Bom, nos gloriosos idos dos meus 20 anos, meus amigos me presentearam com o agradável apelido de “Pedrófilo”. Tudo porque eu arrumava umas paqueras mais novas que eu. Coisa pouca, só uns 6 anos de diferença. Mas tenho uma teoria pra isso ter acontecido com certa freqüência: compatibilidade de maturidade. Eu falava tanta bobagem, mas tanta bobagem, que só agradava mesmo as bem novinhas - e olhe lá. Enfim, foi um desses romances infanto-juvenis que acabou rendendo este post e quase um mandado de prisão.
Na época em que eu tocava em banda, sempre era contemplado com belíssimas visões de cima do palco. Mariana era uma delas. Com certa freqüência, ela aparecia em nossos shows e sua presença fazia a alegria de todos os músicos. Muitos acordes errados e solos fora de hora, algo não muito raro no Queima Samba, devem ter tido a sua contribuição. Seus olhos verdes e cabelos loiros logo lhe renderam um apelido entre nós, tarados de plantão: Sheila Melo.
E o pior – ou melhor – é que ela realmente parecia com a espetaculosa dançarina do Tchan. Com uma diferença: tinha apenas 15 anos, desabrochava em sua adolescência. Mas Pedroca, cheio de razão e com parcos 18 pra 19 aninhos, não podia deixar a oportunidade passar. A banda não duraria pra sempre e, junto com ela, findaria também a aura que envolve uma estrela do pagode do meu naipe. Além disso, quando ela ficasse um pouco mais velha e perdesse o frescor da inocência de uma debutante, seria difícil ela cair no meu papo fraco. Portanto, resolvi comprar briga com o resto da banda e investir na mocinha.
Apesar da pouca idade, Mariana era uma excelente companhia. Comunicativa, simpática, riso fácil e astral contagiante eram algumas das suas qualidades que me atraiam. Claro, fora os olhos verdes e as longas madeixas douradas. Afinal, não sou decorador pra prestar atenção só na beleza interior.
Um belo dia, recebo uma ligação no meio de uma tarde de domingo. Era Mariana:
- Oi Peu!
- Oi Mari! Tudo bem?
- Tudo tranqüilo. Tá fazendo o que? – perguntou minha paquera.
- Nada, tô de bobeira... – respondi deixando espaço para uma possível proposta.
- Eu tô aqui na frente do ensaio da Timbalada, mas não tô a fim de entrar. Quer fazer alguma coisa?
Bingo.
- Quero sim. Vamos ver um filme aqui em casa? – perguntei na esperança de trocar a bizarra companhia de Faustão e Gugu pela doce presença de Maricota.
- Legal. Você me pega aqui?
- Pego sim. Tô saindo de casa. Beijo!
Tomei um banho para vencer a inércia que me mantinha prostrado na cama e fui ao encontro de Mari.
Eu estava sozinho em casa. Mas, antes que você me julgue um criminoso, adianto que o convite incluía apenas um filminho, pipoca de microondas com coca-cola e uma caixa de Bis. Nada mais.
Chegamos em casa, nos acomodamos confortavelmente e começamos a assistir o filme. De repente, meu telefone tocou. Apesar de ser o início da moderníssima era do celular com identificador de chamada, não reconheci o número. Mesmo assim, achei por bem atender:
- Alô?
- Chame Mariana. – respondeu do outro lado uma seca e taxativa voz masculina.
Após uma pequena pausa, como quem recebe a notícia de uma tragédia, tirei o telefone do ouvido, tampei com a mão o microfone e falei:
- Mari, é pra você.
- Pra mim?! – perguntou a garota, com perplexidade e terror em seus lindos olhos verdes.
- Acho que é seu pai. – respondi tentando esconder meu nervosismo.
- Meu pai?! – perguntou de novo Mari, agora completamente apavorada.
- Acho que é, Mari. Atende logo! – respondi enquanto estendia o braço com o telefone em sua direção.
- Não! Fala você! – disse a garota, num surto de desespero que incluía um abraço forte no travesseiro e um empurrão em minha mão segurando o telefone.
- Eu?! Tá doida? Vou falar o que com seu pai? Atende logo esse telefone, Mariana!
- Não, não... – respondeu ela num início de choro.
- Mariana! Vai ser pior. Fala logo! – disse eu, enfático, enquanto dirigia o telefone até seu ouvido.
- Alô... pai?
Enquanto ouvia o velho cuspindo fogo do outro lado da linha, Mariana apertava os olhos e o travesseiro e choramingava ainda mais.
- É que... não quis... na porta da Timbalada... a gente só está assistindo filme, pai... Pedro é um amigo meu... – a pobre coitada tentava se explicar, mas o pai, possesso, parecia interrompê-la segundo após segundo.
Mari desligou o telefone e pôs-se a chorar copiosamente. Tentei acalmá-la e logo depois procurei saber o que havia acontecido. Soluçando, ela contou que o pai ligou para uma amiga que estaria com ela e a garota disse que Mariana não tinha entrado na festa. O pai então apertou a garota até descobrir com quem ela estava. Sabendo meu nome, foi só procurar na agenda de minha paquera o meu telefone. E a confusão estava formada.
- Ele falou mais o que, Mari? – perguntei querendo saber o que iria sobrar pra mim.
