terça-feira, fevereiro 10, 2009

O sultão e seu trono.

Existe um bloco de carnaval aqui em Salvador chamado Harém. Olha só o nome: Harém. Admito que a idéia, o conceito que os caras criaram, é genial. Eu ainda não sou pai, nem nome pra minha filha eu tenho, mas, quando ela nascer e ficar mocinha, acreditem, ela jamais vai sair no Harém. Eu não vou deixar.

O lance é o seguinte: as menininhas bonitas de Salvador são convidadas para sair no bloco. De graça. Uma semana ou duas antes do carnaval elas são tatuadas com aquela tatuagem tipo de chiclete com a seguinte mensagem: “Princesinha do Harém”. Um negócio bizarro, gigante, bem no meio do braço. As mulheres ficam marcadas como gado depois de ferrado. O abadá só é dado no primeiro dia de carnaval. Ou seja, se a garota tirar a tatuagem um dia antes, já era, nada de festa.

Isso tudo é uma estratégia e tanto. Os marmanjos vêem as gatinhas na rua e pensam: “nossa, ela vai sair no Harém. Tenho que sair também”. E aí, meus amigos, pra homem não tem moleza, tem que pagar pra ter um dia de sultão.

Confesso que se eu fosse mulher ia me sentir um tanto quanto prostituída. Estaria ali de graça apenas para servir de isca pra um monte de tarado. Mas enfim, carnaval é festa do coisa-ruim. Peço até licença para uma súplica: Senhor, me ajude a ter dinheiro para mandar minha filha pra Disney, Europa ou Austrália toda vez que o carnaval chegar. Também, se as cifras não forem suficientes, Ilha de Itaparica está servindo.

Tá bom, não vou cuspir no prato que comi e venho comendo desde dezembro. Aos domingos deste nosso verão acontece o Ensaio do Harém e eu, como solteiro que estou, tenho ido a todos. Todos. Os seguranças da entrada nem me revistam mais. Quando eu apareço com a ficha na mão, a mulher do bar já se antecipa: “- Seu Pedro! A Smirnoff Ice de sempre?”. Sem contar que eu já decorei a ordem de todas as músicas do repertório e até mesmo as piadas sem graça do tecladista da banda.

O lugar é bem legal, no meio de uma floresta. O palco fica no centro, de maneira que ele não tem nem frente, nem fundo, nem lados. Ou seja: onde quer que você esteja, está sempre diante da banda. As mulheres da festa são realmente bonitas. A esmagadora maioria usa salto bem alto, maquiagem carregada com um contorno prateado nos olhos estilo “Blade Runner” e a saia mais comprida que eu vi por lá é menor que qualquer cinto meu. Mas, não chega a incomodar.

Meu companheiro de todos os ensaios do Harém é Pablo. Pablo, pra quem não conhece, é um sujeito de fala mansa, palavras poucas e pensadas, observador, movimentos e gestos lentos. Durante a festa, a cada 10 minutos, ele obedece ao seu sagrado ritual de ir buscar uma cerveja no bar. Esse é o momento em que costumamos nos perder um do outro.

Foi num desses dias de desencontro que, pela primeira vez, eu me compadeci de Pablo: ao final da festa, nos reencontramos perto do portão de saída. Ele estava pálido, fantasmagórico, olhos arregalados, andava a passos curtos. Cheguei a pensar que ele estava com hemorragia interna.

Meu companheiro de farra aproximou-se de mim e, próximo a meu ouvido, sussurrou:

- Peter... estou com dor de barriga.

Tinha tudo para ser engraçado, para eu dar uma gargalhada na cara dele, mas não. Por um instante, me imaginei nesta mesma situação e pensei o quanto seria caótico estar em meio a uma multidão, cercado de meninas bonitas, um monte de gente conhecida e simplesmente não ter um banheiro decente para resolver este tipo de problema.

Segurei forte em seu braço. Fiquei em silêncio como quem recebe uma notícia trágica. Eu precisava pensar. Mas Pablo não tinha tempo, seu corpo havia entrado numa guerra dramática contra ele:

- Peter... vou ter que ir ao banheiro químico. – disse o pobre rapaz com a voz sumindo aos poucos.

