quarta-feira, março 17, 2010

O Rei que, ao que tudo indica, queria roubar a coroa dos outros.


Há algum tempo atrás, um grande amigo me disse que estava tendo problemas com sua namorada. Sentamos pra conversar. Ele, aflito, disse que certo dia... aliás, pior, certa madrugada, o telefone de sua amada havia tocado enquanto os dois dormiam. Ela não acordou com o toque, mas ele acordou. Quando olhou no display do celular, meu amigo leu: Rei. Achou estranho, mas passava das 3 da matina e tudo o que ele não queria aquela hora era levantar da cama para discutir relação. Voltou a dormir.

No dia seguinte, nem o café da manhã fez descer a pergunta presa na garganta. Entre um gole de suco e outro, escapuliu:

- Quem é Rei?

- Rei?

- Sim, Rei. Ligou pra você essa madrugada. – Nestor perguntou enquanto cortava o pão.

- Ah, sim. É Rei, aquele músico do Chiclete com Banana. – respondeu a namorada calmamente.

- E o que ele queria com você às 3 da madrugada? – perguntou Nestor segurando a faca com um pouco mais de força.

- Nós somos amigos, conheço ele há uns dois anos. Gente boa. Mas, sinceramente, não sei o que ele queria comigo às 3 da manhã.

- É? Ah, é? Sabe o que eu vou fazer? – Nestor, com as mãos, transformou o pão em farelo.

Foi então que, apreensivo, eu interrompi a narração da sua história:

- Ai, ai, ai, o que você fez, Nestor?

Pedindo paciência com a palma da mão apontada pra mim, buscando as minúcias da história, Nestor continuou:

- Falei pra ela: me dá seu celular agora que vou ligar pra esse tal de Rei.

- Amor, que é isso? Você vai falar o quê? Olha a confusão...

- Me dá o celular!

Tomado pela raiva, insistindo em ligar, Nestor conseguiu o que tanto queria. Pegou o celular da namorada, chegou na letra “R” e procurou pelo monarca do axé music. Discou pro sujeito. Do outro lado, o suposto Don Juan atendeu com certa doçura:

- Oi Sabrina!

Com a voz talhada de quem está com o sangue ácido, Nestor respondeu:

- Sabrina uma @#$%&*!!!!! Quem tá falando aqui é o namorado dela, seu @#$%^&*!

Surpreso, o cara respondeu:

- Calma, amigo, calma...

- Calma uma @#$%^&*!!!! – urrou Nestor com os olhos revirando.

- Peraí, rapaz, sou eu... Rei... Rei do Chiclete.

Fiz nova interrupção na história:

- Ah, sim... porque ele é “Rei do Chiclete” pode ligar pra sua namorada de madrugada? Você disse o quê?!

Foi então que Nestor interpretou de maneira teatral uma resposta fantástica. Quase entrando em convulsão de raiva, ele disparou:

- Escute aqui... você pode ser Rei do Chiclete, pode ser príncipe da bala de goma, conde da pastilha Adams, duque da jujuba... não me interessa! Nunca mais ligue pra minha namorada, seu @#$%&*!!!

Depois de me embolar de rir com a espirituosidade irritada de meu amigo, perguntei a ele:

- E o cara voltou a ligar?

- Ele não é doido...

- Sinceramente, achei que você foi radical demais. Dava pra resolver na diplomacia... carnaval tá chegando, você podia negociar uns abadás... – não resisti.

Foi então que, em contrapartida, eu acabei sendo coroado com adjetivos e palavras doces reservados apenas à realeza.


PS: quero mandar um abraço aos leitores de Portugal que, de uns dias pra cá, aumentaram bastante sua participação nos números de acessos do blog. Obrigado aos amigos de Lisboa, Porto, Aveiro, Coimbra, São João da Madeira, Vila Nova de Gaia, Estoril, Evora e Viana do Castelo. São sempre bem-vindos.

sexta-feira, março 12, 2010

Meu irmão Dudu em três pequenas passagens.


