando todo o ocorrido e lamentamos o fato de acontecer um absurdo desses nas primeiras horas em que um turista chega a nossa cidade. Enfim, fizemos nossa parte. Mas, não deixei de perguntar a Ortela:

- Vem cá, por acaso você estava dando em cima da menina ou foi impressão minha?

- Claro que não, Pedrão. Tá louco? A menina toda ensangüentada... – respondeu Ortela meio indignado.

Passou um tempo e, na noite de Natal, recebi um telefonema de São Paulo. Era a tal garota. Agradeceu bastante o que havíamos feito por elas e desejou boas festas. Procurei saber de Ortela se ele também tinha recebido a ligação. Sua resposta foi positiva.

Um belo dia, encontro a menina no Orkut de Ortela. Perguntei a ele como ela havia parado lá. Ele respondeu sem jeito:

- Quando ela me ligou aquele dia, peguei seu Orkut e MSN. Combinei de visitá-la em São Paulo.

Maldito. Dei força para que ele fosse. Mas sugeri que antes de encontrá-la em algum barzinho ou restaurante da capital paulista, tomasse um banho no Tietê. Talvez facilitasse as coisas.

terça-feira, outubro 07, 2008

O claustrofóbico, o alérgico e o cara-de-pau.


Eu tenho um primo que também é cheio de histórias pra contar. Tudo de estranho e pitoresco acontece com ele. Às vezes, chego a pensar que isso é genético. Entre muitos dos seus casos, um dos meus preferidos é sobre a noite quase inteira que ele teve que passar embaixo da cama com mais dois marmanjos. Apresento-lhes Milton Filho.

Milton tinha um amigo, Paulão, dono de uma charmosa cobertura no não menos charmoso bairro do Rio Vermelho. O lugar era pequeno, é verdade, mas de muito bom gosto. Bem decorado, um terraço agradável com uma piscininha aconchegante, cadeiras em volta de uma bela mesa no deck e um telão. Falo com propriedade porque depois que ouvi essa história, fiz meu primo me levar até lá para que eu pudesse visualizar melhor as cenas que ali se passaram.

Paulão, um cara de seus 35 anos, era noivo. A mulher que ele estava prestes a se casar, segundo meu primo, tinha seu peso medido em arrobas. E, o que ela tinha em excesso corpóreo, também tinha de personalidade forte. Foi diante de um cenário cataclísmico como esse, com um apê bem legal e uma noiva pra lá de rabujenta, que o sujeito resolveu fazer uma festinha com os amigos e algumas meninas de família.

Estavam Paulão, Milton Filho – orgulho da família -, mais dois amigos e uma horda de mulheres de aluguel. Sonzinho rolando, bebida socializando e muita descontração. Milton jura que não havia passado disso (eu acredito, e você?). Então, de repente, toca o celular de Paulão.

- Pssss! Desliga o som aí, ninguém fala nada, ninguém fala nada... – advertiu o anfitrião atendendo o telefone em seguida – Alô... oi amor! Tudo bem?

- Tudo bem, e você? Tá na fazenda? – arteira, respondeu a noiva Margarete.

- Tô sim, amor... e morrendo de saudade de você. – respondeu o ardiloso Paulão.

- Ué, e quem está no seu apartamento? As luzes estão todas acesas...

Paulão engoliu a seco e respondeu:

- É que... eu emprestei o apartamento pra Flávio. É ele quem está lá.

- Ah é? Então liga pra seu amigo agora e pede pra ele abrir a porta porque eu já estou aqui no hall de entrada...

Trim! Tocou a campainha e saiu Paulão tropeçando em tudo, correndo pela casa, empurrando os outros três amigos em direção ao seu quarto. Trim, trim, trimmmmm! A impaciente Margarete castigava a pobre buzina com seu dedo gordo. Tocou de novo o celular do rapaz.

- Calma, amor! Calma! Eu tô ligando pra ele mas está dando caixa... ele vai abrir a porta, calma... – disse Paulão em meio ao desespero, enquanto levantava o lastro de madeira da cama e apontava insistentemente para o seu interior.

