sábado, março 07, 2009

Meu carnaval. (Em poucos, curtos e suficientes capítulos).

Sinceramente, não sei nem como começar. Até porque, estou aqui em casa de cama, com febre, o corpo todo dolorido, a cabeça explodindo. Sim, é a tal gripe ou virose que costuma aplacar os súditos de Momo após a quarta-feira de cinzas. Se eu soubesse que este seria o alto preço a ser pago em troca da folia, acho que teria passado o carnaval bem longe da avenida. Aliás, retiro o que disse.

Octávio Mangabeira, ex-governador de minha terra, um dia proferiu esta célebre frase: “pense num absurdo. Na Bahia tem precedente”. Se este raciocínio é pertinente, imagine a dimensão que ele ganha durante o carnaval. Tudo o que eu queria era poder ter levado uma câmera para filmar as cenas inusitadas que presenciei durante os 6 dias de festa. (Sim, aqui na Bahia o carnaval dura 6 dias. Para uns, até 7).

Apesar de ser baiano, essa é a primeira vez que passo um carnaval inteiro aqui em Salvador. Eu explico. Primeiro, porque eu não bebia; segundo, porque não sou muito fã de aglomerações; terceiro, porque eu gosto manter as unhas dos meus pés em seus respectivos lugares; quarto, porque eu sempre acreditei que namoro e carnaval é uma combinação explosiva e meus namoros costumavam coincidir com o verão.

Mas, o motivo dessa rejeição foi detectada: faltava álcool na minha festa. Durante estes últimos dias, esta era a minha gradação alcoólica: até 1 dose = “quero ir pra casa assistir Zorra Total”. 2 doses = “até que este bloco é legal”. A partir de 3 doses = “vamos dar outra volta no trio!”. Portanto, o negócio era beber. Beber, observar e, agora, descrever.

O TAXISTA E SUA LICENÇA POÉTICA.

Costumam dizer que no carnaval tudo é permitido. Em nosso iniciozinho de folia, ratificamos esta teoria: eu e Roger estávamos dentro de um táxi para irmos até a Barra, de onde nosso bloco iria sair. Ao dobrarmos uma rua que era mão única, vimos um carro subindo na contra-mão. Havia um outro táxi em nossa frente que começou a buzinar e dar luz alta freneticamente para o carro que vinha em sentido contrário.

- Que sacana... – indignou-se o taxista.

Eu e Roger concordamos na mesma hora:

- Um absurdo! Como é que o cara dá uma contra-mão dessa?

- Eu tô falando é do colega aqui da frente... como é que ele não dá ré pro cara passar? – disse o taxista, tranqüilamente. E, com um gingado na voz, num tom que eu julgaria deboche caso não fosse eu também baiano, completou - é carnaval...!

Eu e meu amigo rimos. Como a gente ainda não tinha percebido? A porteira estava aberta para todo tipo de loucura: era carnaval.

COMO “DERRUBAR” UMA GAROTA. (TAMBÉM SEM ASPAS).

Já no bloco, lá pras tantas, encontrei Beltrano, um grande amigo meu de infância. Ele olhava rapidamente de um lado a outro, como se procurasse incessantemente por alguma coisa.

- Beltrano! – o saudei.

- Pedrão! Tô em aaaaaaaaalta...! (tradução: estou bêbado).

- Percebi, moreno...

- Já derrubou quantas aqui? (tradução: já ficou com quantas aqui?).

Antes que eu pudesse responder “nenhuma”, apareceu uma menina na minha frente cambaleando. Eu já tinha visto ela outras vezes, seu estado era lastimável e ela escolhia um cara e ficava parada o encarando até que ele a beijasse. Dessa vez, fui eu o escolhido: a garota ficou me olhando com uma cara de quem ia vomitar em cima de mim a qualquer instante. Beltrano perguntou:

- Você conhece ela?

- Nunca vi...

