Essa vida é mesmo cheia de coincidências. Imagine que em 1998 fomos eu, Daniel e Tio Fulano para a Flórida. Lá, ao pegar o elevador do hotel, vimos uma família correndo pelo lobby e acenando para nós como se pedissem para os aguardarmos. Assim o fizemos. Ao aproximarem-se, surpresa geral: os apressados eram Tia Lídia, Tio Renato e Camila - pai, mãe e filha, moradores do mesmo prédio que nós três.
Pense bem: qual a probabilidade de dois grupos que moram no mesmo lugar se encontrarem na mesma época, no mesmo país, no mesmo estado e no mesmo hotel entre os milhares que existem em Orlando? Enfim, foi aquele espanto geral. Um grato espanto, na verdade. Era o início de uma viagem divertidíssima, cheia de boas risadas, quase sempre causadas por Tio Fulano e suas histórias e piadas impublicáveis.
Sim, são realmente impublicáveis, mas vou pedir licença à censora do Blog, Sandra, e contar algumas. Crianças, não leiam.
A gente estava andando pelo parque e Daniel, o chato do Parque das Árvores, começou a se queixar: - tá calor, tô com fome, tô cansado, vamos só em mais um brinquedo.
- Daniel, você é um pobre tatu. - retrucou Tio Fulano com sua habitual falta de paciência.
Daniel, típico mal-humorado de poucas palavras, ignorou a observação. Mas, Tia Lídia, curiosa, perguntou:
- O que é um pobre tatu, Fulano?
- Um pobre tatu, Lídia, só tem o casco e o c*. O casco anda todo rachado e no c* tem um p** enfiado. – respondeu Tio Fulano com tranqüilidade e certa didática.
Confesso que fiquei apreensivo, afinal, Tia Lídia é uma pessoa um tanto quanto conservadora. Mas ela sorriu contida. Aliás, até Daniel, o pobre tatu, deu risada.
E a viagem prosseguiu. Assim como as tiradas de meu Tio.
Uma outra vez, explicando o que ele considerava ter sido alguma injustiça praticada contra ele, nos veio com essa durante o jantar:
- ... e aí o cara queria me vender pelo dobro do preço. Não aceitei, ele queria que eu assinasse um contrato bililica. – disse Tio Fulano, inconformado.
Advogado experiente e procurador do estado, Tio Renato perguntou intrigado:
- O que é um contrato bililica, Fulano?
- Eu entraria com o c*, ele entraria com a pi**. Não assinei, é claro. – respondeu meu desbocado tio, muito naturalmente.
Então, uma noite, estávamos todos voltando para o hotel na van alugada quando vimos, no meio do nada, uma enorme mansão com um amplo estacionamento na frente. A arquitetura exageradamente sombria, junto com o enorme letreiro iluminado onde líamos “The Haunted House” (A Casa Mal-Assombrada), nos revelou ser um brinquedo, mais uma atração daquela cidade repleta de entretenimento. Eu, Daniel e Camila, os três adolescentes do carro, enchemos a paciência de todos para irmos conferir.
Estacionamos o carro e, ainda do lado de fora, já ouvíamos sons de tiros, serras-elétricas, lamentos, gritaria. Fruto de algumas caixas de som escondidas pelo jardim da casa, tudo para deixar os visitantes no clima. Aproximando-nos da porta, ainda ouvi uma trovoada forte. Se não fosse o céu limpo e estrelado, teria certeza de que iria chover. Tenho que tirar o chapéu: além de invasão a países alheios, os americanos também são craques em promover diversão.
Ao entrar na casa, parecia de fato com um lar qualquer: porta-retratos, relógio antigo de parede, cabide para pendurar casaco, uma mesinha com um jarro de flores e uma escadaria que provavelmente dava nos quartos. Porém, a decoração carregada de madeira escura e o ambiente todo à meia-luz nos remetia diretamente a um filme de terror. Propositalmente, a temperatura era baixíssima, experimentamos um frio cortante.
De repente, apareceu um mordomo. Um tipo clássico de mordomo. Extremamente polido e monossilábico, com seu inglês britânico ao invés de americano, nos pediu que o seguisse e virou de costas. Neste instante, iniciou-se uma discussão entre nós:
- Eu não vou na frente! – antecipou-se Daniel.
- Eu também não! – completou Camila.
- Eu vou no meio! – me defendi.
Os adultos também ficaram no maior jogo de empurra até que o mordomo virou-se para nós e falou numa rápida fusão tônica entre polidez britânica e barraco latino-americano:
- I said... FOLLOW ME!
