Ela era dona de um fabuloso par de olhos verdes, duas verdadeiras tochas cor de esmeralda. Loira, cabelo liso, bem liso, pele bem branquinha, lábios cor-de-rosa. Como se não lhe bastasse ter uma beleza difícil de encontrar em qualquer esquina de Salvador, ela era atenciosa, simpática, bem-humorada. E tinha um sorriso fascinante que, não raro, me levava a um quadro de taquicardia aguda. (Desculpem o fim de raciocínio não muito romântico, mas é a descrição de paixão de um hipocondríaco).
Faffy, uma grande amiga, apresentou-me Renata na porta do Colégio Módulo, onde as duas estudavam. Eu tinha 20 anos, a garota por quem meu coração subitamente bateu mais forte tinha apenas 16. Naquele dia, havia outros colegas delas na rodinha de conversa e então trocamos poucas palavras de início. Era uma daquelas situações onde você não consegue prestar atenção em nada que outra pessoa do grupo diz. Seja porque seu cérebro está ocupado demais tentando achar um assunto para puxar com quem lhe interessa ou porque nada alheio a ela desperta a atenção de seus ouvidos.
De lá, fomos comer alguma coisa em uma loja de conveniência próxima ao colégio. Convidei as duas, Faffy e Renata, para irem comigo no carro. Recebi de minha paquera um doce e carinhoso “não”. Com seu sorriso desarmador, ela disse que preferia ir a pé já que era bem pertinho. Foi uma resposta que tinha tudo para soar antipática, mas Renata era extremamente jeitosa, educada. E, cá pra nós, ter negado a carona foi apenas mais um indício de que ela era uma garota diferente de muitas outras.
Estávamos em pleno posto de gasolina comentando as aventuras virtuais de Faffy, a adolescente hacker que uma vez foi até rastreada pela polícia. Rimos bastante, o clima descontraiu ainda mais e então me senti à vontade para tentar estreitar o contato:
- Você tem ICQ, Renata?
Eu sempre fui um cara péssimo de paquera presencial. Mas meu desempenho aumentava consideravelmente quando o ambiente era virtual. Fui rato de VP da Telebahia (vídeo-papo), mIRC, ICQ e, há algum tempo atrás, MSN. Enquanto meus amigos iam para os ensaios do Gera Samba no Clube Espanhol, eu paquerava pela internet. Era muito mais prático e eficiente. Fora que eu não bebia e, nestas festas, nunca entrava no clima. Aí é meio brabo você ir pra um negócio desses só ficar ouvindo Compadre Washington gritar “Tchannn!! Tchannnnnnn!!” e ainda não morder ninguém. (Impressionante, é só falar do mestre que meu vocabulário torna-se irresistivelmente pobre e cafajeste).
Bom, vou voltar a Renata. Por algum motivo, falar dela é mais agradável que falar de Compadre Washington.
Trocamos números de ICQ e, chegando em casa, a primeira coisa que fiz foi adicioná-la à minha lista. A partir daí, passamos a conversar com uma freqüência quase que diária. Era impressionante, nunca faltava assunto. Falávamos de tudo e quando eu percebia, horas haviam se passado. Só tinha um problema nisso tudo: eu não conseguia avaliar se existia reciprocidade no sentimento ou se ela me via como um bom amigo.
Na hora das maiores dúvidas existenciais, nos momentos em que a vida jogava em meu colo seus grandes mistérios, era ele a quem eu recorria: Tio Fulano. Tio Fulano, como muitos já sabem, é um superlativo de praticidade, um sujeito que não costuma perder tempo diante de interrogações, quaisquer que sejam elas. Exclamativo, costuma ouvir minhas questões e lamentos com certa impaciência, mas sempre os ouve. E essa inquietação na hora da escuta existe por um motivo simples: ele quer dar a solução logo, sem demora. Através de um gesto típico que inclui a palma da sua mão levantada em minha direção e os olhos fechados, ele sempre encerra precocemente meu raciocínio dizendo: - Posso falar?!
Após outra conversa virtual com Renata que me deixou com mais dúvidas do que conclusões, resolvi apelar ao paladino dos conselhos. Cheguei na casa de Tio Fulano e, após ouvir pacientemente a uma dezena de piadas pornográficas, abri meu coração:
- Meu tio, acho que estou gostando de uma garota.
