Bom, se você tem estômago fraco, é cardíaco, tem bom senso
estético literário, é do tipo que sente nojo com facilidade, é sensível, mulher
fresca, torce para o São Paulo, é de Campinas, Pelotas ou é gaúcho da fronteira, melhor não ler essa história.
Ok, se continuou, é porque está apto e disposto a ouví-la.
Depois, não vá colocar recadinho aí embaixo do tipo: “Pedro, como você é
nojento...”, “não conhecia esse lado seu”, “vou te excluir do Orkut”. Cada um
lê o que quer, não é? Tem gente até que lê Veja.
Vamos lá.
Um belo dia, uma amiga me contou uma história difícil de
acreditar. Por dois motivos: pelo enredo propriamente dito e pela coragem em contar
para um amigo homem o que se passou. Aliás, para contar a qualquer ser humano. Para
não expô-la, daqui para frente, seu nome será Odete.
Advogada, Odete havia acabado de mudar de escritório e vivia
um momento especial, um momento de grande felicidade. Felicidade pelo novo
emprego, por estar respirando novos ares, pelas perspectivas que ela enxergava
à sua frente, pelo clima bacana do trabalho, pelas colegas que eram legais e,
também – ou principalmente -, pela quantidade de caras bonitos e interessantes trabalhando por
lá. (Palavras dela).
Então, ainda na sua primeira semana de trabalho, aconteceu a
festa de fim de ano do escritório. A turma, muito unida e entrosada, combinou
um “esquente” na casa de uma das meninas que, gentilmente, fez questão da
presença de nossa protagonista. A ideia era irem todas para lá depois do
trabalho, tomarem banho no apartamento da garota, colocarem seus vestidos de
gala e então beberem e socializarem com os rapazes do escritório que chegariam
logo em seguida.
Assim foi combinado, assim foi feito. Na hora do almoço, Odete
correu até o salão, fez escova, fez as unhas e cuidadosamente escolheu o
vestido para aquela ocasião. Era um vestido preto, longo, esguio, matador. Escolhido
estrategicamente para que ela demarcasse de vez o seu território no novo
trabalho e na cabeça dos novos colegas.
Naquela noite, na casa da garota, Odete foi a última das
meninas a terminar de se arrumar. Estava nitidamente caprichando, queria todos
os holofotes para si.
Então, após muita demora, saiu Odete de dentro do banheiro.
Demorou tanto que, ao sair, todos os homens já estavam lá (a conhecendo como
conheço, posso afirmar que este seu atraso foi planejado). Passou por eles, mexeu
no cabelo, provocou e teve a atenção que buscava. Como uma plateia de jogo de
tênis diante da bola, de maneira sincronizada, todos torceram o pescoço para
acompanhar sua passagem. Odete não é
publicitária, mas soube valorizar a sua imagem.
Quarta garrafa de prosseco aberta. A conversa rolava solta,
a troca de olhares, também. Então, eis que acontece o inesperado: de repente,
Odete foi surpreendida com uma pontada aguda na barriga, prenúncio de uma
urgência intestinal. Tratava-se de um evento inadiável. A partir dali, Odete sorria
para os presentes um sorriso sem cor. Os olhos haviam perdido o brilho,
tornaram-se opacos. As contrações abdominais a consumiam.
Isto seria apenas um intercurso fisiológico superável, mas havia um pequeno problema: ela estava em um pequeno loft com apenas um banheiro
e todo mundo no mesmo ambiente. Ou seja, todos saberiam exatamente a hora que
ela entraria e a hora que sairia. Sessenta segundos lá dentro, número 1. Mais
do que isso, número 2.
Como não havia mais jeito, Odete resolveu agir rápido.
Seguiu para o banheiro e, lá, fez o que tinha que fazer. Tentou agilizar o
máximo possível, cumpriu o ritual com perícia e rapidez de quem desarma uma
bomba-relógio com o contador chegando ao zero. Não entrarei em detalhes por
motivos óbvios. Mas, posso dizer que, cumprida a missão, Odete mirou o vaso e
estranhou: ao contrário do que anunciavam as cólicas, havia solidez e densidade
no produto final de seus esforços.
Feliz com seu rápido desempenho, ela se levantou e apertou a
descarga. E foi aí que iniciou-se o pesadelo de Odete.
No vaso sanitário, a água fez seu clássico redemoinho e
desceu tubulação abaixo. Tudo sairia perfeito, não fosse um detalhe: somente a
água desceu. Imprensada entre duas paredes de porcelana, a obra-prima de Odete
ficou ali, presa. Imediatamente, sua mão foi em direção à descarga novamente,
mas, pensou um pouco e desistiu: se apertasse outra vez, as pessoas ouviriam o
barulho e, diante de duas descargas consecutivas, deduziriam o sufoco que Odete
enfrentava.
