Por que raios alguém que estuda Publicidade e Propaganda precisa de Francês I, II e III? Até hoje não descobri. Só sei que eu estudei... quer dizer, assisti aula... aliás, peguei essas matérias. Sempre tive vontade de aprender italiano, ainda vou aprender, é a língua mais próxima do latim e eu aprecio a nossa falecida língua-mãe. Mas francês, nunca me interessei, sempre achei meio boiola. Durante as aulas, eu fazia atividades alternativas. Como jogar fliperama no Center Lapa, por exemplo.
Era o primeiro semestre da faculdade e, além de uma boa quantidade de matérias nem um pouco práticas, de cara a gente já pegava Francês I. A professora era uma senhora às vésperas da aposentadoria, Dona Engrácia. Saber que teríamos de aprender francês foi algo que logo assustou a todos. Mas o pessoal do segundo semestre dizia que era fácil passar. Todo mundo colava descaradamente e se dava bem.
De maneira geral, todo mundo na faculdade de publicidade é gente boa. Você não vê competitividade, gente tentando passar por cima do outro, guerra por score, nada disso. Existe um clima de cooperação muito grande, sempre um fazendo pelo outro. E foi justamente essa coisa de um fazer pelo outro que aconteceu comigo naquela última prova de Francês I do semestre.
Eu tinha uma grande amiga na faculdade: Cecília. Cecília era uma figura totalmente descolada, alternativa até dizer chega, típica estudante de publicidade. Vivia no circuito de cinema-arte e, além de Alessandra Negrini, era a única pessoa no mundo que curtia Otto. Entre outras esquisitices, Cecília era fluente em francês. Não lembro se ela havia feito curso ou se tinha morado na França. Só sei que ela era craque na língua – não vá pensar besteira.
Aproximando-se do dia da prova, comentei com ela:
- Ciça, eu não sei nada de francês... vou perder a matéria. Me dê uma força, estude comigo, vá.
Cecília, prática como ela, respondeu:
- Relaxe, não precisa estudar. No dia eu sento perto de você e quando terminar de fazer a minha prova, pego a sua e faço.
Fantástico. Cada vez eu gostava mais de Cecília. Relaxei e não trisquei no livro.
Dia de prova. Dona Engrácia - carinhosamente apelidada de Mon Bijoux – calmamente arrumava as cadeiras em fila enquanto os alunos iam pegando seus lugares. Eu disse que não existia disputa no curso de propaganda né? Mas lembrei de uma hora em que isso costumava acontecer: no momento de pegar as cadeiras que ficavam no fundão da sala nas provas de francês. Mas eu e Ciça nos adiantamos. Tratamos de chegar cedo e garantimos as duas últimas, encostadas na parede do fundo da sala, uma ao lado da outra, separadas apenas pelo corredor.
Provas entregues. Ciça piscou o olho pra mim como quem diz “vai dar tudo certo”. Li a prova e comprovei minha suspeita: não sabia responder uma questão sequer. Fiquei então movimentando a caneta sobre o papel e de vez em quando colocava a ponta da caneta na boca fingindo estar pensando. Apesar da professora nem olhar pra mim, fiz o maior teatro de quem estava levando a prova a sério. E Cecília concentrada, respondendo tudo na maior velocidade.
Escondendo-se atrás do aluno que estava na cadeira da frente, Ciça lançou um psiu e sussurou:
- Me dê sua prova.
Olhei de rabo de olho para a professora. Há muito que ela lia um livro, nem parecia que estava naquela sala. A encarei mais um pouquinho pra garantir. Estava tudo certo. Num movimento rápido, estendi a mão com minha prova em branco para Cecília que, por sua vez, recebeu o papel demonstrando mais agilidade que uma troca de bastões em revezamento 4 por 100. Mas, na hora da transição, Dona Engrácia levantou os olhos numa velocidade que não era a sua.