- Que bom, “meu tio”! Não tem nada melhor do que se apaixonar... – disse ele com entusiasmo. E em seguida perguntou – e ela também está gostando de você?
- Esse é o problema, meu tio. Não sei dizer. – respondi com certo pesar na voz.
Como quem pergunta a coisa mais óbvia do mundo, ele me argüiu com uma leve indignação:
- E por que você não se declara?!
- Meu tio, não é simples assim. Ela pode acabar se afastando de mim. – dei a típica explicação dos medrosos apaixonados.
- Acabar se afastando o quê, rapaz, tá maluco? Mulher gosta de homem com atitude. Chegue pra ela amanhã e diga que você está afim dela! Mas não demore não, tem que ser amanhã! – disse Tio Fulano, incisivo, gesticulando, gesticulando muito.
- Mas meu tio...
- Mas, nada! Amanhã você liga pra ela e depois vem aqui me contar. – Tio Fulano interrompeu-me sumariamente.
Só um louco contraria uma ordem expressa de Tio Fulano. E louco eu não sou. Assenti silenciosamente com a cabeça e pedi a ele que me deixasse utilizar seu computador. Ao conectar-me no ICQ, quem estava on-line? Renata.
- Meu tio, olha a coincidência, ela está no ICQ. – comentei, empolgado.
- ... combine logo seu encontro amanhã... – disse Tio Fulano, impaciente.
Conversei alguns minutos com a garota que fazia o tempo voar e, por conta de um enorme copo de suco que meu tio havia me servido, fui obrigado a levantar e ir ao banheiro fazer xixi. Coisa de 2 minutos. O suficiente para, no retorno, flagrar Tio Fulano sentando tranqüilamente à frente do computador. Fiquei desesperado, protestei de todos os jeitos. Ainda o vi terminar de escrever na tela de Renata, ao som espaçado de quem cata milho no teclado:
[caps lock]
Q-U-E-R-O N-A-M-O-R-A-R C-O-M V-O-C-Ê. E A-Í?
[enter]
Não dava para acreditar que ele tinha feito aquilo. “QUERO NAMORAR COM VOCÊ. E AÍ?”. Eu preparando terreno com todo o cuidado do mundo e vem ele e se declara – aliás, me declara – desse jeito. Não havia dúvidas, meu trabalho inteiro tinha ido por água abaixo.
- Meu tio, você é louco?? Agora é que essa menina não quer nada comigo. – disse eu, inconsolável.
- Relaxe, “Meu tio”. Ela vai se amarrar. – respondeu ele com direito a gíria e uma confiança que sabe Deus de onde tirou.
Nada de resposta de Renata. Eu olhava fixamente para a janelinha branca do ICQ de meu amor platônico. Nada!
- Viu, meu tio? Viu? – disse eu, emputecido.
Tio Fulano inspirou lentamente e, calado, fez um sinal de “está tudo sob controle”.
O suspense aumentava e Renata não se manifestava. Após um longo - quase eterno - instante, ela respondeu:
"Peu, você deve ter entendido errado... desculpe, mas somos apenas bons amigos... "
- Viu, meu tio? Viu? – bradei fazendo o clássico gesto de uma mão aberta batendo sobre a outra mão fechada.
Sem perder a serenidade, olhos semi-cerrados, gestos lentos, Tio Fulano respondeu:
- Você confia em seu tio? Ela está só fazendo charme. Vá por mim: a menina já está no papo...
Por que é que Deus havia me dado um tio louco? Era só o que eu conseguia pensar. Aliás, tinha outra coisa que eu me perguntava: por que raios eu resolvi contar isso a Tio Fulano? Conselheiro, tudo bem, ele realmente tinha esse dom. Mas cupido? Isso, definitivamente, era incompatível com a sua forma rápida de resolver as coisas. Por conta desse seu ato tão habilidoso, eu me meti numa sinuca de bico: se eu dissesse depois a Renata que havia sido meu tio no ICQ ao invés de mim, seria ridículo e ainda teria soado como desculpa esfarrapada de perdedor. Por outro lado, se eu assumisse a autoria daquela declaração desastrada depois de tanto cuidado ao conduzir a paquera, no mínimo, sairia da história como maluco.
No dia seguinte, entrei no ICQ. Renata estava lá. Eu não falei com ela, ela não falou comigo. Mais um dia se passou e então voltamos a nos falar, ainda friamente e sem a intimidade conquistada com tantas horas de conversa e perdida em uma única frase. Uma semana depois, estávamos namorando. Um mês depois, trocamos o primeiro “eu te amo”.