A cabeça de Odete trabalhava. O que fazer? Nossa
protagonista tinha cada vez menos tempo para que as pessoas pensassem que
aqueles minutos investidos no banheiro não passavam de um charmoso xixi, fruto
de duas taças de prosseco. Odete olhava para um lado, olhava para o outro,
olhava o teto, olhava o chão. “Pensa rápido, Odete, pensa!”. Foi então que
Odete, mulher de muita ação e pouca divagação, achou um jeito de resolver o seu
problema: remover dali o emperrado objeto.
Não. Apesar do desespero, Odete não estava disposta a retirar
aquilo com as mãos. Pensou em papel higiênico, mas concluiu que ele se
dissolveria rapidamente na água. Toalha? Também inviável: por conta do tecido
grosso, não conseguiria a sensibilidade nas mãos necessária para a manobra exigida
- sem contar que, se Odete mal tinha tempo para pensar, quem dirá lavar toalha
dos outros. O ideal para a operação de remoção seria uma luva de borracha,
pensou.
Discreta, grande respeitadora da privacidade alheia, Odete
feriu seus princípios. Com certo vigor, foi abrindo gavetas e armários, um por
um. Nem sinal de luva de borracha. À sua frente, apenas artigos de maquiagem,
anéis, brincos, pulseiras, uma escova de dente e algumas caixas de remédio.
Então, ao fechar um dos armários, à sua frente, pendurada no registro de água,
descortinou-se a sua salvação: uma touca de banho. Uma linda e diferenciada touca de banho rosa.
Odete estava disposta a sacrificar a touca de sua amiga.
Pela primeira vez em sua vida, iria subtrair um bem. Não deu tempo de sua
consciência se manifestar: rapidamente, pegou aquele pedaço de lona fina,
vestiu a mão da forma que deu e a submergiu em direção ao compactado bloco de cimento
orgânico. Com muita destreza manual, perícia e sangue frio – quase um ato
cirúrgico – Odete conseguiu desencaixar um dos lados do hipertrofiado dejeto e,
em segundos, ele encontrava-se na palma de sua mão.
Diante de uma consistência que ela descreveu ser entre uma
massa crua de pão e uma gelatina, o objeto pedia habilidade para manter-se
intacto, sem partir ao meio, dividindo-se em duas grandes sujeiras no chão do
banheiro. Olhou para o lixo e, graças ao bom senso, não lhe pareceu uma boa ideia.
Restava apenas uma opção: o basculante do box do banheiro.
Foi aí que Odete, tal qual uma atleta olímpica de arremesso
de peso, elevou a mão direita e correu com aquele cilindro de pontas
arredondadas, tremulando, flexível. Com um chute, escancarou a porta do box e então lançou, vencedora, o coco e a touca, os dois embolando-se no ar, unidos, ao
sabor do vento, rumo ao chão.
O peso do mundo foi removido dos ombros de Odete. Sorria,
sozinha, naquele cubículo, sem conseguir acreditar que havia se livrado de
tamanho problema. Abraçou novamente a alegria. Mas queria, urgente, sair
daquele banheiro. E assim o fez. Antes, mexeu no cabelo em frente ao espelho,
abriu a porta e saiu leve. Nenhum olhar estranho para ela. Talvez tivessem
imaginado que o tempo a mais em que esteve ausente havia sido por motivos
femininos: retocar maquiagem, cabelo, olhar 20 vezes no espelho, etc.
Alívio, essa era a palavra. No âmbito fisiológico, no âmbito
psicológico. Odete, agora livre das amarras do constrangimento, só queria diversão.
Rapidamente, retomando sua taça, engatou numa empolgada conversa, gesticulava, atropelava palavras,
ria largamente, e fechava os olhos, e jogava a cabeça para trás. Até que alguém
disse que era hora de irem e desceram todos.
No elevador, Odete ainda ria muito e fazia rir em igual
proporção. Intimamente, celebrava com extrema simpatia e carisma a sua vitória
diante de uma batalha que parecia perdida. A porta se abriu e caminharam pelo
térreo em direção ao portão do prédio. Com a atitude clássica dos vencedores,
serena mas cheia de satisfação, Odete elevou os olhos ao céu e então, surpresa,
vislumbrou, no alto de uma mangueira, ao lado de um cacho de mangas, um incomum
fruto rosa.
E, nesta noite agradável de lua crescente e brisa leve,
enquanto todos passavam por baixo daquela grande copa de árvore, Odete, jamais
em toda a vida, torceu tanto para que uma fruta não caísse do pé.