quinta-feira, abril 23, 2009

Os três canhões do Forte de Santa Maria da Barra.


- ... e então o ônibus lotado com as mulheres mais lindas que eu já vi emparelhou com meu carro e as meninas todas com a cabeça de fora gritando números de telefones pra mim!

Eu posso ter um monte de defeitos nessa vida, mas um traço de personalidade que considero uma grande qualidade é o meu ceticismo. É bem difícil eu me iludir com alguma coisa. Quando Shell me veio, esfuziante, com essa história do ônibus cheio de mulher, logo imaginei que havia alguma coisa errada. Laranja madura na beira da estrada...

Gesticulando eufórico, ele continuou:

- Então consegui anotar dois celulares. Liguei pra elas e descobri que são estudantes de enfermagem de Belo Horizonte e estão aqui num congresso. São lindas! Maravilhosas!

Eu realmente não acreditava na história. Mas, paralelamente, tentava imaginar que motivos esdrúxulos teriam feito as supostas lindas meninas agirem daquele jeito. Extrema carência por falta de homem no curso de enfermagem? O clássico assanhamento que costuma afligir meninas que visitam a Bahia? Psicose coletiva? Ou simplesmente teriam sido os feromônios de Shell?

- Elas disseram que amanhã vão tomar sol na praia do Porto da Barra. São três garotas. Eu falei que iria aparecer lá com mais dois amigos: você e Donono. – disse Shell, já me incluindo no bolo.

Era o início do verão de 2006, a cidade começava a fervilhar, eu estava solteiro e seguia uma máxima do próprio Shell: “quem tem amigo não se governa”. Portanto, sempre acabava entrando nas barcas desse sujeito. Confesso que era divertido, nossas saídas costumavam render boas histórias. Histórias como esta.

- Ok, Shell. Eu vou. Mesmo sabendo que é furada, eu vou. - respondi, comungando com a maluquice.

Apenas comuniquei a empreitada a Donono que, imbuído do nosso mesmo espírito de barco à deriva ao sabor do vento, topou na hora. Fomos eu e Shell no seu carro e Donono iria mais tarde encontrar a gente.

Era fim da manhã quando, ainda no caminho para as encontrarmos, Shell, empolgado, resolveu ligar para o celular das meninas.

- Oi, Fulana! Aqui é Shell, tudo bem? Vocês já estão na praia? Nós estamos chegando aí... – e, para meu desespero, completou – hoje à tarde vocês vão fazer o quê? Querem ir num aniversário com a gente? E hoje à noite? Querem ir numa festa?

Fiquei gesticulando, abrindo e fechando os dois dedos como tesoura, pedindo para que ele cortasse a conversa, para que parasse de fazer sucessivos convites às meninas. Assim que ele desligou, o repreendi:

- Shell, me diga uma coisa: e se essas meninas forem horrorosas? Vamos acabar ficando o dia e a noite presos a elas. Quer que a gente perca o fim de semana? Que doideira...

O rapaz retrucou:

- Filho, fique frio. São gatas, tô te dizendo... pelo menos de rosto, são!

Meu 6º sentido, 7º e 8º diziam que a gente ia se dar mal. Resolvi que não ia entrar de peito aberto nesse balaio de gato:

- Vamos fazer o seguinte: quando a gente chegar lá, você se esconde e liga pra elas. Eu vou para a balaustrada e, disfarçadamente, fico olhando para ver se encontro três meninas com uma delas falando no telefone. Se forem bonitas, faço um sinal pra você, você aparece e a gente desce até a praia. Caso contrário, amigo, pé na tábua. Fechado?

- Fechado.

Estacionamos o carro e fizemos o combinado: Shell ficou atrás de uma árvore fazendo a ligação e eu, com os dois braços apoiados sobre a balaustrada, fiquei fazendo cara de quem tava vendo o tempo passar.

De lá de cima, meus olhos percorriam avidamente a praia inteira. Ela estava lotada, guarda-sóis atrapalhavam um pouco a minha visão. De repente, avistei três garotas de bruços tomando sol na areia. Seus biquínis eram daqueles pequenos, que somem no bumbum de forma que você não consegue reconhecer sequer a cor deles – coisa de 3 centímetros quadrados de pano. Louvado seja Shell!