- Ele disse que era pra eu descer agora que ele está vindo me buscar.
- Então é melhor você descer, Mari. – disse eu, um pouco mais aliviado.
- Não! Você vai descer comigo! – delirou Mariana.
- Pirou, menina?
- Vai descer sim! Eu não vou descer só! – disse ela e então caiu novamente no choro.
Enquanto Mari se desfazia em lágrimas e soluços, fiquei me perguntando por que eu tinha me metido naquela situação. Por quê? Agora eu estava ali tendo que administrar uma garota chorando sem parar e um pai furioso indo ao meu encontro. Eu precisava pensar rápido, não dava pra descer simplesmente e dizer pro coroa “oi, prazer, toma aí sua filha de volta. Ela está intacta, viu? Tchau”.
Pensa, Pedro, pensa que o homem está chegando. Já sei! Quem é o maior expert em apagar os incêndios que costumam aparecer em meus caminhos? Ele mesmo: Tio Fulano. Corri para o telefone e liguei para sua casa:
- Meu tio, me ajude.
- O que foi, “meu tio”? – respondeu ele com voz típica dos sonos de sofás de domingo.
- Eu trouxe uma paquera aqui pra casa, o pai dela descobriu e está vindo pra cá. Só que ela está insistindo pra eu descer e falar com o sujeito... por favor, desça comigo meu tio. – disse eu com súplica na voz.
Tio Fulano morava em meu prédio. Era meu vizinho de porta. Uma dessas sortes que a gente conta nos dedos as vezes que acontecem ao longo da vida. Com seu espírito de general do exército da salvação e sua objetividade de sempre, Tio Fulano me tranqüilizou:
- Te encontro lá embaixo em 5 minutos.
Peguei mais lenços de papel para Mari. A coitada não parava de chorar. Comecei a achar que o pai dela era um sujeito violento. Só podia ser! Para ela querer que eu descesse junto, devia ser para tentar evitar uma surra. Ou pra dividi-la comigo.
Chegamos no playground e Tio Fulano já estava lá. Com sua típica camiseta branca de ficar em casa, bermuda e chinelos. Sereno, ele parecia já ter o problema resolvido na cabeça. Eu e Mari nos aproximamos dele com cara de velório e eu a apresentei. Ele olhou pra mim reprovativo. Após algum tempo, ainda que de forma tímida, quebrei o silêncio fúnebre da cena:
- Meu tio, você vai dizer o que pro pai dela?
Com os olhos cerrados e a clássica palma da mão voltada para mim, ele me respondeu sem dizer nada. Era mais um “deixe comigo”. Após uma espera angustiante, chegou diante de nós o tão aguardado carro. Imediatamente, o semblante introspectivo de Tio Fulano deu lugar a um largo sorriso e ele partiu a passos rápidos em direção ao pai de Mari que deixava o automóvel com cara de poucos amigos. Com os braços abertos, gesto típico do bom anfitrião, meu tio desandou a falar com seu tom de voz alto:
- Olá! Tudo bem? Meu nome é Fulano, sou tio de Pedro. Prazer!
Mari tinha razão de estar tão preocupada: seu pai simplesmente ignorava as boas-vindas de Tio Fulano e, parado diante da porta, fazia um frio e aterrorizante sinal com o dedo para que ela entrasse no carro. Tio Fulano perseverava:
- Fique tranqüilo, estávamos eu, Pedro e Mariana lá na sala assistindo filme. “Sociedade dos Poetas Mortos”, um belo filme por sinal.
Ao passar pelo pai, deu pra ver minha paquerinha engolindo em seco. Silenciosamente, ela entrou no carro. E meu tio deu o golpe de misericórdia:
- Sua filha é um doce. – e, com a cara mais lavada do mundo, ainda completou – Traga ela aqui mais vezes.
O pai de Mariana estava realmente puto da vida. Mas, àquela altura, o alvo de tanta chateação era somente sua filha. Afinal, fora ela que havia lhe dito que iria a uma festa e foi parar em outro lugar. Graças aos céus, ao final da ladainha de Tio Fulano, nosso visitante parecia estar convencido de toda a história. Cumprimentou respeitosamente o grande ator do dia, me ignorou e levou Maricota embora.
Subimos juntos o elevador. Já aliviado de toda aquela tensão, agradeci ao meu salvador:
- Meu tio, essa foi por pouco. Muito obrigado.
Objetivo, talvez louco para entrar em casa a tempo de assistir as Vídeo-Cassetadas, ele respondeu:
- Você me deve mais uma, “meu tio”.
Tio Fulano tinha razão. Minhas dívidas com ele estavam acumulando. Se eu começasse a pagar tudo agora, só terminaria na próxima encarnação. E, caso não fosse ele me ajudando mais uma vez, por conta da ira deste pai, eu poderia ter conhecido precocemente essa próxima encarnação. Quem não se safou foi Mari. Sua sentença: um mês de castigo sem sair de casa.
Hoje, mais de 10 anos depois, apesar de não morarmos mais na mesma cidade, eu e Maricota somos grandes amigos. Vez ou outra lembramos desse episódio e nos divertimos bastante.
Ah, falando em lembrar, lembram que em um desses posts eu disse que jamais deixarei minha filha ir num ensaio do Harém? Pois bem, fica registrado que o mesmo vale para um ensaio da Timbalada.