terça-feira, setembro 10, 2013

O misterioso e lamentável desaparecimento de todas as piriguetes do planeta.




E, em um dia qualquer, eis que, como que por encanto, sumiram todas as piriguetes do mundo.
Sim, sumiram. Ninguém sabia como, ninguém sabia porque, não se sabia aonde tinham ido parar... o fato é que desapareceram da noite para o dia. Não havia sobrado sequer uma mulher de poucos trajes e de fácil acesso na superfície terrestre. O planeta era todo interrogações. Aliás, mais do que isso: era um mar de lamentações.
Na primeira semana, algo inédito aconteceu: todos os países, povos e religiões do mundo, esqueceram suas diferenças, mágoas e até guerras - uniram suas tecnologias, seus serviços de espionagem, através de uma cooperação mútua jamais vista na história, com o objetivo de descobrir o paradeiro do que foi tardiamente reconhecido e denominado de “alegria da humanidade”.
Estados Unidos, Cuba e Síria, irmanamente, compartilhavam bases militares em seus territórios e, juntos, lançavam satélites de rastreamento. Temporariamente, a Faixa de Gaza foi desativada e virou área de trânsito livre: judeus e palestinos fundiram seus exércitos e marchavam unidos pelo oriente médio em missão de varredura.
Aqui pela América do Sul, Argentina e Inglaterra fizeram um abraço simbólico em torno das Ilhas Maldivas e não paravam de trocar informações, técnicas investigativas e gentilezas. Elizabeth II condecorou Christina Kischner com a Ordem do Império Britânico, que, imediatamente, ganhou o título de “Dame”. Dilma decolou de Brasília e, horas depois, pousou em Washington onde, pessoalmente, pediu a Obama que intensificasse a espionagem nos e-mails e facebook dos brasileiros para ver se encontravam pistas das piriguetes.
            O mundo, através da dor, pela primeira vez, baixou flâmulas que separavam fronteiras, para levantarem juntos uma só bandeira: a bandeira da paz, da união e da fraternidade universal.

            CONTINUA...  

quarta-feira, setembro 04, 2013

Bem-vindos, médicos cubanos. (Na verdade, este não é bem um título. É uma tentativa de vingança)

- Não se preocupe, você não vai ver nada. Quando você acordar, já vai estar tudo acabado – disse Tio Fulano, tio e médico, tentando me encorajar a fazer uma endoscopia.

A verdade é que o tempo passa, a medicina evolui, surgem terapias genéticas, cirurgias robóticas, próteses cibernéticas, clones, genoma mapeado, o escambau, mas alguns procedimentos parecem que não saíram da idade média. Eu achando que no ano 2000 os carros já estariam voando, mas que nada: pra ver se um indivíduo tem gastrite, é necessário enfiar um tubo goela abaixo.

Bom, depois de muito relutar em fazer o exame, com a clara sensação de ter um maçarico ligado dentro da barriga, resolvi enfrentar a endoscopia. Até porque, se a gente dorme e não vê nada, que mal haveria?

Marquei com Tio Fulano numa segunda-feira. No domingo à noite, a pizza com os amigos deu lugar a um tedioso e sacrificante jejum. No dia seguinte, acordei muito cedo e segui com meu tio para o hospital.

- Olhe, o serviço de endoscopia do hospital está lotado hoje... mas aí pedi um favor pessoal a Dra. Silvana, disse que você era meu sobrinho e ela vai te encaixar entre um paciente e outro – disse Tio Fulano ao volante, buscando um reconhecimento do seu esforço.

- Valeu, meu tio. Mas me diga uma coisa... tem certeza que não vou acordar com esse tubo no estômago? É que eu...

Buscando me interromper, num gesto clássico seu, palma da mão levantada em minha direção, disse em tom firme:

- Você confia em seu tio? Esqueça esse negócio de acordar. Se eu quiser, amputo seu braço e você nem se mexe.