- Eu disse… SIGAM-ME!
Achamos melhor obedecer. Na ordem em que estávamos, seguimos em fila atrás daquele sujeito alto, pálido e vestido num elegante fraque negro. Graças a uma rápida manobra, consegui me posicionar no meio de todos, evitando as extremidades. Caminhando pelo corredor, o não muito simpático senhor nos advertiu sem olhar para trás:
- Não toquem nos atores que eles não tocarão em vocês.
Não sei se eu entendi certo, mas, se por acaso a gente resolvesse bater no monstro, ele bateria na gente de volta. Mas, tudo bem, aquele dia eu estava calmo, tinha tomado meus remédios controlados e não iria espancar ninguém.
Tão repentino quanto o aparecimento do mordomo, foi o seu sumiço. Nos vimos sozinhos naquele corredor escuro e cheio de quadros nas paredes. Os passos de Tio Renato, o primeiro da fila, eram curtos, milimétricos, quase não existiam. Tia Lídia reclamou:
- Vai, Renato! Qualquer coisa a gente corre de volta...
Blam! Um forte barulho denunciou o fechamento da porta atrás de nós. Era o fim do plano B de Tia Lídia. Após algumas dezenas de passos de formiga de Tio Renato, ainda no corredor, começamos a ouvir uma voz masculina como se estivesse resmungando. Ouvíamos também um som de líquido sendo remexido. Pensei logo no pior: tem alguém sendo estripado. Ao chegarmos na sala, não é que eu estava certo? No meio do que parecia ser uma sala de televisão, havia uma maca com um corpo aberto e um louco vestido de cirurgião cheio de tripas nas mãos. Ao ver-nos, ficou irado, começou a gritar conosco e então meteu a mão no tórax do pobre-coitado, arrancou o coração e jogou com força em nossa direção. O órgão bateu na grade que nos separava daquela cena e um líquido espirrou na gente. Só fomos perceber que era água ao invés de sangue quando já estávamos de volta ao corredor, desta vez, a passos muito mais rápidos do que os de Tio Renato.
Surgiu em nossa frente um jovem vestido de branco. Não era assustador. Na verdade, ele é quem parecia assustado. Pediu para que a gente o seguisse, como se fosse nos mostrar a saída daquele lugar. O jovem disparou a correr e, com um salto, atravessou o espelho que havia na parede. Ao chegarmos perto do objeto, só víamos nosso próprio reflexo. Então, mais um susto: o espelho acendeu e vimos o rapaz lá dentro apontando para a direção que devíamos seguir pelo corredor.
Durante nossas caminhadas, sons estranhos sempre nos acompanhavam. Mas, à medida que fomos nos aproximando do próximo ambiente, um som ritmado de pancadas ia aumentando. O que será que nos aguarda? Este era o pensamento corrente de todos naquela casa.
Ao entrarmos no cômodo, que surpresa desagradável! Estávamos no quarto da menina do Exorcista. Ela estava deitada, seus braços amarrados por dois lençóis à cabeceira da cama. Mas a garota não cansava de tentar se libertar: levantava meio corpo, se debatia inteira, convulsionava, trincava os dentes e então jogava as costas com força contra o colchão. Era este o som macabro que ouvíamos ainda do lado de fora.
Mais uma vez, a porta atrás da gente se fechou. O único caminho que tínhamos era contornarmos a cama da possuída e sairmos por um portal do outro lado da cabeceira. Ficamos um bom tempo parados ao lado da cama, olhando fixamente para aquela menina e seu rosto transfigurado. Seus movimentos obedeciam uma seqüência lógica, o que levantou uma discussão:
- É um robô. – disse Camila.
- Não, é uma pessoa, olha o detalhe da pele. – disse Tio Fulano.
- Não, é um robô sim, repare no movimento sempre igual. – disse Daniel.
- É pessoa!
- É robô.
- É pessoa!
- É robô.
- Parem de discutir. Se é robô ou se é pessoa, o fato é que teremos que passar por ela de qualquer jeito. Vamos. - Tia Lídia pôs fim à celeuma.