Moral da história: se um dia você tiver a honra de ouvir de Tio Fulano um “confie em mim, 'meu tio'”, confie. De algum jeito, ele sabe o que diz.
Faffy, uma grande amiga, apresentou-me Renata na porta do Colégio Módulo, onde as duas estudavam. Eu tinha 20 anos, a garota por quem meu coração subitamente bateu mais forte tinha apenas 16. Naquele dia, havia outros colegas delas na rodinha de conversa e então trocamos poucas palavras de início. Era uma daquelas situações onde você não consegue prestar atenção em nada que outra pessoa do grupo diz. Seja porque seu cérebro está ocupado demais tentando achar um assunto para puxar com quem lhe interessa ou porque nada alheio a ela desperta a atenção de seus ouvidos.
De lá, fomos comer alguma coisa em uma loja de conveniência próxima ao colégio. Convidei as duas, Faffy e Renata, para irem comigo no carro. Recebi de minha paquera um doce e carinhoso “não”. Com seu sorriso desarmador, ela disse que preferia ir a pé já que era bem pertinho. Foi uma resposta que tinha tudo para soar antipática, mas Renata era extremamente jeitosa, educada. E, cá pra nós, ter negado a carona foi apenas mais um indício de que ela era uma garota diferente de muitas outras.
Estávamos em pleno posto de gasolina comentando as aventuras virtuais de Faffy, a adolescente hacker que uma vez foi até rastreada pela polícia. Rimos bastante, o clima descontraiu ainda mais e então me senti à vontade para tentar estreitar o contato:
- Você tem ICQ, Renata?
Eu sempre fui um cara péssimo de paquera presencial. Mas meu desempenho aumentava consideravelmente quando o ambiente era virtual. Fui rato de VP da Telebahia (vídeo-papo), mIRC, ICQ e, há algum tempo atrás, MSN. Enquanto meus amigos iam para os ensaios do Gera Samba no Clube Espanhol, eu paquerava pela internet. Era muito mais prático e eficiente. Fora que eu não bebia e, nestas festas, nunca entrava no clima. Aí é meio brabo você ir pra um negócio desses só ficar ouvindo Compadre Washington gritar “Tchannn!! Tchannnnnnn!!” e ainda não morder ninguém. (Impressionante, é só falar do mestre que meu vocabulário torna-se irresistivelmente pobre e cafajeste).
Bom, vou voltar a Renata. Por algum motivo, falar dela é mais agradável que falar de Compadre Washington.
Trocamos números de ICQ e, chegando em casa, a primeira coisa que fiz foi adicioná-la à minha lista. A partir daí, passamos a conversar com uma freqüência quase que diária. Era impressionante, nunca faltava assunto. Falávamos de tudo e quando eu percebia, horas haviam se passado. Só tinha um problema nisso tudo: eu não conseguia avaliar se existia reciprocidade no sentimento ou se ela me via como um bom amigo.
Na hora das maiores dúvidas existenciais, nos momentos em que a vida jogava em meu colo seus grandes mistérios, era ele a quem eu recorria: Tio Fulano. Tio Fulano, como muitos já sabem, é um superlativo de praticidade, um sujeito que não costuma perder tempo diante de interrogações, quaisquer que sejam elas. Exclamativo, costuma ouvir minhas questões e lamentos com certa impaciência, mas sempre os ouve. E essa inquietação na hora da escuta existe por um motivo simples: ele quer dar a solução logo, sem demora. Através de um gesto típico que inclui a palma da sua mão levantada em minha direção e os olhos fechados, ele sempre encerra precocemente meu raciocínio dizendo: - Posso falar?!
Após outra conversa virtual com Renata que me deixou com mais dúvidas do que conclusões, resolvi apelar ao paladino dos conselhos. Cheguei na casa de Tio Fulano e, após ouvir pacientemente a uma dezena de piadas pornográficas, abri meu coração:
- Meu tio, acho que estou gostando de uma garota.
- Que bom, “meu tio”! Não tem nada melhor do que se apaixonar... – disse ele com entusiasmo. E em seguida perguntou – e ela também está gostando de você?
- Esse é o problema, meu tio. Não sei dizer. – respondi com certo pesar na voz.
Como quem pergunta a coisa mais óbvia do mundo, ele me argüiu com uma leve indignação:
- E por que você não se declara?!