Quebra-molas de madeira.

E eu já não aguentava mais rodar pelas estradas do CIA, cheias de longas retas, uma rótula atrás da outra, trechos desertos, verdadeiro paraíso da desova de carros e de gente. Tudo isso para chegar em Caboto, povoado de Candeias, interior da Bahia, encontrar meu irmão que encontrava-se ilhado.

Completamente perdido, passando por preocupantes sombras de sinal de celular, colecionando quilômetros, sem viva-alma para dar uma pista do caminho, eis que surge um tracinho no celular indicando que valia a pena tentar fazer uma ligação. Telefonei correndo para Dudu, que conhecia bem aquele caminho:

- Duda, vou desistir. Não aguento mais girar em rotatórias...

Com uma certa falta de paciência, ele me respondeu:

- Meu filho, você já passou pelo quebra-molas de madeira?

- Eu já perdi a conta de quantos quebra-molas passei, Dudu! Mas todos de asfalto.

- &$%#*@! Madeira é o nome do povoado!

Uns 2 quilômetros à frente, a confirmação: Posto de Saúde de Madeira. E as paredes do lugar, curiosamente, eram de tijolos.

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Um Táxi no carnaval e uma incrível coincidência.

As mágicas – para muitos - cortinas do carnaval estavam prestes a se fechar. A terça-feira, último dia da folia, despedia-se dando espaço ao misto de euforia que causam os últimos acordes e a melancolia da quarta de cinzas. Em cima do camarote, chegou um momento em que Dudu não mais se governava, era totalmente submisso a um sujeito de apenas 8 anos, um tal de Johnnie Walker. Eu, bom irmão que sou, em minhas plenas faculdades mentais, ia no bar e lhe trazia água. Porém, a cada gole d’água, seguiam-se quatro de whisky, o que não ajudava muito na sua recuperação.

Após ficar inofensivamente chato com uma porcaria de um martelinho inflável, destes de propaganda que jogam do trio-elétrico e que ele insistia em golpear os presentes, resolvemos esperar o Voa Voa passar para irmos embora.

Descemos todos: eu, Dudu, Nadja, minha cunhada, Bia, minha sobrinha e um casal amigo. Abrindo caminho entre cambaleantes pierrôs e colombinas de fim de festa, ia eu dando direção à turma, sempre tratando de olhar para trás para conferir se não tinha ficado ninguém perdido no meio da confusão. Num desses momentos, me surpreendi com uma cena inusitada: vinha Dudu andando, um sorriso de canto de boca, olhos semicerrados, as pernas cruzando ao caminhar, um verdadeiro top model na passarela.
Em momentos assim, onde misturam-se multidão e álcool, pequenos percursos viram verdadeiras procissões. Mesmo a gente explicando que já estávamos chegando ao ponto de táxi, Dudu insistia em entrar num banheiro químico pra fazer xixi. Se você tem alguma curiosidade para conhecer o inferno, sugiro que entre num cubículo destes de terça para quarta de cinzas. A gente pediu, argumentou, implorou, mas não teve jeito: ele abriu a porta e sumiu no escuro daquela podridão.

Após alguns minutos, ficamos preocupados dele ter ficado off-line justo dentro do banheiro químico e eu acabei indo lá conferir. Nunca na minha vida desejei tanto ter o poder de mover objetos para poder abrir aquela porta sem colocar a mão na maçaneta. Ao puxar a porta, Dudu de costas para mim e de frente para o vaso - ou seja lá como se chama aquilo -, paralisado. Imagino que aquele cheiro (do qual, inclusive, jamais vou esquecer) tenha o deixado em choque. Apenas me respondeu sussurando:

- Já vou...

Aguardamos mais uns dois minutos, tempo suficiente para nos escorarmos na balaustrada que separa a avenida da praia, e eis que sai Dudu, trançando pernas e um sorriso no rosto, nem parecia que tinha saído daquela tristeza de lugar. Ah, o fantástico lado bom da amnésia alcoólica.

