sexta-feira, abril 24, 2015

O carro de Donono: quase um objeto de leilão.

O ano era 2006. Estávamos eu, Donono e Quico, um amigo nosso, o maior maconheiro que já pisou na Terra. Fumava todos os dias. Para se ter uma ideia, o cara plantava maconha na sacada do apartamento.

Estávamos os três assistindo a um jogo de futebol extremamente enfadonho na casa de Quico. Sem gols, sem lances bonitos, sem cheerleaders que prestassem, Quico sugeriu:

- Vamos acender um baseado?

Prontamente, com o dedo balançando diante de si, Donono recusou. Ele sabia que a erva que Quico plantava, regava, cuidava e colhia, era forte. Quico a apelidara carinhosamente de “dedo do Hulk”. Já eu não tinha o menor costume de fumar, mas aquele jogo estava tão chato, numa tarde de domingo mais chata ainda, que aceitei.

Quico enrolou o seu baseado com uma rapidez e uma destreza impressionantes (de uma coisa eu tive certeza: maconha não afeta a coordenação motora). Acendeu seu fumo e trouxe cerca de 55% do ar do planeta para os seus pulmões. O trago durou o tempo suficiente para uma pessoa comum morrer asfixiado pelo menos duas vezes. Lentamente, com o olhar na parede, Quico me passou a brasa. Repeti o seu ritual, muito mais discreto, obviamente, e mirei a parede também.

De repente, a parede parecia interessante. Era um branco alvo, com pouca textura, demonstrando talento do pintor. Tinha pequenos pingos que lembravam gotas de café. “Sim, talvez tenha sido café que caiu aí”, pensei. Quando teria sido derrubado? Por quem? Por quê? Seria expresso ou coado? - muitas questões, de forma muito lenta, vinham à minha cabeça - É, café mancha...

Então, ao longe, ouvi a voz de Donono. No início, não consegui entender o que ele dizia. O meu grau de atenção não era dos melhores. Então, peguei apenas o rabicho de sua fala:

- ... é um Fiesta 94 e eu tô querendo trocar.

Sem muita agilidade, tirei os olhos da parede e mirei Donono. Eu não queria conversar muito, curtir uma reflexão naquele momento me parecia uma ideia melhor. Mas, resolvi interagir:

- Donono, seu carro é muito velho. Troque mesmo – falei arrastando palavras.

Quico continuava o seu diálogo telepático com a parede. Donono respondeu:

- Não é tão velho assim, é 2004.

A questão é que, sabe-se lá porque, Donono dizia 2004 e eu só entendia uma década atrás: 94.

- Como não é velho, Donono? Tem mais de 10 anos o seu carro...

- Tá louco? Meu carro tem 2 anos.

Quico olhou pra gente, piscou o olho lentamente e voltou-se pra parede novamente.

- Você é que tá louco e não sabe fazer conta, cara... – eu disse.

- Você é burro? A gente está em 2006 – respondeu Donono, um pouco menos paciente.

- O seu carro é tão velho que é da época do tetra...

- Que tetra? Eu falei 2004... dois mil e quatro!

- Então, Nono... Senna estava vivo quando você comprou seu carro.

- Mamonas também... – completou balbuciando Quico.

- Vocês estão me sacaneando, porra? Meu carro tem 2 anos só.

- Quando você comprou seu carro, não era nem real... pagou em cruzados novos –  disse eu enquanto pensava no risco que Donono corria de pegar tétano no carro.

- Dois mil e quatro, caralho! – gritava Donono.

- Velho de-mais... – repetia Quico.

- Hoje é domingo, cara, mas amanhã é segunda. Vai na concessionária e troca esse carro. Faz isso logo de manhã... – falei com verdadeira preocupação de amigo.

- Troca, bicho... troca logo – disse Quico também demonstrando zelo.

- EU NÃO VOU TROCAR MAIS PORRA NENHUMA! VÃO SE FODER VOCÊS DOIS.

Agora era só eu, Quico e a parede. Ouvi bem ao longe a porta da casa batendo. Concluí:

- Ele se retou.

- ....

- ....

- ....

- Ele se retou – confirmou Quico, quinze minutos depois.

3 comentários:

Anónimo disse...

q fase...

Jones Mota disse...

A descrição da viagem com a parede foi catártica. hahahaha

Andrea disse...

rindo muito