Imediatamente, o rapaz deu uma chave de braço no pescoço da garota seguido de um daqueles beijos de carnaval que a língua vai do queixo à testa. A alcoolizada, que mal se sustentava em pé, começou a andar rapidamente pra trás, como se fosse cair. Para não ir ao chão junto, Beltrano, sem parar de beijar, segurou firme no meu abadá. Desequilibrei-me e fomos os três catando ficha, num balé ridículo, correndo de costas, os dois se beijando e eu, sem ter nada a ver com a história, grudado neles. Quando estávamos quase sendo vencidos pela gravidade, Beltrano soltou a garota que automaticamente foi ao chão.

- Essa aí tá pior que eu, vamos nessa... – disse meu amigo, enquanto me puxava pelo braço e ignorava a menina repousando no asfalto.

O TAXISTA TINHA RAZÃO. MAIS UMA VEZ.

No dia seguinte encontrei um outro grande amigo no posto de gasolina.

- Diegão! E esse carnaval?

- Qualé Pedrão! Rapaz, nem me fale... que ressaca... – respondeu Diego com uma voz que dava sentido à sua frase.

- Ah, encontrei sua ex-namorada no bloco ontem!

- Massa! E aí, “garrou”? – disse ele, com muita naturalidade.

Tomei um susto. Mas, logo lembrei do sábio taxista e suas palavras de luz: “é carnaval...!”.

GARÇONS: GUARDIÕES DE MIM.

Eu que não bebia pra valer, descobri uma coisa sensacional. Quando bebo, me torno um cara muito gente boa. Faço amizade com todo mundo, acabo conhecendo a festa toda. Inclusive os garçons, serventes, enfim, o pessoal dos bastidores. Foi o que aconteceu no camarote do Harém: eu só saía de perto de um garçom ou garçonete para ir conversar com outro deles. Logo, eu estava recebendo tratamento de rei – e, consequentemente, ficando mais bêbado e mais sociável. Acabei saindo de lá pela manhã, quando fizeram um cordão humano para expulsar os últimos convidados, cerca de umas 8 pessoas, incluindo eu. Ao descer a rampa que dava acesso à rua, encontrei com os garçons e garçonetes, já vestidos para irem pra casa. Dei um abraço coletivo em todo mundo.

- Você tá indo pra onde? – perguntou-me um deles.

- Pra Graça. – respondi.

- Estamos indo pra Barra, mas vamos deixar você primeiro na Graça então. – disse meu novo amigo.

- Vocês vão me deixar? Como?

- Andando!

- Não precisa, pessoal... vou de táxi. Obrigado! – disse eu, impressionado com a prova de amizade. Amizade de carnaval, mas amizade verdadeira.

Eles pararam em frente a um isopor de bebidas e compraram cerveja. Um deles me deu uma lata. Antes que eu pudesse processar e compreender a situação, uma das garçonetes puxou a bebida de minha mão enquanto repreendia o colega:

- Não, ele já bebeu demais. Por hoje chega.

- Por hoje chega... – completei.

Com mais um abraço coletivo, me despedi de todos e fui atrás do meu táxi.

BAIANO PELO INSTANTE DE UM GRITO.

Outra coisa curiosa é como a baianidade rapidamente contamina os turistas que passam o carnaval por aqui. Estávamos eu e Roger no bloco Me Abraça quando, de repente, algum problema no trio produziu um estrondo nas caixas de som que deve ter deixado metade dos foliões surdos. Um carioca gordinho que estava ao meu lado curvou todo o corpo na hora e deu um grito:

- “Cren” Deus-Pai...! – e, logo depois, denunciou sua origem – Que barulho sinixxxtro!

Nada mais da terra do que “´cren´ Deus-Pai”. O que significa simplesmente “creio em Deus-Pai todo poderoso”. Mais uma das tantas corruptelas de nós baianos.

UM BÊBADO – ALIÁS, TRÊS -, UMA POSSIBILIDADE DE NOCAUTE, UMA AMIZADE GENUÍNA DE 5 MINUTOS E DRAMÁTICAS LÁGRIMAS NÃO DERRAMADAS.