Milton Filho viu aquela estreita cama de viúva que não é nem de solteiro, nem de casal, cheia de sujeira e alguns cacarecos dentro e achou que o dono da casa estava mandando que ele jogasse ali o seu copo de plástico, talvez para se livrar de alguma prova. Como Paulão não desligava o celular e também não conseguia se fazer entender, meu primo arremessou seu copo para debaixo da cama. Segurando o estrado com uma mão e o celular com a outra, o noivo de Margarete balançou a cabeça de forma negativa e impaciente. Apontou para os dois amigos, para si próprio e, em seguida, para dentro da cama. Ah, é para entrar aí? Milton Filho não via possibilidade alguma de caberem naquela caixa de madeira, ele, Paulão e seus quase dois metros e o outro amigo. Desligando o celular, o dono do pedaço foi muito claro:

- Entrem logo aí dentro senão vocês vão acabar com meu noivado.

Sem terem chance de argumentação, os dois se ajeitaram no cubículo, cruzaram os braços sobre o peito para ganharem espaço e então Paulão se esgueirou entre eles e, antes de baixar o estrado, falou para Flávio:

- Atenda a porta e leve ela lá pra cima.

O único amigo que fora poupado do caixão coletivo fez cara de “deixa comigo, está tudo sob controle”. Dentro da cama, aos cochichos, iniciou-se um diálogo entre os três:

- Eu tenho claustrofobia, não vou conseguir ficar muito tempo aqui. – sussurrou Milton Filho.

- E eu tenho alergia, Paulão... meu nariz já está coçando. – disse o amigo.

- Calem a boca vocês dois! Quando ela subir para a cobertura a gente sai daqui de dentro e corre pra fora do apartamento. Por enquanto fiquem quietos, vai ser rápido. – respondeu Paulão tentando afastar os riscos.

Ouviram então a porta da casa se abrir. Margarete adentrou a sala arfando:

- Cadê o f.d.p. do Paulo?!

- Calma Margarete, o que é isso? Pelo que eu sei, Paulão está na fazenda. Aqui ele não está. – disse Flávio, simulando ar de espanto.

- Você acha que eu sou idiota, Flávio? Vamos! Cadê ele? – a noiva parecia rosnar.

- Se você não acredita, fique à vontade, pode procurar. Por que não olha lá em cima?

Milton Filho lembra de ter ouvido os passos de Margarete subindo as escadas como se buscassem furar os degraus. E, de dentro da cama, ainda ouviram mais:

- Ah, quanta pu** junta! Onde tem pu**, Paulão está, com certeza! – gritava Margarete vendo aquele mundo de meninas na cobertura de seu noivo.

Nesse momento, Flávio desceu discretamente e encontrou os três quase do lado de fora da cama. Quando ia ajudá-los a sair, ouviu a estraga-prazeres (literalmente) aos berros:

- Eu vou descer, aquele &%$@# deve estar lá embaixo!

Foi só o tempo de voltar todo mundo para o caixote e Flávio colocar o colchão por cima da cama. Ainda ouviu a voz abafada de Paulão vinda de dentro:

- Tranque a porta por fora e leve a chave! Rápido!

Com a porta trancada, os três saíram suados de dentro da cama, vestidos com um ridículo figurino composto por sunga e tênis. Retiravam as teias de aranha grudadas em seus cabelos. Quando acharam que iriam respirar um pouco, eis que Margarete gira a maçaneta da porta do quarto. Todo mundo de volta ao cárcere às pressas.

- Ei!! Quem trancou essa @#&*% deste quarto?? Abre aí! Abre! – a besta-fera esmurrava a porta incessantemente. E cada vez mais forte, cada vez demonstrava mais descontrole.

Após um tempo, as pancadas na madeira e a voz estridente de Margarete cessaram. Paulão sussurrou:

- Pronto, ela deve ter ido embora.

Meio segundo depois desta frase, um estrondo enorme acusou o arrombamento da porta. A maçaneta voou longe.