Meu amigo, ridiculamente escondido atrás de uma árvore no meio do calçadão, fez um sinal pra mim de que o telefone já estaria chamando. Eu precisava ficar atento para localizar a menina que atenderia o celular. Olhei fixamente para as três beldades deitadas na areia. Nenhuma delas se mexeu para atender qualquer telefone.

Após um “alô”, Shell fez um sinal mais brusco para mim. Agora era para eu achar uma menina na praia com o celular no ouvido. Meu comparsa pedia dicas à garota: como é o sombreiro de vocês? Qual a cor do seu biquíni? Loira? Morena? E ia me sinalizando as respostas enquanto tampava o telefone.

- Você tá de canga amarela floral comprida? – perguntou Shell enquanto tirava o rosto de trás da árvore e me lançava um olhar de estranhamento.

Devolvi um olhar pior que o dele. Meus olhos falavam: “eu não disse?”. Uma mulher de canga amarela floral comprida era a dica que a gente precisava pra abortar a missão ali mesmo, naquele minuto. Mas não. Shell ainda não estava convencido. Iludia-se, queria arriscar tudo como um jogador de pôquer que aposta todas as fichas com um par de duques nas mãos.

Procurei a tal canga amarela floral comprida com certo desespero. Àquela altura, com o objetivo de fazer uma rápida varredura, minha cabeça ia de um lado a outro rapidamente, como se eu estivesse dando sucessivos “nãos”. Freud explica.

Foi então, amigos, que uma visão não tão bela quanto a praia do Porto da Barra descortinou-se diante de meus olhos: uma canga amarelo-ouro tentava esconder um bujão de gás em plena praia. A definição era exatamente essa, um bujão de canga amarela e comprida com um celular no ouvido.

Como se já não bastasse uma, com cangas e corpos ainda maiores, apareceram mais duas logo atrás da puxadora da fila. Com pisadas lentas mas decididas, elas iam vencendo a areia fofa, avançando e olhando em minha direção. Calma, Pedro, só pode ser impressão sua, por que elas olhariam pra você? De repente, a protagonista daquele filme de terror deu tchau pra mim. Como pode?! Então, veio a desesperadora resposta: Shell, inexplicavelmente, havia saído de trás da árvore e estava ao meu lado, acenando para as meninas.

- Pirou?! – perguntei atônito.

Sem graça, Shell deu de ombros.

- Negão, sinto muito, vou me mandar daqui. Fui! – disse eu, ao tempo que empurrava a balaustrada na esperança de tomar ainda mais impulso pra corrida.

- Espere! Espere! – Shell tentou segurar meu braço.

Consegui me desvencilhar, atravessei a rua correndo, quase fui atropelado. Chegando ao outro lado da pista, ainda ouvia Shell gritando. Quando ele se viu sozinho e provavelmente imaginou sua tarde e noite de sábado esvaindo-se com as três figuras, pôs-se também a correr atrás de mim. Virando a esquina, passei lotado por Donono que estava indo ao nosso encontro. Ao ver-nos correndo, nosso amigo tomou um susto:

- É assalto?!

- Não, é pior. Corra. Depois te explico.

Obediente, Donono nos acompanhou. Chegamos no carro e, ofegante, soltei os cachorros em cima de Shell. Ele merecia ser internado por sair de trás da árvore! Seu celular tocou.

- E agora? DDD de Belo Horizonte... – disse ele, paralisado com o telefone na mão.

- Não atenda! – respondi enquanto tentava tomar o celular de sua mão.

- O que está acontecendo?! – perguntava o surpreso Donono.

- Eu vou atender sim, é sacanagem da nossa parte. - respondeu o consciente Shell.

- Sacanagem é você colocar a gente nessa situação... – repliquei.

- O que está acontecendo?!?! – perseverou Donono.

- Alô... é, eu sei... desculpe, é que a gente estacionou em local proibido e estavam multando... tivemos que correr... isso, isso... vocês vão ficar no calçadão esperando a gente passar com o carro?! – Shell fez uma cara de espanto – ok, ok... então esperem aí. Beijo...