Como o quarto era pequeno, a distância entre as paredes e a cama devia ter em torno de meio metro. Os seis foram se esgueirando pela parede, evitando a lateral da cama. Doze olhos fixos na garota. Viramos a quina e estávamos todos de frente para a endiabrada quando, num solavanco mais forte, soltou das amarras um de seus braços. Tio Fulano infelizmente estava certo: era pessoa. Enfurecida, aos berros, ela não sabia se esticava o outro braço para nos alcançar ou se soltava o último lençol. Em meio à sua dúvida e nosso pleno terror, corremos pela outra lateral da cama e saímos dali. Após termos nos certificado de que ela não nos seguia, diminuímos o passo.
Mal deu tempo de respirar e começamos a ouvir ao longe um som de moto-serra acelerando. O ao longe tornou-se perto rapidinho: era Jason, de Sexta-Feira 13. Do pouco que consegui olhar, era um sujeito robusto, com sua típica roupa de lenhador e máscara de jogador de hockey. Disparamos mais uma vez. Corríamos com o mesmo vigor das vítimas dos filmes de terror que ele estrelava. A ordem da fila era a seguinte: Tio Renato na frente, depois Tia Lídia, Camila, eu, Daniel, Tio Fulano e Jason. Mesmo tendo ainda duas pessoas entre mim e o assassino, o som da moto-serra dava a entender que minha orelha seria decepada em instantes. O sujeito era bom de corrida.
Todos concentrados em fugir e eis que, misturado ao barulho infernal daquele motor em alta rotação, ouvimos os gritos de Tio Fulano com sua voz de trovão:
- Socorro! Socorro, me ajudem! Esse cara aqui atrás quer comer meu c*!
O misto de corrida com gargalhada não deu certo. Não tinha como dar. Camila logo perdeu o fôlego, tropeçou e caiu na minha frente. Tropeçando nela, eu também caí. Na seqüência, Daniel. Em seguida, Tio Fulano. E, por fim, Jason e sua moto-serra. Quase o maníaco fazia vítimas, realmente. Mas por sufocamento.
Jason pegou seu trambolho e desapareceu. Deve ter se assustado com o nosso grupo. Brasileiro sempre chega pra bagunçar, é incrível. Principalmente se tiver um Tio Fulano no meio. E como bom brasileiro que gosta de tirar vantagens, eu ainda pensei em processar o estabelecimento e ficar rico: como é que dizem que os monstros não iriam tocar na gente e o sujeito simplesmente se joga em cima de nós?
No caminho de volta para o hotel, a resenha não parava. Relembrávamos dos sustos e ríamos muito. Entre re-memórias de perseguições de um monstro e outro, Tia Lídia surpreendeu a todos dirigindo-se a Tio Fulano:
- É, Fulano... dessa vez, por pouco você não vira um pobre tatu.
Pense bem: qual a probabilidade de dois grupos que moram no mesmo lugar se encontrarem na mesma época, no mesmo país, no mesmo estado e no mesmo hotel entre os milhares que existem em Orlando? Enfim, foi aquele espanto geral. Um grato espanto, na verdade. Era o início de uma viagem divertidíssima, cheia de boas risadas, quase sempre causadas por Tio Fulano e suas histórias e piadas impublicáveis.
Sim, são realmente impublicáveis, mas vou pedir licença à censora do Blog, Sandra, e contar algumas. Crianças, não leiam.
A gente estava andando pelo parque e Daniel, o chato do Parque das Árvores, começou a se queixar: - tá calor, tô com fome, tô cansado, vamos só em mais um brinquedo.
- Daniel, você é um pobre tatu. - retrucou Tio Fulano com sua habitual falta de paciência.
Daniel, típico mal-humorado de poucas palavras, ignorou a observação. Mas, Tia Lídia, curiosa, perguntou:
- O que é um pobre tatu, Fulano?
- Um pobre tatu, Lídia, só tem o casco e o c*. O casco anda todo rachado e no c* tem um p** enfiado. – respondeu Tio Fulano com tranqüilidade e certa didática.
Confesso que fiquei apreensivo, afinal, Tia Lídia é uma pessoa um tanto quanto conservadora. Mas ela sorriu contida. Aliás, até Daniel, o pobre tatu, deu risada.
E a viagem prosseguiu. Assim como as tiradas de meu Tio.
Uma outra vez, explicando o que ele considerava ter sido alguma injustiça praticada contra ele, nos veio com essa durante o jantar:
- ... e aí o cara queria me vender pelo dobro do preço. Não aceitei, ele queria que eu assinasse um contrato bililica. – disse Tio Fulano, inconformado.
Advogado experiente e procurador do estado, Tio Renato perguntou intrigado:
- O que é um contrato bililica, Fulano?
- Eu entraria com o c*, ele entraria com a pi**. Não assinei, é claro. – respondeu meu desbocado tio, muito naturalmente.
