terça-feira, maio 12, 2009

Brevíssima vida e morte de um metrossexual e suas lamentáveis conseqüências.


Se uma pessoa em cada país tivesse metade da rebeldia que tem o meu cabelo, o mundo estaria perdido. O planeta, cheio de terroristas, viveria em constante guerra; batalhas seriam travadas a cada minuto. Assim como as batalhas que travo diariamente com o pente em punho.

Buscando acomodar os fios em fúria que habitam meu couro cabeludo, já tentei tudo quanto foi corte: “V.O.” ou o famoso “cuia”, bem curto, mullet ou pega-rapaz de Chitãozinho e Xororó, topete, moicano quando passei no vestibular e até mesmo cabelo comprido na fase adolescente-fã-do-Ramones. Vale ressaltar que esta última não foi a melhor das minhas idéias, fiquei a cara de Gal Costa.

O corte que mais me adaptei até hoje é o atual. Com ele, o cabelo fica meio grande, as pontas cacheiam um pouco e o peso dos fios acaba assentando a juba. É meio retrô, meio anos 70, mas é o único que não me faz sentir ridículo. Além do que, num particular dia de sorte, já assoviaram pra mim na rua e me chamaram de anjo barroco. Portanto, já está valendo. Esse é o corte.

Mas, certo dia, sem causa aparente, a cabeleira começou a ficar extremamente ressecada. Os fios pareciam não se entender, a textura ficou áspera, eu nunca conseguia penteá-los e comecei a temer que a alcunha de anjo barroco acabasse dando lugar mais uma vez à cantora da Tropicália. Procurei Rodriguez, o sujeito que corta meu cabelo. (Não pega bem chamar de cabeleireiro).

- Rodriguez, tô preocupado, meu cabelo tá uma palha. Dê uma olhada aí, por favor.

- É, Pedro, realmente... está bastante ressecado. Que xampu você está usando? – perguntou Rodriguez enquanto analisava minuciosamente os fios de arame em minha cabeça.

- Acho que é Pantene 2 em 1. – respondi, puxando pela memória.

- Então troque. Use um xampu e um condicionador. Caso não melhore você vai precisar fazer uma hidratação. – sentenciou Rodriguez.

- Hidratação? Tá doido? Vou ficar aqui no salão com uma touca na cabeça?

Rodriguez respondeu sorrindo:

- Relaxe, Pedro. Hoje em dia tem alguns produtos que a gente aplica no cabelo e só massageia. Daí lava e pronto. Não precisa colocar a touca.

- Tudo bem. Vou mudar o xampu e, se não der resultado, fazemos o que você disse. – respondi resignado.

Fiz exatamente o que Rodriguez mandou. Fui até uma farmácia e comecei a procurar na prateleira novos produtos que pudessem resolver meu problema. Dei prioridade aos frascos mais bonitos, com formatos diferenciados e mais caros. Que outro critério eu teria? Todos falavam de aloe vera, maciez, reparação intensa e profunda, toque aveludado e outros detalhes pouco masculinos do gênero.

Depois de tirar onda de boiola na fila do caixa com tanto cosmético na mão, voltei pra casa, tomei um banho e já substituí o antigo e pouco sofisticado 2 em 1 pelos novos e extorsivos produtos. Agora entendo porque mulher gasta tanto dinheiro. Tomara que Deus me dê uma esposa de cabelo bom. Aliás, ainda assim ela vai gastar tempo e dinheiro nos salões da vida, aposto.

Apesar de sentir uma grande diferença na própria textura do produto e também perceber meu cabelo bem mais liso durante o banho, quando saí do chuveiro e os fios secaram, a esponja de aço reapareceu em minha cabeça. Pensei: normal, deve melhorar daqui a uma semana usando tudo direitinho.

Uma semana se passou e nem sinal da maciez intensa. Duas semanas se passaram e nada do toque aveludado. O desespero me levou de volta ao salão de Rodriguez. Desta vez, com um boné na cabeça.

- Boa noite, Rodriguez tá aí? – perguntei no balcão.

- Ele não veio hoje, está adoentado. – respondeu a atendente. E completou – será que algum outro cabeleireiro poderia te ajudar?

Pensei em dizer que não e ir embora pra casa. Já não bastava o constrangimento de fazer hidratação, ainda tinha que ser com um desconhecido? Mas o cabelo já tinha chegado no limite: mais um fim de semana e eu viraria rastafari.

- Preciso fazer uma hidratação. – sussurrei.

- Hein? – perguntou a mulher.

- Eu preciso fazer... – diminuí o tom de voz - ... uma hidratação.

- Uma hidratação normal ou uma hidratação profunda? – berrou a atendente.

- Qualquer uma. – sussurrei de novo.

- Maicon! Este rapaz vai fazer uma hidratação com você. – o grito da infeliz atravessou o salão de beleza.

Maicon, um sujeito andrógino, meio homem, meio mulher, com um cachecol vermelho sangue em pleno calor da Bahia, cabelos arrepiados e descoloridos, me conduziu até a cadeira de lavagem. Tirei o boné e sentei. Enquanto massageava os fios, Maicon desmunhecou enquanto revirava os olhos:

- Me-ni-noooo.... que cabelo duuuuuuuuuro!

Quase que eu respondo: “- nesse caso é só o cabelo, amigo. Nem se anime”. Mas acabei respondendo:

- É por isso que eu tô aqui.

