domingo, julho 19, 2009

O dia em que Michael Jackson me colocou pra dormir no sofá. (E eu nem tive a chance de processá-lo).

Maldito seja quem inventou esse negócio de fantasma. Não foi Deus, tenho certeza. Deus inventou o paraíso e o inferno, administra com mão de ferro o primeiro e deixou o capeta tomando conta do segundo. Se a gente morre e vai ou para um lugar ou para o outro, por que tem espírito de porco que ainda fica por aqui bestando? Vai tocar harpa lá em cima ou tocar fogo lá embaixo! Só me deixem dormir em paz.

Lá na agência, a nova mania é ficar pesquisando no Youtube vídeos de eventos paranormais, como o fenômeno poltersgeist, materializações de objetos, aparições de fantasmas e afins. As meninas de lá ficam apavoradas, os caras dão risada, fazem piada, gozam das colegas. Mas duvido que quando chegam em casa e colocam a cabeça no travesseiro, não ficam no pânico, enrolados no lençol, observando e torcendo para que um vulto ectoplasmático não passe na frente da cama. Eu assumo, tenho medo desses desencarnados desocupados.

Repare: quando há muito movimento na casa, pessoas circulando, nada de anormal acontece. Imagino que se surgisse uma aparição diante de um grande grupo, todo mundo se abraçaria, as pernas tremeriam um pouco, mas o medo iria embora. Só que fantasma é raça-ruim, ele espera um pobre-coitado qualquer ficar sozinho para fazer barulhos estranhos pela casa, entortar quadros, fazer cachorros latirem, bater portas.

E foi mais ou menos o que aconteceu comigo. Tem umas duas semanas ou mais que minha mãe foi pra São Paulo visitar minhas irmãs e eu estou sozinho em casa. Tudo bem, é legal porque rola festinha aqui até altas horas, mas na hora de dormir há uma certa apreensão. Mas, já pesquisei um monte de coisas sobre fantasmas e sei que eles não se dão bem com fontes de luz (por isso que a maioria das aparições que a gente vê no Youtube é captada no modo “nightvision” de câmera).

Eram quase 3 da manhã e eu, sem sono, resolvi procurar um vídeo na internet do suposto fantasma de Michael Jackson em Neverland, seu estimado e célebre rancho. Como nada hoje está tão em voga na grande rede quanto esse episódio fúnebre que fez sumir do dia pra noite o rei do pop e salvou a pele de Sarney, não tive dificuldade em encontrar o link. Cliquei, esperei o vídeo carregar e... “meu Deus! É o fantasma de Michael ali atrás, passando pelo corredor. Incrível...”

Enquanto um calafrio percorria minha espinha, pensei comigo: esse cara foi tão excêntrico em vida, tão esquisito, que até justifica ter virado fantasma. Inclusive porque, desde thriller que ele já treinava pra isso. E até que apareceu como um fantasma comum, nem parecia Michael Jackson, nem estava de luva prata em uma das mãos ou mesmo fez o fabuloso moonwalker. Mas, pra você ver como é um super-astro: mal bateu as botas e já deu um jeito de aparecer na mídia de novo.

Enquanto eu via, revia e via de novo o vídeo, cada vez mais surpreso, eis que o inesperado acontece: faltou energia. Puf! Apagou o computador, apagaram-se as luzes, o silêncio e o breu absoluto tomaram conta da casa. Gelei e todos os meus fios de cabelo arrepiaram-se. É Michael... pensei. Tanta gente importante pra esse cara aparecer e ele resolve aparecer logo em minha casa.

Tateei a mesa do computador e consegui encontrar meu celular. Liguei o flash da câmera. Imaginei que se houvesse algum fantasma materializando-se, ele iria sumir com a luz forte. “Pra que eu fui ficar acordado até essa hora?”, me lamentei. Eu estava ali sozinho, movimentando rapidamente um celular para todos os lados do cômodo numa espécie de esgrima e lembrando da regra do sobrenatural que diz que os fantasmas só aparecem quando estamos sozinhos. Pensando nisso, chamei os dois gatos que moram aqui. (Eu sei que foi uma solução ridícula, mas tenho certeza que, no desespero, você faria o mesmo). Eles vieram, peguei os dois no colo, um em cada braço e saí andando lentamente pela casa, equilibrando os gatos e o celular.

Pronto. Agora eu tinha uma fonte de luz e já não estava mais sozinho. Porém, eu não tinha coragem de ir para o meu quarto. Já tive provas que o corredor daqui é mal-assombrado, mais de uma vez aconteceu da luz dele acender sozinha e, do jeito que o mundo anda estranho, era capaz disso acontecer até sem energia. Fiquei parado no meio da sala segurando os gatos que, àquela altura, me arranhavam tentando voltar pro chão. O celular iluminava o teto.

Por um instante, passou pela minha cabeça a idéia de ir para o playground do prédio. Mas, logo lembrei que o elevador estava parado e só um louco pegaria a escada naquela escuridão. Se o caçula dos Jacksons Five estava em meu ap, na escada eu corria o risco de topar com Elvis e Dercy Gonçalves fazendo alguma sacanagem. Então, resolvi que ia dormir ali mesmo, no meio da sala.

Tinham três sofás para eu escolher. Um era de dois lugares e eu só caberia se encolhesse bastante as pernas. O segundo tinha almofadas muito altas, do tipo que a gente afunda e mói a coluna. Ah, o terceiro sim era retinho e espaçoso. Mas quando fui caminhando até ele, vi na sua cabeceira dois porta-retratos: um com meu bisavô, outro com minha bisavó. E, naquele momento, tudo o que eu menos precisava era da ajuda da família. Corri pro sofá que afunda.

Tirei o máximo de almofadas que pude, deixei uma delas para servir de travesseiro. Acomodei o celular em cima de uma bancada com a luz acesa – quanto tempo ainda duraria aquela bateria? Segurei os dois gatos no sofá e fiquei deitado, o corpo imóvel. O cachorro da casa vizinha latia sem parar e todo mundo sabe que cachorro vê fantasma. O vento balançava os toldos da varanda com mais força que o de costume. Insistentes, os gatos miavam querendo sair e eu ganhava novos e ardidos arranhões. Percebi que o resquício de noite seria longo.

Foi então que eu acordei suando em bicas com o sol bronzeando meu rosto às 6 da matina. Nada de gato por perto, o celular com a bateria esgotada. Nada de fantasma. Sobrevivi. Michael tinha ido embora, possivelmente partiu para o Japão, onde a noite começava e outro infeliz sofreria com a sua falta do que fazer pós-morte. Fui para o meu quarto e, dando muito valor a uma cama, dei prosseguimento ao meu sono que teve que ser cumprido em doses homeopáticas aquela noite.

Tenho tantas histórias misteriosas que aconteceram comigo que dariam para escrever Ghost, do Outro Lado da Vida – parte 2. Não sei dizer se sou médium ou sou apenas sugestionável. Só sei que sou assim. Mas, hoje, só vou escrever essa história mesmo. Melhor não arriscar. Vai que falta luz de novo?

Descanse em paz, Michael. Mas colabore: deixe eu descansar também.