- Cadê aquele safado, desgraçado, miserável??

De dentro da cama, os três só ouviam o som de porta-retratos, CDs e objetos decorativos se espatifando contra a parede. Paulão soltou um lamento quase inaudível:

- Minha casa...

Depois do quarto em ruínas, a mulher sentou na cama. Com o peso, o estrado encostou no nariz de Milton Filho. Ele virou o rosto em direção a Paulão e disse:

- Eu vou sair. Não estou agüentando mais, me desculpe.

Disse o outro:

- Eu também vou. Não consigo respirar.

- Calma. Não estraguem tudo. Ela vai cansar e vai embora. – implorou Paulão.

Tentando fazê-la desistir de esperar, Flávio interveio:

- Margarete, você não está vendo que Paulão não está aqui? Por favor, deixe eu continuar com minha festa.

- O seu brega terminou, Flávio! Só saio daqui quando Paulo aparecer.

Ao perceber que a noiva de seu amigo não pretendia deixar o recinto tão cedo, Milton Filho tentou relaxar, controlar a sua claustrofobia e quem sabe até cochilar um pouco. Fechou os olhos. Então, percebeu que daquele jeito o lugar ficava menos insuportável. Foi aí que o escuro deu lugar a um grande clarão. Meu primo abriu os olhos e deu de cara com a visão do inferno: Margarete.

- Ahááááááááááááá!!! Eu sabia!!! – gritou a mulher enquanto segurava o estrado.

Paulão levantou o corpo em direção a ela e, sentado, abriu os braços e disse sem jeito:

- Surpresa...!

Levou um tapa de mão cheia na cara, desses que ficam desenhados o contorno dos dedos. Desses que a cabeça parece girar sobre o pescoço.

Diante da cena, Milton Filho e o alérgico pularam da cama e saíram correndo desesperados pela escada do prédio. Margarete advertiu:

- Não adiantam correr, Milton Filho e Fulano de Tal! Já vi vocês e vou contar tudo para as suas namoradas!

Na garagem do edifício, trajando suas respectivas sungas e tênis, cada um correu para o seu carro. Margarete saiu do elevador, estava desfigurada, parecia um monstro de seriado japonês. Tentou se jogar na frente do carro de meu primo, tentando fazê-lo parar. Enquanto ele aguardava ansiosamente o portão do prédio se abrir, viu a síndica, uma mulher jovem, perguntando ao porteiro que reboliço era aquele. Ao fugir acelerando daquele pesadelo, Milton Filho ainda pôde ouvir um exclamativo comentário da (ex-)noiva de seu amigo quando olhou a administradora na portaria:

- Êta que ainda chega pu** na festa!

quarta-feira, outubro 01, 2008

O misterioso e delinqüente vomitador de banheiro.


Uma grande amiga um dia me perguntou se por acaso eu conhecia alguém legal para apresentá-la. Sabe como é: tem certas mulheres que ficam, digamos assim, ansiosas, quando começam a beliscar os 30. E esse era um caso clássico.

Respondi a ela que sim, eu podia ajudá-la, dois amigos meus que gosto muito também estavam solteiros. Não no desespero, mas estavam solteiros. Dois bons partidos, assim sempre os julguei. Irei chamá-los pelos nomes fictícios de Lúcio e Fernando.

Marquei de sairmos. Como sou um cara prático, chamei logo os dois para que Marta tivesse opção de escolha. Fomos eu, Luciana (minha namorada na época), Lúcio, Fernando e a minha amiga para um barzinho da moda. Mas antes passamos para buscá-la em casa. Quando Marta apareceu, uma surpresa: havia se produzido tanto que eu quase volto pra colocar um blazer. Sério, parecia que ela estava indo a um casamento. Coisas do subconsciente.

Marta entrou no carro, jogou o cabelo pro lado e soltou um rouco e sexy “oi”. Apresentei os caras, prazer pra lá, prazer pra cá e seguimos. Aquele clima meio estranho, todo mundo sabendo o que cada um estava fazendo ali, mesmo assim disfarçavam conversando amenidades entre sorrisos amarelos.