- Não! - respondi taxativo.

Ir a um banheiro químico, num ensaio de carnaval, bem no fim da festa? Eu não podia deixá-lo perder a dignidade daquele jeito.

- Agüente firme. – disse enquanto puxava Pablo pelo braço em direção à saída.

Ele parecia ancorado no chão, arrastava-se a passos pausados. Vivia um esforço sobre-humano de concentração para evitar o pior. Como se não bastasse a situação, todo mundo caminhava em ritmo de passeio dominical. Íamos os dois em zigue-zague passando pelas pessoas, torcendo para não encontrar ninguém conhecido – não havia tempo para um cumprimento sequer.

Lembrei que havíamos estacionado longe. Vez ou outra Pablo soltava um gemido quase mudo enquanto claudicava. Nessas horas, eu imaginava: “será que aconteceu?”. Ele negava. Quando chegamos no carro, Pablo balançou negativamente a cabeça e disse:

- Não vai dar. Vou no mato.

O mato ao qual ele se referia era nada menos que uma mata virgem, fechada, impossível de entrar. Em qualquer outro lugar, ele ficaria visível para aquela multidão que caminhava para seus respectivos veículos. O cara é um empresário, imagina se um cliente dele o visse nessa deplorável situação.

- Pablo, segure mais um pouco. Vou tirar você daqui... – tentei animá-lo.

Ele entrou mudo no carro, sentou-se com um cuidado maior do que se estivesse sentando numa caixa de ovos. Arranquei com o carro como se o pobre coitado fosse um off-road. Ignorei o terreno acidentado e saí arrastando o assoalho nas inúmeras raízes das árvores que circundam o lugar. Porém, logo à frente, antes mesmo da saída do estacionamento, a má notícia: engarrafamento. Provavelmente, com tanta cachaça na cabeça, muitas pessoas perderam o ticket que liberava a saída do carro. Pablo olhou para mim e, num tom de súplica, pediu:

- Deixa eu ir no mato...

- Tente se acalmar, a gente vai sair daqui já, já. – os carros começaram a andar lentamente e eu completei. – não disse? Tá saindo...

Pablo conseguiu buscar uma ponta de presença de espírito:

- Por favor, não diga que está saindo. A qualquer momento pode sair mesmo.

Com essa discreta mudança de humor, imaginei que meu amigo estivesse numa entre-safra das cólicas que retorciam suas tripas. O engarrafamento ainda durou um pouco e, homeopaticamente, o trânsito foi começando a fluir.

Confesso que eu estava morrendo de medo do trabalho ser realizado no banco do meu carro. Mas, amigo que é amigo não deixa o outro aliviar-se no mato, tampouco num banheiro químico de fim de festa. Movido tanto pelo receio de ter que trocar o estofamento quanto pela boa ação do dia, acelerei como um alucinado na Avenida Paralela. Fui rezando para não encontrarmos uma blitz pelo meio do caminho. Já pensou? Ao mesmo tempo, um multado e o outro cagado.

- Pra onde você está me levando? – perguntou Pablo, quase afônico, enquanto costurávamos por entre todos os carros da rua.

- Pra minha casa. Lá tem vaso sanitário limpo. Tem papel higiênico. Tem chuveirinho. Tem dignidade. – respondi.

- É longe... – suspirou Pablo.

- Calma. Agüentou até agora, agüenta mais um pouco. Força. Quer dizer, força não.

A cada curva, a cada lombada, sons originários das entranhas de meu amigo denunciavam que o parto era iminente.

- Segura, Pablo! – disse eu, tentando salvar meu carro.

Já cheguei na guarita do meu prédio disparando a buzina. Era o medo do terrível efeito psicológico que a proximidade com o vaso sanitário costuma produzir. A partir dali era questão de segundos. Portão aberto e entrei como uma flecha na garagem. Após estacionar, corri em direção ao elevador. Foi então que notei que Pablo não tinha saído do carro. Voltei lá rapidamente e me deparei com ele segurando firmemente no descanso de braço da porta, o pescoço duro.