- E agora, vocês vão me dizer o que está acontecendo?! – disse Donono, impaciente.

Expliquei a ele todo o imbróglio causado por Shell, culminando num cooper forçado de três marmanjos no calçadão da Barra. Fiz questão de detalhar a visão que até hoje permeia alguns pesadelos meus.

- Espere aí. Isso só pode ser exagero. Ninguém com o corpo assim vai à praia... – cauteloso, Donono me repreendeu. E continuou – elas não estão no calçadão? Vamos passar de carro para olhar melhor.

Não havia outra solução mesmo, o fluxo da rua nos obrigaria a margear a praia. Calei-me. Seguindo nosso curso, nos deparamos com as três e suas respectivas cangas furta-cores, fartas em tecido, fartíssimas em recheio, esperando ansiosas em pé no calçadão.

- Eis as amigas de Shell... – fiz um indicativo sinal de rosto.

[Pequena pausa]

- Acelera!!! Acelera!!! – gritou Donono enquanto batia com as mãos fechadas no banco do carro.

E foi assim que, mesmo apontando pra nós, os três calibrosos canhões do forte do Porto, graças aos céus, não dispararam fogo aquele dia.


32 comentários:

Senhorita B. disse...

Suas histórias são as mais engraçadas do mundo!
Bjs

Larissa Fonseca disse...

Coitadinhas das gordinhas... elas podiam ser gente boa! rs

Bjooo

Dani disse...

Sacanagem!!!! huahuahua

Pedro Valente disse...

porra moreno eu n queria dizer n... + eu soube q elas estavam aqui no carnaval desse ano... ou seja...

Rueda disse...

HAHAHAHHAHAHAHAHA!

BOA BOA!

É ASSALTO FOI FODA! hahahahah

abraçooo!

Brisa disse...

Ilário Peu!!! Muito bom!!!
Bjo.

Unknown disse...

Hilário, desculpe Peu!

Lis Carvalho disse...

Pedro, essa foi a que eu mais ri...
a cada dia vc se supera..hahahaha!

Gon disse...

Muito bom começar a semana lendo um texto tão engraçado como este, Peu!
Mas bem que vcs deviam ter parado pra conversar com as gordinhas, garanto que as coitadas nunca mais quiseram voltar a Bahia! Traumatizaram as meninas, tadinhas.... rsrs

Val disse...

Meu amigo, onde foi parar seu espírito de caridade? rsrsrs. Sacanagem hein? Mas excelente a história. Parabéns mais uma vez, como já disse vc se supera a cada nova aventura contada aqui. Beijos.

Laís disse...

Nãaaaaaaaaaao, Peu!!! Essa é mentira!! Hhahahhahahahahah

mari Cassis disse...

Estou de volta , mas só li pq meu irmão participou da história...
Brincadeira, adoro seu blog mas estou mesmo sem tempo...
Beijos

Lilian Devlin disse...

Pô, de Belo Horizonte?? DU-VI-DE-Ó-DÓ!! Aqui só tem gata!! rsrs
Muito bom o post, como sempre!

Marina Wanner disse...

Pedroca... suas histórias são hilárias ! Mas sacanagem vcs não terem conversado com as gordinhas ! hahahaha

bjsssssssss

Unknown disse...

E que talento com as palavras!
Eu ri, hein?
Muito bom. =)

Pedro disse...

Nat Bel: obrigado! Mas a sua de Mallu Magalhães também me matou de rir...

Beijo!

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Lari: de gente boa, basta eu! Amigo de mulher é cabeleireiro. Tô brincando, tenho um monte de amigas. Mas, por algum motivo de peso, aquele dia não me deu vontade de fazer novas amizades!

Beijo!

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Dani: sacanagem foi o Vitória ter sido campeão em cima do Bahia e você deixar piadinha no meu orkut.

Beijo!

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Gabriel: não entendi o que você quis dizer. Me fiz de desentendido. Se estavam no carnaval, não as encontrei. Rs.

Abraço!

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Rueda: foi quase um assalto. Mas as armas eram mais calibrosas que as usuais.

Abraço!

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Brisa: valeu Brisoca sumida! Que dia vamos jogar uma tranca?