Então, uma noite, estávamos todos voltando para o hotel na van alugada quando vimos, no meio do nada, uma enorme mansão com um amplo estacionamento na frente. A arquitetura exageradamente sombria, junto com o enorme letreiro iluminado onde líamos “The Haunted House” (A Casa Mal-Assombrada), nos revelou ser um brinquedo, mais uma atração daquela cidade repleta de entretenimento. Eu, Daniel e Camila, os três adolescentes do carro, enchemos a paciência de todos para irmos conferir.
Estacionamos o carro e, ainda do lado de fora, já ouvíamos sons de tiros, serras-elétricas, lamentos, gritaria. Fruto de algumas caixas de som escondidas pelo jardim da casa, tudo para deixar os visitantes no clima. Aproximando-nos da porta, ainda ouvi uma trovoada forte. Se não fosse o céu limpo e estrelado, teria certeza de que iria chover. Tenho que tirar o chapéu: além de invasão a países alheios, os americanos também são craques em promover diversão.
Ao entrar na casa, parecia de fato com um lar qualquer: porta-retratos, relógio antigo de parede, cabide para pendurar casaco, uma mesinha com um jarro de flores e uma escadaria que provavelmente dava nos quartos. Porém, a decoração carregada de madeira escura e o ambiente todo à meia-luz nos remetia diretamente a um filme de terror. Propositalmente, a temperatura era baixíssima, experimentamos um frio cortante.
De repente, apareceu um mordomo. Um tipo clássico de mordomo. Extremamente polido e monossilábico, com seu inglês britânico ao invés de americano, nos pediu que o seguisse e virou de costas. Neste instante, iniciou-se uma discussão entre nós:
- Eu não vou na frente! – antecipou-se Daniel.
- Eu também não! – completou Camila.
- Eu vou no meio! – me defendi.
Os adultos também ficaram no maior jogo de empurra até que o mordomo virou-se para nós e falou numa rápida fusão tônica entre polidez britânica e barraco latino-americano:
- I said... FOLLOW ME!
- Eu disse… SIGAM-ME!
Achamos melhor obedecer. Na ordem em que estávamos, seguimos em fila atrás daquele sujeito alto, pálido e vestido num elegante fraque negro. Graças a uma rápida manobra, consegui me posicionar no meio de todos, evitando as extremidades. Caminhando pelo corredor, o não muito simpático senhor nos advertiu sem olhar para trás:
- Não toquem nos atores que eles não tocarão em vocês.
Não sei se eu entendi certo, mas, se por acaso a gente resolvesse bater no monstro, ele bateria na gente de volta. Mas, tudo bem, aquele dia eu estava calmo, tinha tomado meus remédios controlados e não iria espancar ninguém.
Tão repentino quanto o aparecimento do mordomo, foi o seu sumiço. Nos vimos sozinhos naquele corredor escuro e cheio de quadros nas paredes. Os passos de Tio Renato, o primeiro da fila, eram curtos, milimétricos, quase não existiam. Tia Lídia reclamou:
- Vai, Renato! Qualquer coisa a gente corre de volta...
Blam! Um forte barulho denunciou o fechamento da porta atrás de nós. Era o fim do plano B de Tia Lídia. Após algumas dezenas de passos de formiga de Tio Renato, ainda no corredor, começamos a ouvir uma voz masculina como se estivesse resmungando. Ouvíamos também um som de líquido sendo remexido. Pensei logo no pior: tem alguém sendo estripado. Ao chegarmos na sala, não é que eu estava certo? No meio do que parecia ser uma sala de televisão, havia uma maca com um corpo aberto e um louco vestido de cirurgião cheio de tripas nas mãos. Ao ver-nos, ficou irado, começou a gritar conosco e então meteu a mão no tórax do pobre-coitado, arrancou o coração e jogou com força em nossa direção. O órgão bateu na grade que nos separava daquela cena e um líquido espirrou na gente. Só fomos perceber que era água ao invés de sangue quando já estávamos de volta ao corredor, desta vez, a passos muito mais rápidos do que os de Tio Renato.
Surgiu em nossa frente um jovem vestido de branco. Não era assustador. Na verdade, ele é quem parecia assustado. Pediu para que a gente o seguisse, como se fosse nos mostrar a saída daquele lugar. O jovem disparou a correr e, com um salto, atravessou o espelho que havia na parede. Ao chegarmos perto do objeto, só víamos nosso próprio reflexo. Então, mais um susto: o espelho acendeu e vimos o rapaz lá dentro apontando para a direção que devíamos seguir pelo corredor.