Chegamos ao nosso destino. Era um barzinho mexicano, um lugar bem bacana. Sentamos e pedimos bebidas. Água tônica pra mim, refrigerante pra Luciana, caipiroska pra Marta, cerveja pra Fernando e whisky pra Lúcio. Os mal-intencionados foram direto para o álcool. Conversa vai, conversa vem. O que gosta de fazer? Se formou em que? Pra onde costuma sair? E tome conversa mole. Mais um whisky pra Lúcio. Relembrei algumas histórias engraçadas da época em que eu e Marta estudávamos no Colégio São Paulo. Lúcio pediu mais um whisky. Pedimos tacos e nachos e comentamos como aquele bar era legal. E Lúcio, curiosamente, pediu mais uma dose de malte escocês. Dessa vez, dose dupla.

Lúcio merece um parágrafo. Grande amigo de infância, cara de inteligência refinada, porém introspectivo e bastante econômico com as palavras. Sabe-se lá porque ele resolveu beber tanto naquela noite. Talvez não tivesse interessado-se por Marta. Ou, justamente, talvez tivesse. O fato é que o rapaz acabou chapando a cara com 8 doses de whisky.

Enquanto conversávamos, Lúcio levantou e começou a socializar com o bar inteiro. Ia de mesa em mesa, falando com quem não conhecia. Vi nos olhos de Marta a estranheza diante da mudança de comportamento do tímido rapaz. Então, preocupado, passei a prestar mais atenção em Lúcio. Ele sumia e aparecia, sumia e aparecia. De repente, sumiu de vez. Discretamente, dividi com Fernando minha preocupação. Foi nessa hora que, subitamente, Lúcio apareceu e veio a passos rápidos e semblante sério em direção à nossa mesa. Impossível não notar a grande rajada molhada em forma de gravata na sua camisa.

- Rápido, Fernando, venha comigo! – disse Lúcio em tom sério.

Fernando, sem querer levantar da mesa e levando em consideração o estado etílico do nosso amigo, ponderou:

- O que foi, rapaz?

- Levante, rápido! Tinha um cara escondido no banheiro com a mão na boca, só esperando alguém entrar. Eu entrei e ele vomitou tudo em cima de mim e depois saiu correndo, o covarde. Vamos pegar ele! – bradou Lúcio, indignado.

Solidário, Fernando levantou e os dois correram em direção ao banheiro.

- Que situação chata... – comentou Marta discretamente.

Enquanto os dois iam atrás do elemento, um garçom aproximou-se da nossa mesa:

- Com licença, esse senhor que estava andando por aqui está com vocês?

- Sim, o que houve? – respondeu Luciana preocupada.

- É o seguinte: agora há pouco ele estava ali no meio do bar olhando fixamente para o teto. De repente, abriu os braços e vomitou para o alto. O vômito voltou todo em cima dele e ele saiu correndo para o banheiro. – disse o garçom, no mínimo, constrangido.

Ao ouvir o relato e ver o olhar assombrado de Marta, ela vestida como se de fato fosse conhecer o homem da sua vida, ri fartamente. Marta não riu.

Lúcio e Fernando voltaram para a mesa. Provocativa, Luciana perguntou:

- Acharam o cara?

- Acho que não tinha ninguém... – diminuindo o tom de voz, disse Fernando ofegante e completamente suado.

- Covarde! Vomitou em mim e saiu correndo... – praguejou Lúcio, sentando em seguida na mesa com sua gravata de vômito.

Ficamos na mesa tentando fazer o retrato falado do meliante. E rimos muito das fantasiosas características que Lúcio nos deu e de sua fabulosa imaginação.

Marta não sorriu um só minuto. Muito menos encontrou o homem que seria o pai de seus filhos. Mas, sem dúvida, aquela foi uma noite que muito lhe fizera bem. Ao tirar sua roupa de gala e colocar a cabeça no travesseiro, minha amiga deve ter pensado que estar solteira nem chega a ser algo tão ruim assim.