Eu fiquei sem minha prova e Cecília ficou com duas. Então, pra disfarçar, comecei a rabiscar no braço da carteira como se estivesse respondendo as questões. Mesmo olhando para baixo, minha visão periférica percebeu a professora levantando da sua cadeira e vindo em minha direção. Vinha se aproximando lentamente. E eu rabiscando a carteira com um cínico semblante pensativo. De repente, Dona Engrácia estava com as pernas coladas na tábua riscada. Não tive coragem de olhar pra ela. Continuei respondendo as questões imaginárias de francês.
- Onde está a sua prova? – disse Dona Engrácia num tom áspero que também não era o seu habitual.
Olhei pra ela, olhei pro braço da carteira todo rabiscado, olhei pra ela de novo e, nervoso, respondi como se algo de muito misterioso tivesse acontecido:
- Não sei, professora!
Ela tomou as duas provas das mãos de Cecília.
- Zero pros dois. Podem sair da sala. – falou Dona Engrácia bastante irritada.
Gaguejando, tentei argumentar alguma coisa. Em vão. Ciça levantou tranqüilamente da carteira, pegou seus livros e cadernos e foi andando pra fora da sala. Eu a segui.
- Ciça, não acredito, eu já estava perdido mesmo, mas você precisava de quase nada pra passar. E agora? – falei sentindo o peso da consciência em minhas costas.
- Relaxe... semestre que vem a gente pega Francês I de novo. – Ciça conseguiu responder sorrindo.
Não agüentei, seria injusto, ela estava tentando me ajudar. Entrei na sala de aula e fui falar com a professora.
- Dona Engrácia, Cecília não teve nada a ver com isso. Fui eu que joguei minha prova na mesa dela. Poupe Cecília. – falei enquanto nossos colegas davam risada de minha cara.
A professora olhou pra mim, pensou e respondeu:
- Tudo bem Pedro, zero pra você e metade dos pontos que Cecília tiver feito até agora.
Saí da sala satisfeito. Tinha certeza que Ciça havia feito o suficiente para passar.
Ao longo da faculdade tive tanta dificuldade com francês, repeti tantas vezes a matéria que a grade mudou, francês virou espanhol e eu quase tenho que fazer tudo de novo. No fim, a faculdade abriu uma turma pra quem devia Francês III e eu enfim passei. Hoje, as únicas palavras da língua francesa que eu sei falar são: croissant, abajur, garage, Elle et Lui e, em homenagem à redentora de Cecília, Mon Bijoux.
(Sandra, me perdoe)
* Sandra é minha irmã e acha que eu me exponho demais no blog.
Era o primeiro semestre da faculdade e, além de uma boa quantidade de matérias nem um pouco práticas, de cara a gente já pegava Francês I. A professora era uma senhora às vésperas da aposentadoria, Dona Engrácia. Saber que teríamos de aprender francês foi algo que logo assustou a todos. Mas o pessoal do segundo semestre dizia que era fácil passar. Todo mundo colava descaradamente e se dava bem.
De maneira geral, todo mundo na faculdade de publicidade é gente boa. Você não vê competitividade, gente tentando passar por cima do outro, guerra por score, nada disso. Existe um clima de cooperação muito grande, sempre um fazendo pelo outro. E foi justamente essa coisa de um fazer pelo outro que aconteceu comigo naquela última prova de Francês I do semestre.
Eu tinha uma grande amiga na faculdade: Cecília. Cecília era uma figura totalmente descolada, alternativa até dizer chega, típica estudante de publicidade. Vivia no circuito de cinema-arte e, além de Alessandra Negrini, era a única pessoa no mundo que curtia Otto. Entre outras esquisitices, Cecília era fluente em francês. Não lembro se ela havia feito curso ou se tinha morado na França. Só sei que ela era craque na língua – não vá pensar besteira.
Aproximando-se do dia da prova, comentei com ela:
- Ciça, eu não sei nada de francês... vou perder a matéria. Me dê uma força, estude comigo, vá.
Cecília, prática como ela, respondeu:
- Relaxe, não precisa estudar. No dia eu sento perto de você e quando terminar de fazer a minha prova, pego a sua e faço.
Fantástico. Cada vez eu gostava mais de Cecília. Relaxei e não trisquei no livro.