Chegamos ao ponto e lá, apenas um táxi. Heber e Sílvia, nosso casal amigo, vendo o estado de Dudu, gentilmente nos cedeu o veículo. Mas, considerando aquela sua última corrida do carnaval, o taxista se achou no direito de optar por passageiros que não morassem nos arredores, procurando assim por uma corrida mais longa. Ok, justo. Eu, Heber e Nadja tentávamos convencê-lo de nos levar enquanto Dudu, ao nosso lado, estático, parecia ouvir a conversa:

- Amigo, faça essa corrida, a gente precisa chegar em casa... – dizia um de nós ao taxista.

- O horto não é tão perto assim – completava outro.

- Pra que lugar do horto vocês vão? – perguntou o taxista.

- Rua Waldemar Falcão.

Não muito satisfeito, o taxista concordou e entrou no carro. Nesse momento, Dudu resolveu se manifestar, colocou a cabeça dentro da janela do carro e perguntou para o motorista:

- Peraí amigo, você tá indo pra onde?

- Horto... – respondeu o taxista já sem paciência.

Com uma cara de surpresa, disse Dudu:

- Porra, que coincidência. A gente também. – e entrou no táxi com a empolgação de quem tinha encontrado uma grande oportunidade.

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El fabuloso creme de choclo.

Olha, foi simplesmente fantástico esquiar em família no meio do ano passado. Eu até escrevi um post sobre esta viagem há tempos atrás. É, e também fiquei de escrever a continuação da história, eu sei, desculpem. Mas é aquela coisa, a gente vai lembrando de outras histórias e acaba correndo para escrever e não esquecer. Um dia escrevo a sequência, prometo.

Bom, o fato é que, viajando pela América Latina, há sempre uma tentação em acharmos que falamos espanhol. Como dizia um sujeito num fantástico comercial de TV, “hablar ‘erpañol’ es ‘ácil’... ‘hasta’ hablar con la boca abierta, sin cerra-la un só ‘momiento’”. Esse artifício idiomático tem um efeito colateral: não demora e você logo começa a babar.

Eu sou cara de pau, assumo, me arrisco num portunhol cheio de propriedade. Acabo entendendo e sendo entendido. Mas, quando não faço ideia de como é a palavra que quero dizer em espanhol, a pronuncio em português mesmo. Assim, corro menos riscos.

Já Dudu, não. Dudu simplesmente formulava frases completas em espanhol. Em certos momentos, era tamanha a sua segurança que eu chegava a acreditar que ele sabia o que estava dizendo. 

No nosso último dia em Santiago, resolvemos nos despedir da cidade numa churrascaria bacana de lá. Depois de explorarmos o cardápio, acabamos pedindo sugestões de pratos de carne ao garçom que, gentilmente, foi explicando um a um. Após escolher seu prato, Dudu resolveu arriscar um acompanhamento que não estava no cardápio:

- Por favor, yo quiero como “acompanhamiento” un “creme de mijo”.

- Señor, creo que no puedo traer una crema de mijo para usted. – respondeu o garçom, constrangido.

- Pedro, diga a ele que eu quero um creme de milho... – disse Dudu, como se eu tivesse vocabulário em espanhol para resolver a situação.

Entendendo a solicitação, o garçom corrigiu:

- Crema de choclo!

- No, gracias, “sobremesa” ahora no... quiero creme de mijo!

Nesse momento, lembrei que, em um dos dias no café da manhã, tinha ouvido algum garçom se referir a milho como choclo. Foi então que, em meio a uma crise de riso, eu levantei o polegar para o garçom e disse:

- Crema de choclo!

Irritado, Dudu dizia:

- Ô animal, eu não quero doce agora! Peça o maldito creme de milho!

Eu não conseguia parar de rir, apenas olhava para o garçom e dizia:

- Sí, choclo!

Após servir o creme de choclo a Dudu, espirituoso, o garçom esperou que ele provasse o prato e em seguida disparou:

- Entonces, señor... mejor que una crema de mijo, no?