O argumento era forte. Mas, ainda assim, a ideia de enfiarem um tubo pela minha garganta até chegar ao estômago não me agradava. Já havia umas 12 horas que eu não comia nada, mas o nervosismo causado pela proximidade do exame, misturado com a forte queimação que me afligia, afastavam ainda mais o apetite.

- Você tem uma gastrite. E só... a gente resolve isso fácil – diagnosticou Tio Fulano do alto de sua experiência.

- Bom, se você já sabe mais ou menos o que eu tenho, pra que fazer esse exame? Não é só passar logo o remédio pra gastrite? – tentei um último argumento.

- Você é idiota, Pedro? Vai tomar remédio a toa? Só esse exame pra dizer com segurança o que você tem – disse Tio Fulano com sua paciência habitual.

- Então não diga que você sabe o que eu tenho – rebati.

Chegamos ao hospital. Aquele característico cheiro de éter, jalecos brancos andando por todos os lados. Pegamos o elevador com um senhor em cima de uma maca com sondas, soros, monitores, tudo o que ele tinha direito. Definitivamente, ali não era dos meus ambientes preferidos. Era hora de pensar em parar de tomar coca-cola.

No pórtico de entrada, lia-se : “Gastrenterologia”. Umas quatro enfermeiras depois, chegamos a uma sala de espera com uma porta e a plaquinha: “Endoscopia”. Havia chegado o momento em que o ar-condicionado costuma parecer mais gelado. Contrariando a baixa temperatura, as mãos suavam. Mas, não tinha jeito, eu precisava me livrar daquela dor, da queimação constante, da sensação de brasa no meio do meu estômago. Àquela altura, Magnésia Bisurada, Maalox e Estomazil tinham tanta eficiência contra minha provável gastrite quanto João Henrique na prefeitura de Salvador.

- Sente aí e me espere – disse Tio Fulano, enquanto rumava a passos rápidos para a sala de endoscopia.

Era uma sala de espera pequena. Mas, com aquela frieza típica das salas de espera de hospitais: luz branca, atendente meio de mal com a vida, revistas que, quando tinham capa, datavam de 1992. Peguei uma edição da Manchete TV que trazia o furo do início do namoro de Adriane Galisteu com Ayrton Senna e me acomodei numa cadeira entre duas senhoras. Mal comecei a folhear a revista e uma delas me perguntou:

- O que está fazendo aqui, meu filho? Tão jovem...

- Vim fazer uma endoscopia – respondi em uma tentativa de sorriso simpático.

- Vixe, coitado... – disse a senhora, estendendo a curta frase em tom de lamento.

- Não, mas meu tio me disse que eu vou tomar um remédio pra dormir que não deixa a gente ver nada... – falei, tentando me convencer da minha própria afirmação.

A outra senhora do meu lado se manifestou. Inclinando a cabeça em minha direção, confidenciou:

- Eles falam isso para todos nós...

- A gente fica acordado? – perguntei contendo a aflição.

Duas cabeças grisalhas a balançar lentamente para cima e para baixo em tranquila afirmação.

- A gente vê o exame todo? – insisti.

- Todo. Só faço mesmo porque tenho úlcera – respondeu uma.

- Tortura – respondeu outra.

Na porta entreaberta, surge meio corpo de Tio Fulano acenando para mim:

- Pedro, venha.

Naquele momento, senti uma certeza que nunca havia sentido na vida. Não me restava qualquer dúvida: eu não faria aquele exame. Nem naquele dia, nem nunca mais.

- PEDRO – insistiu Tio Fulano.

Minhas duas mãos soltaram o encosto de braço e, vacilante, caminhei em direção a ele.

- Boa sorte, filho – despediu-se de mim uma das senhoras.

No meio da sala, uma maca estreita. Tio Fulano conversava amenidades com a médica. Entre uma risada e outra, apontou para a maca e disse:

- Pedro, deite aí.