Chegou a terça-feira, último dia de carnaval. Saímos no Me Abraça de novo e depois entramos no camarote do Harém. O iminente fim da folia era uma desculpa a mais que tínhamos para beber com certo vigor. Foi então que o tempo passou, muitos copos foram esvaziados e o sol começou a iluminar a avenida. O Voa-Voa, último bloco, passava pelo camarote deixando todo mundo alucinado com os minutos finais da grande festa. Foi então que apareceu um cara na nossa frente tentando dizer alguma coisa, mas o nível de álcool dele não permitia que estabelecêssemos uma comunicação decente. Ele tentava falar, não saía nada; tentava fazer mímica, era ainda pior. Já o efeito da cachaça deixou Roger impaciente. Diante do sujeito bêbado, sem conseguir entender o que ele queria dizer, meu amigo virou pra mim e disse:

- Se esse infeliz não sair da minha frente vou dar um murro na cara dele...

Pra sorte do sujeito, ele conseguiu fazer um sinal com os dois dedos juntos demonstrando que tudo o que queria era um cigarro. Roger, ríspido, disse que não tinha. Foi então que, vendo o rapaz baixar a cabeça desapontado, concluí: mais do que nicotina, ele precisava de um amigo. Lembro de ter iniciado com ele uma conversa sem pé nem cabeça:

- E aí, tá curtindo? – puxei assunto.

- Tô curtindo... tô curtindo... – respondia ele enquanto balançava a cabeça repetidamente em sinal positivo.

- Pena que tá acabando, né? – dei continuidade.

- Não tá acabando não... o Asa tá vindo aí... – disse ele enquanto tentava, em vão, apontar para a avenida.

Ri bastante. O Asa já havia passado por ali há umas 7 horas mais ou menos. Àquela altura, Durval devia estar no décimo sono. Respondi:

- O Asa já passou há muito tempo. Não tem mais bloco vindo, não. Terminou!

Para meu espanto, o cara arregalou os olhos, começou a se movimentar com agilidade, parecia que o efeito da bebida tinha sido cortado subitamente. Olhando pra mim, ele perguntou desesperado:

- Acabou? O carnaval acabou?!

- Acabou... quando esse bloco terminar de passar, acabou de vez. – respondi com sinceridade.

- Não acredito. Acabou... – disse meu mais novo amigo com lágrimas nos olhos, inconsolável.

Confesso que meus olhos também ficaram marejados quando desci do camarote e, em plena luz do dia, percebi que só haviam sobrado alguns bêbados dormindo embaixo de uma árvore, catadores apanhando latinhas de cerveja pelo chão, uma tropa de policiais cansados, os últimos segundos do beijo de um casal desconhecido e apaixonado. É, o carnaval havia realmente terminado. Só me restava ir pra casa e torcer para que o efeito do Red Bull passasse logo e eu conseguisse dormir a tempo de perder a apuração das escolas de samba do Rio de Janeiro.

* Apesar de ter gostado de sair no carnaval este ano, continuo celebrando a outra Bahia. Na minha opinião, muito mais majestosa que esta com duração de uma semana. A devoção que tenho por este outro lado da minha terra rendeu um textinho despretensioso que quero dividir com vocês e dedicá-lo a Evandro que entendeu com muita sensibilidade a verdadeira magia deste lugar abençoado por todos os santos.

"O sopro suave e fresco da brisa no meio da tarde balançava as palhas de coqueiro produzindo um som muito íntimo aos ouvidos baianos. Balançava também minha rede, no ritmo calmo da preguiça. As ondas do mar completavam a mais bela sinfonia desta terra, a genuína, aquela que não vem do trio elétrico. Entre abraços de raios de sol e o gentil calor da areia, estava eu ali, ouvindo, cheio de admiração e orgulho, o verdadeiro som da Bahia."

17 comentários:

Pedro disse...

Desculpem a demora: virose de carnaval e início de ano para a publicidade.

Paula disse...

Pedro, achei incrível os motivos pelos quais você não passava o carnaval em Salvador, o melhor deles é, sem dúvida, o cuidado com as unhas do pé!

Estive ai em 2007, a trabalho. O que mais me divertiu foram os taxistas. É cada caso de matar de as pessoas de tanto rir: uma aglomeração numa rua, pessoas de um lado e outro da calçada e os carros passando devagar. Eu pergunto o que era aquilo. Ele responde "é festa! na Bahia, 20 pessoas já é uma festa!" Pergunto novamente: "e você gosta". Ele: Adooooooooooro, com esse sotaque que você conhece melhor que eu. Eu e as pessoas que estavamos no táxi morremos de rir. E assim foi, por uma semana, a parte mais divertida era o táxi indo e voltando do congresso...

beijos

Luciana disse...