Durante nossas caminhadas, sons estranhos sempre nos acompanhavam. Mas, à medida que fomos nos aproximando do próximo ambiente, um som ritmado de pancadas ia aumentando. O que será que nos aguarda? Este era o pensamento corrente de todos naquela casa.
Ao entrarmos no cômodo, que surpresa desagradável! Estávamos no quarto da menina do Exorcista. Ela estava deitada, seus braços amarrados por dois lençóis à cabeceira da cama. Mas a garota não cansava de tentar se libertar: levantava meio corpo, se debatia inteira, convulsionava, trincava os dentes e então jogava as costas com força contra o colchão. Era este o som macabro que ouvíamos ainda do lado de fora.
Mais uma vez, a porta atrás da gente se fechou. O único caminho que tínhamos era contornarmos a cama da possuída e sairmos por um portal do outro lado da cabeceira. Ficamos um bom tempo parados ao lado da cama, olhando fixamente para aquela menina e seu rosto transfigurado. Seus movimentos obedeciam uma seqüência lógica, o que levantou uma discussão:
- É um robô. – disse Camila.
- Não, é uma pessoa, olha o detalhe da pele. – disse Tio Fulano.
- Não, é um robô sim, repare no movimento sempre igual. – disse Daniel.
- É pessoa!
- É robô.
- É pessoa!
- É robô.
- Parem de discutir. Se é robô ou se é pessoa, o fato é que teremos que passar por ela de qualquer jeito. Vamos. - Tia Lídia pôs fim à celeuma.
Como o quarto era pequeno, a distância entre as paredes e a cama devia ter em torno de meio metro. Os seis foram se esgueirando pela parede, evitando a lateral da cama. Doze olhos fixos na garota. Viramos a quina e estávamos todos de frente para a endiabrada quando, num solavanco mais forte, soltou das amarras um de seus braços. Tio Fulano infelizmente estava certo: era pessoa. Enfurecida, aos berros, ela não sabia se esticava o outro braço para nos alcançar ou se soltava o último lençol. Em meio à sua dúvida e nosso pleno terror, corremos pela outra lateral da cama e saímos dali. Após termos nos certificado de que ela não nos seguia, diminuímos o passo.
Mal deu tempo de respirar e começamos a ouvir ao longe um som de moto-serra acelerando. O ao longe tornou-se perto rapidinho: era Jason, de Sexta-Feira 13. Do pouco que consegui olhar, era um sujeito robusto, com sua típica roupa de lenhador e máscara de jogador de hockey. Disparamos mais uma vez. Corríamos com o mesmo vigor das vítimas dos filmes de terror que ele estrelava. A ordem da fila era a seguinte: Tio Renato na frente, depois Tia Lídia, Camila, eu, Daniel, Tio Fulano e Jason. Mesmo tendo ainda duas pessoas entre mim e o assassino, o som da moto-serra dava a entender que minha orelha seria decepada em instantes. O sujeito era bom de corrida.
Todos concentrados em fugir e eis que, misturado ao barulho infernal daquele motor em alta rotação, ouvimos os gritos de Tio Fulano com sua voz de trovão:
- Socorro! Socorro, me ajudem! Esse cara aqui atrás quer comer meu c*!
O misto de corrida com gargalhada não deu certo. Não tinha como dar. Camila logo perdeu o fôlego, tropeçou e caiu na minha frente. Tropeçando nela, eu também caí. Na seqüência, Daniel. Em seguida, Tio Fulano. E, por fim, Jason e sua moto-serra. Quase o maníaco fazia vítimas, realmente. Mas por sufocamento.
Jason pegou seu trambolho e desapareceu. Deve ter se assustado com o nosso grupo. Brasileiro sempre chega pra bagunçar, é incrível. Principalmente se tiver um Tio Fulano no meio. E como bom brasileiro que gosta de tirar vantagens, eu ainda pensei em processar o estabelecimento e ficar rico: como é que dizem que os monstros não iriam tocar na gente e o sujeito simplesmente se joga em cima de nós?
No caminho de volta para o hotel, a resenha não parava. Relembrávamos dos sustos e ríamos muito. Entre re-memórias de perseguições de um monstro e outro, Tia Lídia surpreendeu a todos dirigindo-se a Tio Fulano:
- É, Fulano... dessa vez, por pouco você não vira um pobre tatu.