- Não consigo levantar... – confessou Pablo.

- O que houve? Vazou?! – perguntei, morrendo de medo da resposta.

- Não, mas se eu levantar pode acabar vazando. – respondeu Pablo, cheio de sinceridade e pragmatismo.

Abri a porta e, com muito jeito e cuidado, o ajudei a levantar. A amplitude e velocidade dos seus passos lembravam os de um senhor de 90 anos, no mínimo. Fui na frente e abri a porta do elevador para adiantar as coisas para meu amigo. Sorte que moro no primeiro andar!

Após eu apertar a campainha sucessivas vezes, abriram a porta.

- Pablo! Que surpresa boa, meu filho... – exclamou minha mãe, braços abertos e uma vontade de conversar que lhe é peculiar.

O pobre coitado mal conseguia levantar a mão para um discreto aceno.

- Mãe, Pablo não está passando muito bem, ele precisa ir ao banheiro. – procurei salvá-lo.

Imaginando que todo aquele pesadelo estava terminando, o debilitado rapaz mal chegou à porta do lavabo e foi surpreendido:

- Nesse aí não, Pablo! Está sem água. – disse minha mãe, trazendo ainda mais desespero para quem já estava seriamente desesperado.

Pablo girou o corpo com grande esforço e foi caminhando lentamente para o corredor dos quartos. Passou por Livinha, minha irmã, deu um imperceptível e monossilábico “oi” e girou a maçaneta que descortinaria pra ele o milagre que era, àquela altura, um vaso sanitário e seus acessórios.

- Pedro! Leve ele pro seu banheiro. Esse aí está uma bagunça terrível. – dessa vez foi minha irmã quem deu fim ao sonho de Pablo.

Meu caro e já esgotado amigo olhou para Livinha e minha mãe, retirou de dentro de si o último suspiro de que era capaz de dar e, com as mãos levemente em prece, implorou:

- Por favor, pessoal... qualquer um... qualquer um...

Tirando uma freada de bicicleta na cueca, Pablo conseguiu chegar intacto até o vaso. Pelo menos, é o que ele conta. Não sei, nunca vou saber. Mas, uma coisa eu asseguro: se alguém próximo a você estiver com dor de barriga e quiser fazer no mato, deixe. Se quiserem fazer no banheiro químico do carnaval em plena quarta-feira de cinzas, deixe. Pelo bem do seu banheiro.

20 comentários:

Pedro disse...

Pessoal, desculpe. O verão da Bahia atrapalha qualquer atividade. Isso inclui a atualização do blog.
Abraço!

Senhorita B. disse...

Peu, passei esses dias em Salvador. E uma das minhas melhores amigas me ligou contando que tinha virado "princesa." Na hora, achei que ela estava de sacanagem. Depois de escutar sua séria "explicação", eu alternava gargalhadas com piadas de humor negro. Acabei avisando que ela, dias antes do lançamento do meu novo livro, terá que usar uma "tatuagem" com o nome do Vestígios. Ela disse que usaria na boa. Pensa que estou de brincadeira. Mal sabe que já estou até procurando uma gráfica...(rs)
Beijos,
Renata

Anónimo disse...

hahhaah!
Maravilhoso!! Lembrou uma cronica bemm antiga do Verissimo sobre o mesmo assunto.
Bjo querido

Dedinhos Nervosos disse...

A pergunta é: Pablo é o nome real? Ele continua seu amigo depois desse post? hahahaha

Pedro Valente disse...

sucesso moreno... agora banheiro bom mesmo foi um q vc n teve coragem de encarar... isso vc n conta ne??

Paula disse...

Pedro, numa boa, banheiro químico ninguém merece... Agora, o que esse seu amigo (ainda é amigo depois do relato detalhado a respeito das agruras dele?), que hora pra ter uma dor de barriga, hein?

beijão

Anónimo disse...