- Não se pre-o-cu-pe... vamos dar um jeito nisso. – disse Maicon, já aplicando um produto e, para meu desconforto, continuando uma espécie de cafuné feito por mãos masculinas. Se é que masculino seria o gênero mais apropriado para qualificar Maicon.

Àquela altura, muitos eram os olhares lançados sobre mim e Maicon. O salão estava repleto de mulheres fazendo as unhas, os cabelos, preparando-se para o final de semana. E eu ali, constrangido, fazendo parte do mesmo contexto que elas.

- Pronto. Agora vamos para a cadeira. – disse o cabeleireiro (esse sim é cabeleireiro) enquanto ajeitava a toalha branca sobre meus ombros.

Eis que, para minha surpresa, Maicon abre uma gaveta e retira de seu interior uma touca prateada, grande, reluzente, parecia um artefato alienígena. Sem graça, cercado de gente, perguntei em voz baixa:

- É necessário usar isso?

- Claaaaaaaro...! É isso que dá a reação química que vai deixar seu cabelo macio, sedoso, vai abrir o brilho... – e, entre um remelexo e outro, Maicon colocou a touca em minha cabeça.

Ao olhar no espelho, deparei-me com uma cena ridícula: o ser andrógino agora era eu. Jamais poderia imaginar que um dia eu pudesse ficar parecido com Dona Benta do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

- Agora é só aguardar 30 minutinhos. Volto já. – disse o cruzamento híbrido de David Bowie com Freddie Mercury enquanto sumia rebolativo pelo salão.

A vontade de tirar aquela touca e fugir com meu cabelo duro pra casa era grande. Mas, eu queria chamar a menor atenção possível. Desejava apagar ali e só acordar quando tudo terminasse. A única forma que encontrei de amenizar o constrangimento foi pegar uma Contigo que estava no balcão ao lado, abri-la no meio, erguê-la até a altura da cabeça e fingir que estava lendo a revista. Fiquei assim por meia hora. Sem passar a página.

Eu já sentia espasmos nos braços quando Maicon resolveu voltar. Retirou a touca e me levou para enxaguar o cabelo. O silêncio que agora fazia o sujeito e também a falta do trambolho em minha cabeça fez-me experimentar uma confortante sensação de alívio. Parecia que ninguém mais reparava que eu estava ali. Até que passou uma chamada da novela na televisão e o moçoilo resolveu dar um chilique:

- Cauã! Cauã! Que ser ma-ra-vi-lho-so... vixe, olhe o meu braço. Me arrepiei. – disse Maicon chamando mais uma vez a atenção para ele. E para mim.

As mulheres riram, alguns cochichos foram trocados e eu voltei para a cadeira em frente ao espelho. Imaginei que meu cabelo seria penteado e eu iria embora com o problema resolvido. Mas, não: Maicon retirou a touca da gaveta de novo e foi colocando em minha cabeça. Segurei seu braço impedindo o ato e perguntei:

- Peraí. De novo?

Demonstrando possuir um resquício de testosterona no corpo, Maicon forçou o braço pra baixo e logo eu me tornava Dona Benta mais uma vez.

- De novo sim! Senão a reação química não é finalizada. – e completou num irritante tom didático – Aí, você vai ter jogado fora o seu dinheiro e o pior de tudo: eu vou ter jogado fora o meu trabalho.

- Mais quanto tempo com isso? Mais meia hora eu não fico. Tenho que ir pra casa. – perguntei, já disposto a abandonar tudo aquilo e montar uma banda de reggae ou tocar no Ilê-Ayê.

- Só 10 minutinhos. Que homem agoniado, meu Deus! – respondeu o desaforado Maicon.

Resolvi que era melhor não discutir mais nada, que quanto mais resiliente eu fosse, menos chances de repuxos afetados do cabeleireiro e menos olhares sarcásticos lançados em minha direção.

Eu e a Contigo cumprimos os 10 longos minutos. Fui ao caixa, paguei, dei um aceno de longe para Maicon e abri a porta de vidro com uma satisfação que poucas vezes eu tive ao deixar um lugar.

No dia seguinte, liguei para o celular do dono do estabelecimento.

- ... pois então, Rodriguez, o cara colocou uma touca prateada em minha cabeça por duas vezes seguidas com o salão cheio de gente. Você me disse que era só uma massagem no cabelo e pronto. Se eu soubesse disso não teria feito essa hidratação. – falei chateado, com a propriedade de quem já é cliente há 12 anos.

Entre consternadas desculpas, Rodriguez disse não ter entendido o porquê da utilização da touca. Cerca de 15 dias depois, retornei ao salão para cortar cabelo. Ao pisar os pés no lugar, um grito chamou a atenção da numerosa clientela:

- Me-ni-no! Quer que eu perca o emprego, é? Foi se queixar com Seu Rodriguez da minha hidratação profunda! – exasperou-se Maicon, com as mãos na cintura e um dos pés batendo rapidamente no chão.

Calado, fui até a cadeira de Rodriguez. Desta vez, cortei o cabelo folheando uma Playboy sem nenhum constrangimento. Por dois motivos: para não deixar dúvidas a quem quer que seja sobre minha masculinidade e porque Maicon, de maneira muito bem-sucedida, conseguiu finalizar minha cota de constrangimento dentro de um salão de beleza.