- Meu tio, não é simples assim. Ela pode acabar se afastando de mim. – dei a típica explicação dos medrosos apaixonados.
- Acabar se afastando o quê, rapaz, tá maluco? Mulher gosta de homem com atitude. Chegue pra ela amanhã e diga que você está afim dela! Mas não demore não, tem que ser amanhã! – disse Tio Fulano, incisivo, gesticulando, gesticulando muito.
- Mas meu tio...
- Mas, nada! Amanhã você liga pra ela e depois vem aqui me contar. – Tio Fulano interrompeu-me sumariamente.
Só um louco contraria uma ordem expressa de Tio Fulano. E louco eu não sou. Assenti silenciosamente com a cabeça e pedi a ele que me deixasse utilizar seu computador. Ao conectar-me no ICQ, quem estava on-line? Renata.
- Meu tio, olha a coincidência, ela está no ICQ. – comentei, empolgado.
- ... combine logo seu encontro amanhã... – disse Tio Fulano, impaciente.
Conversei alguns minutos com a garota que fazia o tempo voar e, por conta de um enorme copo de suco que meu tio havia me servido, fui obrigado a levantar e ir ao banheiro fazer xixi. Coisa de 2 minutos. O suficiente para, no retorno, flagrar Tio Fulano sentando tranqüilamente à frente do computador. Fiquei desesperado, protestei de todos os jeitos. Ainda o vi terminar de escrever na tela de Renata, ao som espaçado de quem cata milho no teclado:
[caps lock]
Q-U-E-R-O N-A-M-O-R-A-R C-O-M V-O-C-Ê. E A-Í?
[enter]
Não dava para acreditar que ele tinha feito aquilo. “QUERO NAMORAR COM VOCÊ. E AÍ?”. Eu preparando terreno com todo o cuidado do mundo e vem ele e se declara – aliás, me declara – desse jeito. Não havia dúvidas, meu trabalho inteiro tinha ido por água abaixo.
- Meu tio, você é louco?? Agora é que essa menina não quer nada comigo. – disse eu, inconsolável.
- Relaxe, “Meu tio”. Ela vai se amarrar. – respondeu ele com direito a gíria e uma confiança que sabe Deus de onde tirou.
Nada de resposta de Renata. Eu olhava fixamente para a janelinha branca do ICQ de meu amor platônico. Nada!
- Viu, meu tio? Viu? – disse eu, emputecido.
Tio Fulano inspirou lentamente e, calado, fez um sinal de “está tudo sob controle”.
O suspense aumentava e Renata não se manifestava. Após um longo - quase eterno - instante, ela respondeu:
"Peu, você deve ter entendido errado... desculpe, mas somos apenas bons amigos... "
- Viu, meu tio? Viu? – bradei fazendo o clássico gesto de uma mão aberta batendo sobre a outra mão fechada.
Sem perder a serenidade, olhos semi-cerrados, gestos lentos, Tio Fulano respondeu:
- Você confia em seu tio? Ela está só fazendo charme. Vá por mim: a menina já está no papo...
Por que é que Deus havia me dado um tio louco? Era só o que eu conseguia pensar. Aliás, tinha outra coisa que eu me perguntava: por que raios eu resolvi contar isso a Tio Fulano? Conselheiro, tudo bem, ele realmente tinha esse dom. Mas cupido? Isso, definitivamente, era incompatível com a sua forma rápida de resolver as coisas. Por conta desse seu ato tão habilidoso, eu me meti numa sinuca de bico: se eu dissesse depois a Renata que havia sido meu tio no ICQ ao invés de mim, seria ridículo e ainda teria soado como desculpa esfarrapada de perdedor. Por outro lado, se eu assumisse a autoria daquela declaração desastrada depois de tanto cuidado ao conduzir a paquera, no mínimo, sairia da história como maluco.
No dia seguinte, entrei no ICQ. Renata estava lá. Eu não falei com ela, ela não falou comigo. Mais um dia se passou e então voltamos a nos falar, ainda friamente e sem a intimidade conquistada com tantas horas de conversa e perdida em uma única frase. Uma semana depois, estávamos namorando. Um mês depois, trocamos o primeiro “eu te amo”.
Moral da história: se um dia você tiver a honra de ouvir de Tio Fulano um “confie em mim, 'meu tio'”, confie. De algum jeito, ele sabe o que diz.