Uma ode a bebida! Nunca é tarde para começar a colecionar histórias de carnavais.

Apesar de adorar os contos, os textinhos despretensiosos são imbatíveis. Vou começar a cobrar por eles também, hora da vingança!

Beijo Peu!

Dani disse...

Muitoooo bom!!! Dei muita risada! Fiquei imaginando todas as cenas... Vc contando para o bêbado que o carnaval tinha acabado foi a melhor!!! huahuahua Se bem que a garçonete falando que vc já tinha bebido demais também foi ótima!

Anónimo disse...

Oi Peu!!
Eu estou no seu caminho inverso, já bebi, já caí (brincadeira) e levantei no carnaval!!!
Só saí aquele dia que, por acaso (ou não) nos encontramos!
Já saí solteira e com namorado, pra mim não faz diferença, e como vc mesmo disse, a melhor companhia é a velha e boa cachaça!

Bem, pelos outros motivos que a Bahia tem, essa deliciosa maresia q vc descreveu sabiamente, é que eu amo esse lugar e longe de batuques eu curti meu delicioso sol de verão, numa boa rede, na varanda!!!!

Bjão

Anónimo disse...

Ai Peu....estou muito feliz por seu carnaval...pelo visto resolveu curtir em 1 os 30 anteriores ne??
A-D-O-R-E-I a carona de pé que te ofereceram e so nao entendi pq vc nao aceitou...rsrs...deixe de ser preguiçoso!!!
Quanto ao coitado do bebado nem vou comentar...ate hj esperaria o ASA se nao fosse vc o estraga prazer da noite do infeliz!!!
COMO SEMPRE MAIS UM TEXTO OTIMO!!!
SOU SUA FÃ!!!
bj Flávia Noya

Pedro Valente disse...

Mto bom... ta vendo ai moreno... q eh bom carnaval... curtir e comer agua?? agora sua proxima parada é o reveillon de arraial d'ajuda... depois disso vc pode voltar a ser o velho de sempre ;)

Evandro Varella disse...

Ei Pedro,
Como sempre você é super gentil. Obrigado pela citação, fiquei muito lisonjeado.
É, esse universo Baiano realmente tem me fascinado muito, se Deus permitir em abril estarei mais uma vez por aí!!!
Grande abraço

DAVID FRANCO disse...

Belo post, Pedro. Depois q li, me deu até vontade de ir pra avenida ano q vem. hehehe

Abraços

Anónimo disse...

Poxa Pedro, se eu soubesse que você estava assim "facinho facinho" tinha te agarrado no Morro do Gato.(rs)
Bjos virtuais de melhoras

Dedinhos Nervosos disse...

Aiiii... como eu queria ter ido pra Salvador no carnaval. ok, ok, ok. Não vou ficar de chororô pq o meu em Olinda foi mto bom também, com muita diversão e alegria. Tô postando aos poucos.
Beijos, sumido!

Anónimo disse...

Primeiro comentário de mtoss!hehehe =D como sempre adoreii e lógico que dei mta risada!!...hehehe....bjoo

Anónimo disse...

Tá demorando de postar, heinnn Peu?!!!
Será que é porquetá agrrrrrrrradando muito??? Hahahaha
Bjos

Pedro Valente disse...

esse blog vai ser desativado ;)

Anónimo disse...

Poxaaaaa, cadê????
Tá demorando demais...
Tá agrrrrrrrradando assim é, que tá sem tempo???? Hahahahaha
Bjos

Anónimo disse...

Engraçado!
Estava fazendo uma pesquisa no Google imagem e me deparei com sua foto!!! e fiquei parada!! olhando!!!! eu hein!!! fala sério!!!

Unknown disse...

peu continuo sua fa mesmo de tao longe e em pensar que vc me defendeu do murro de uma cordeira no open barra hahahahah e c ctza ne deve lembrar ne amigo??
saudades demais