Beijo!

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Lis: obrigado, moça! Que bom que deixou um comentário pra mim. Mas, da próxima vez, seja mais solidária com as mulheres... rs.

Beijo!

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Gon: não me deixe com dor na consciência! Só por isso vou me obrigar a passar a tarde de amanhã conversando com uma mulher feia. Depois te conto!

Beijo!

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Val: pense bem. Se fossem bonitas ou se a gente tivesse dado atenção às meninas não muito favorecidas pela natureza, não renderia esta crônica. Foi por uma boa causa, elas entenderiam!

Beijo!

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Lai: acredite, foi tudo verdade! Pergunte a Donono...

Beijo!

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Mari: nem acredito que você apareceu! Viu aí a índole desse rapaz Donono, sangue do seu sangue? Não suma mais não senão eu encerro o blog.

Beijo!

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Lílian: pois é moça, concordo com você: além das mineiras serem lindas, dizem que são as melhores mulheres pra casar. As que vieram parar aqui na praia do porto provavelmente foram extraditadas daí.

Beijo!

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Marina: pronto, já vi que vou ter que separar a manhã para uma boa ação também.

Beijo, Mari!

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Bela: que bom que gostou! Vê se aparece mais vezes.

Beijo!

Pedro Valente disse...

vc lembra a ultima vez q o seu time foi campeão?? rpz acredite... dercy era viva vei... as torres gemeas continuavam de pé... fhc era nosso presidente e por ai vai... ohhh como era bom os velhos tempos hein?!?!

Anónimo disse...

Vitória Tri-Campeão Baiano 2009!

Anónimo disse...

Só para completar o que gabriel falo, quando o time la de itinga foi campeão não existia nota de 2 reais, o tchan ainda fazia sucesso e o Gol Bola foi eleito o carro do ano.

Pedro disse...

Gabriel e anônimo Bernardo: pois eu tô indo na rua agora comprar um CD do Tchan pra ouvir no meu Gol bola com adesivo de FHC.

Vão encher o saco de outro!

Liu Sampaio disse...

Pedro, adoraria dividir a pipoca c/ vc....! ;)
Bjuz,

Liu Butterfly

Lulu Lima disse...

Peu, a gente se acabouuuu de rir aqui na criação!!!!! Hilário!!!

Beijosss

Pedro disse...

Eliane: então vamos dividir! A gente compra aquele sacão, tá?

Beijo!

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Lu: tão sem job, né? Vou mandar uns daqui praí! Que bom que gostaram! rs.

Beijo!

Roberta disse...

Peu, vc não existe...
Agora eu me lembro de vc ter falado comigo no carnaval sobre alguma menina de BH que vc ficou... hahahahahaha
Essa foi demais!
Bjos!!

Pedro Valente disse...

moreno... 25 pq 24 é sacanagem ;)

Luciana disse...

Atualiza aí!!!

Eder Galindo disse...

fala pedro!

bom te ver no prêmio abril. ainda bem que me piquei do caminho de casa e não vi aquele bafafá. hehehe

velho, texto do caralho! já passei por uma situação parecida no finado aeroclube. hehehe

apareça lá no blog e bora baea minha porra!

abraços

Pati Silveira disse...

É muito legal a forma como narra, a parte que mais gostei foi quando Donono perguntou: "É assalto?"
Foi DEMAIS...hahahahaha
Você tem o "time" do humor, parabéns!
Adoro seus POSTS!
Beijo grande,
Pati

Raphael Pereira disse...

Po, moreno, essa foi sensacional....uahuahuahauhauahuaha..
Também, vc foi cair na pilha de Shell...Hahahaha
Mas, afinal de contas, todo mundo já passou por uma surpresa desagradavel como essas...uahuahua (Pra isso que servem os amigos)
Abraço
Raphael

Paula Fonseca disse...

Meu Deus! Nunca ri tanto na vida... Precisava registrar isso.

Anónimo disse...

Bonito rir do preconceito... sei não, viu!

Vi Singer disse...

Shooooooow vc é mto inteligente e eu como,tb, publicitária, me orgulho de ter um concorrente que nem vc =]