Ô coitadinho de Pablo... Imagine, sendo surpreendido por minha avó no meio do sufoco... Tenho certeza de que alguma coisa saiu antes dele chegar ao vaso... hahahahaha

Bjosss

Anónimo disse...

hauhahua!

mto bom!

essa tu tb conto naquele dia!

mto boa!

abração!

[ rod ] ® disse...

Bom ler notícias da minha bahia por aqui... eu que baiano sou perdido por Sampa... mas é isso.. dentro de alguns dias estarei por aí.. matar a saudade da família e curtir o carnaval pq ninguem é de ferro.r.s..s.s

E carnaval é isso... vc sai inteiro de casa e volta.r.s.s do jeito, digamos, deplorável.r.s.s

Abçs meu caro,










Novo Dogma:
convenHamos...


dogMas...
dos atos, fatos e mitos...

http://do-gmas.blogspot.com/

Pedro disse...

Naty Bel: mande rodar duas tatuagens do Vestígio. Um pra sua amiga princesinha do Harém e outra pra mim.
Vai ter noite de autógrafos aqui em Salvador?

Beijo.

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Lore: é mesmo, Veríssimo já passou por esse perrengue. Mas ele não teve o alento das princesinhas do Harém...

Beijo!

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Anna: não, Pablo não é o nome real. Se assim fosse, ele teria perdido a cueca e eu, o amigo.

Beijo.

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Gabriel: moreno, essa eu não vou contar. Sandra acha que me esponho demais no blog e ela tem razão. Contente-se em saber e ter sido testemunha.

Abraço.

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Paula: e dor de barriga tem hora? Certa vez um amigo meu, vivendo uma situação similar, me disse gemendo: o dia em que algum sacana desenvolver um remédio que segure a dor de barriga na hora, fica milionário.
Situação chata mesmo.

Beijo!

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Roberta: não sei, Ró, não sei... confesso que até procurei no lixo do banheiro por alguma cueca, mas não encontrei. Se bem que pode ter descido pelo vaso sanitário ou quem sabe até ter sido lançada pela janela.

Beijo.

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Rueda: contei que dia, moreno? Essa história é relativamente nova. É diarréia fresquinha...

Abraço!

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Rod: pois é, carnaval a gente vai pra rua e não sabe como volta, quando volta e se volta.

Aquele axé!

Anónimo disse...

hahahahahaha! fiquei com dor na barriga de rir!!! e tenho que confessar uma coisa... eu... eu fui princesinha do harem! aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhh (grito de desespero seguido de rubor intenso)até hj ouço os escaldes...
saudades. beijos.

Val disse...

Pablo! É realmente muito bom esse nome. Embora não o veja com cara de Pablo. Mas diz pra ele que mandei um beijo e que se soubesse disso na semana passada teria feito chantagens para ele me contar a outra história que está me devendo.
Beijos pra vc.

Anónimo disse...

pablo robou a cena do harém. o texto sobre o harém me fez sentir um alienado que nem sabia dessa marca nas vaquinhas. Mas pense ai, record de beijo na boca, quero mais é beijar na boca, e viver assim pra sempre....
a voz de "sensual leite" dizendo isso p as meninas e meninos de 14, 15 anos que vão ao carnaval pela primeira vez. O que eles vão fazer? ham ham. Palavra de ordem lamentável.
Curti muito seus textos. Sou sócio e moro com Filinto. vc conhece. Pinta no meu blog, quando o verão passar.abraço e parabéns

Unknown disse...

ADOREI... PERDERIA MAIS 1 HORA LENDO O SEU BLOG... ADOREI DE VERDADE!
CONTINUE ESCREVENDO SEMPRE!
BEIJOS

Lulu Lima disse...

hahahahahahahahahahahahah Imapagável!!!! Tô vendo que não sou só eu que me meto em confusão! (Como diz a sessão da tarde, Tremeda confusão) risosss beijão!

Anónimo disse...

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Continue the good work!

Anónimo disse...

For the great posts

I'll be back soon.


Thanks again!

Have a amazing and clean 2011 ;o)


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Anónimo disse...

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Anónimo disse...

Eu sei quem é Pablo :-)

Anónimo disse...


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