Sentei naquela maca alta. Minhas pernas não tocavam o chão. Tio Fulano e a médica pareciam estar numa mesa de bar; a conversa era solta, a gargalhada era fácil. Meus olhos percorreram a sala toda, até encontrar ao lado da maca um enorme tubo preto. Ele estava enrolado como se fosse uma mangueira de jardim. Aquilo era tão extenso que, sem dúvidas, poderia varar o corpo inteiro de uma pessoa, entrando pelo início do sistema digestivo e saindo pelo final. 

- Pedro, eu mandei você deitar! – Tio Fulano recobrou minha atenção.

Foi então que, tomado pelo mais completo pavor, busquei serenidade e afirmei:

- Meu tio, eu pensei melhor e decidi. Não vou mais fazer esse exame.

- O quê? - desfigurou-se Tio Fulano - Ah, mas você vai fazer. Eu desmarquei minhas cirurgias agora de manhã, Dra. Cicrana desmarcou paciente e você vai fazer, quer você queira ou não. Doutora, chame aí um auxiliar de enfermagem.

- EU NÃO VOU FAZER – disse, completamente decidido.

- Não levante! Você vai fazer sim – bradou Tio Fulano.

- Você vai dormir, não vai ver nada – disse a médica em tom sereno.

- Vocês estão me enganando, eu já sei que eu não vou dormir – disse enquanto tentava levantar da maca.

- Segura ele – ordenava ao enfermeiro, Tio Fulano.

Pegaram minha veia. Colocaram em minha boca um negócio que impedia dela fechar. 

===== 1135 DC. Começava a tortura medieval. ===== 

Grogue, eu ouvia, ao longe, a voz da médica:

- Pedro, engole.

Sentindo uma terrível sensação de ânsia de vômito com o tubo na garganta, ainda era necessário engolir para que o tubo seguisse esôfago adentro. Eu não conseguia.

- Engole, Pedro! – um pouco menos paciente que a médica, a voz de Tio Fulano se fazia mais presente.

Querendo respirar e vomitar ao mesmo tempo, com aquele tubo sendo forçado, literalmente, goela abaixo, acabei engolindo. O tubo foi descendo com grande velocidade e eu tive a plena certeza de que iria morrer sufocado. Sabe-se lá como, consegui me soltar do enfermeiro e arrancar o tubo de dentro do meu estômago. Àquela altura, eu já não tinha qualquer esperança de dormir - as senhorinhas falavam a mais pura verdade. Novamente, fui segurado pelo algoz de jaleco.

- Engole, Pedro! Você só está fazendo demorar mais. Vai... – Tio Fulano, ao modo dele, tentava me encorajar.

Sem ter como me soltar novamente e com uns 2 metros de tubo na barriga, não me restava outra alternativa a não ser a resiliência: com os olhos lacrimejando de náusea, aceitei a angustiante tortura. Por um instante desejei ter mesmo alguma coisa para justificar aquele calvário. Esperei cada segundo se arrastar.

- Tranquilo... tranquilo... – dizia, em voz aveludada, a médica.

- Tá acabando, tá acabando... – dizia Tio Fulano.

- Ghhhhhhh, ghhhhhh... – dizia eu.

O tubo foi sendo retirado e aquilo parecia que nunca iria parar de sair de dentro de mim, tamanho era o comprimento. Eu estava livre. A vontade era de arrancar o cateter e dar uma surra nos três.

- Você não tem nada... – disse a médica com largo sorriso no rosto – apenas uma leve gastrite.

Olhei para Tio Fulano. Ele me fitou afirmativo:

- Viu aí?

Jamais entendi esse "viu aí?".

Hoje, quando sinto qualquer indício de queimação persistente, começo logo um tratamento com Pantoprazol de 40 mg. É meio que automedicação, mas funciona bem. Ao invés de uma endoscopia, era isso que todos os médicos deveriam receitar a seus pacientes. Sejam eles médicos brasileiros ou médicos de Fidel.