Dia de prova. Dona Engrácia - carinhosamente apelidada de Mon Bijoux – calmamente arrumava as cadeiras em fila enquanto os alunos iam pegando seus lugares. Eu disse que não existia disputa no curso de propaganda né? Mas lembrei de uma hora em que isso costumava acontecer: no momento de pegar as cadeiras que ficavam no fundão da sala nas provas de francês. Mas eu e Ciça nos adiantamos. Tratamos de chegar cedo e garantimos as duas últimas, encostadas na parede do fundo da sala, uma ao lado da outra, separadas apenas pelo corredor.
Provas entregues. Ciça piscou o olho pra mim como quem diz “vai dar tudo certo”. Li a prova e comprovei minha suspeita: não sabia responder uma questão sequer. Fiquei então movimentando a caneta sobre o papel e de vez em quando colocava a ponta da caneta na boca fingindo estar pensando. Apesar da professora nem olhar pra mim, fiz o maior teatro de quem estava levando a prova a sério. E Cecília concentrada, respondendo tudo na maior velocidade.
Escondendo-se atrás do aluno que estava na cadeira da frente, Ciça lançou um psiu e sussurou:
- Me dê sua prova.
Olhei de rabo de olho para a professora. Há muito que ela lia um livro, nem parecia que estava naquela sala. A encarei mais um pouquinho pra garantir. Estava tudo certo. Num movimento rápido, estendi a mão com minha prova em branco para Cecília que, por sua vez, recebeu o papel demonstrando mais agilidade que uma troca de bastões em revezamento 4 por 100. Mas, na hora da transição, Dona Engrácia levantou os olhos numa velocidade que não era a sua.
Eu fiquei sem minha prova e Cecília ficou com duas. Então, pra disfarçar, comecei a rabiscar no braço da carteira como se estivesse respondendo as questões. Mesmo olhando para baixo, minha visão periférica percebeu a professora levantando da sua cadeira e vindo em minha direção. Vinha se aproximando lentamente. E eu rabiscando a carteira com um cínico semblante pensativo. De repente, Dona Engrácia estava com as pernas coladas na tábua riscada. Não tive coragem de olhar pra ela. Continuei respondendo as questões imaginárias de francês.
- Onde está a sua prova? – disse Dona Engrácia num tom áspero que também não era o seu habitual.
Olhei pra ela, olhei pro braço da carteira todo rabiscado, olhei pra ela de novo e, nervoso, respondi como se algo de muito misterioso tivesse acontecido:
- Não sei, professora!
Ela tomou as duas provas das mãos de Cecília.
- Zero pros dois. Podem sair da sala. – falou Dona Engrácia bastante irritada.
Gaguejando, tentei argumentar alguma coisa. Em vão. Ciça levantou tranqüilamente da carteira, pegou seus livros e cadernos e foi andando pra fora da sala. Eu a segui.
- Ciça, não acredito, eu já estava perdido mesmo, mas você precisava de quase nada pra passar. E agora? – falei sentindo o peso da consciência em minhas costas.
- Relaxe... semestre que vem a gente pega Francês I de novo. – Ciça conseguiu responder sorrindo.
Não agüentei, seria injusto, ela estava tentando me ajudar. Entrei na sala de aula e fui falar com a professora.
- Dona Engrácia, Cecília não teve nada a ver com isso. Fui eu que joguei minha prova na mesa dela. Poupe Cecília. – falei enquanto nossos colegas davam risada de minha cara.
A professora olhou pra mim, pensou e respondeu:
- Tudo bem Pedro, zero pra você e metade dos pontos que Cecília tiver feito até agora.
Saí da sala satisfeito. Tinha certeza que Ciça havia feito o suficiente para passar.
Ao longo da faculdade tive tanta dificuldade com francês, repeti tantas vezes a matéria que a grade mudou, francês virou espanhol e eu quase tenho que fazer tudo de novo. No fim, a faculdade abriu uma turma pra quem devia Francês III e eu enfim passei. Hoje, as únicas palavras da língua francesa que eu sei falar são: croissant, abajur, garage, Elle et Lui e, em homenagem à redentora de Cecília, Mon Bijoux.
(Sandra, me perdoe)
* Sandra é minha irmã e acha que eu me exponho demais no blog.